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Sábado,
22/4/2017
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Vermelho (série: Sonetos)
Em alameda livre, saltam meus cavalos
de carmim. Saltam com narinas afeitas
ao que vive ao redor da casa. E ao redor
dos limites do portão.
Eriçando a pele, meu cavalo de rosas
respira. Do mundo da fábula, chegou-me
este centauro de corolas abertas. Afoita cauda
correndo atrás do vermelho da crina.
À procura de pouso e fêmea,
meu cavalo do verão se olha
no lago das chuvas.
Lambendo a imagem desfeita,
ele ergue imenso falo. E a tarde
o amansa às horas de lascívia.
(Do livro O camaleão no jardim)
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22/4/2017 às 11h17
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Sobrevivência (série: Sonetos)
Entranhando-se nas paredes da casa,
a memória das tintas enlutava o drama
daqueles que se escondiam da vida,
carregando todas as dores do mundo.
Consolando os moradores, a tentativa
de sobrevivência. Couve. Galinhas.
Frutas. Cuidava da família o quintal,
espaço provedor do estômago.
Aos talheres levando à boca a porção
do dia – depois vinha o doce que
mascarava o gosto da véspera.
Comer – era ato de bravura.
Ante a morte lavando a louça,
poucos sobreviveram.
(Do livro O camaleão no jardim. São Paulo: Quaisquer, 2005)
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9/4/2017 às 08h41
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Sete fôlegos (série: Sonetos)
Atravessando porta sem ferrolho
e muros baixos – entrar era fácil (quase
definitivo). E a cerca viva, convidando
os pássaros ao miolo do pão.
Perdido no quintal, agigantava-se
o abismo. Crescia o medo, fechando
moitas e atalhos. Crescia o intervalo
das coisas não havidas.
Olhando pelas janelas, um eclipse
ensombrecia a casa. E com o escudo
da pele todo cuidado era pouco.
Antevendo os lapsos da morte,
do lado de fora fiz esta cama de gato.
Que me sopra sete fôlegos.
(Do livro O camaleão no jardim. São Paulo: Quaisquer, 2005)
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1/4/2017 às 08h44
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Trilha dos séculos (série: Sonetos)
Não se ouviam galos parindo a manhã.
Nem ruídos de pássaros fugindo da fome.
Não se ouviam murmúrios de madrigais.
Nem as lagartas urdindo casulos.
Rasgando o tempo, a trilha dos séculos
rogando pragas à memória enraizada
no piso de madeira. E a torneira matando
a sede das lembranças.
Não era o chiado do rádio. Nem
a vitrola enguiçada. Atrás dos móveis,
fantasmas do quintal engolindo espinhos.
Para acalmar a garganta, eles sorviam
a cáustica bebida que descia dos muros
enquanto a chuva inundava a casa.
(Do livro O camaleão no jardim. São Paulo: Quaisquer, 2005)
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26/3/2017 às 20h47
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Revisitação a Raimundo Correia (série: Sonetos)
Eu vos direi das pombas e pombais
que das aves no ar em revoada
não as sabia imagem dizimada
que ao berço não voltariam jamais.
Ilusões cuja morte postergais
são as vestes de asa desemplumada
tão perdida sem direção e estrada
à bruta caminhada dos mortais.
Se de volta as aves quis eu outrora
e em retorno essas luzes do devir,
tal bonança se perdeu na demora.
Da festa os guizos que julgais ouvir
são ressonâncias da vida que chora
com lábios de contraído sorrir.
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19/3/2017 às 19h19
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Pessoana (série: Sonetos)
Desvelando o mistério do incerto,
tantos gigantes das marés venci
e ante assustada calma naveguei
abismos a fechar-me o mar aberto.
A luz eu busquei trazer ao espaço
que dentro do coração se evadia
nos longes, quando de tudo fugia
ao afastar-me de mim passo a passo.
Do acre pranto desejei quietude,
do tempo o castigar-me docemente,
aos atos que o bem-fazer jamais pude.
Pois, viajante que ao cais nunca mente
nem às águas beijando a pedra rude,
sou e não sou nem triste nem contente.
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11/3/2017 às 09h01
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Do tempo então me esqueço (série: Sonetos)
Do rio a passar nada sei dizer
ante essa igarité desgovernada,
em margens contidas a conter nada
às águas fluindo a seu bel-prazer.
Do tempo nada podemos saber,
refrão mudo no fim de uma balada,
dito na escuridão emparedada
sob águas que só sabem do escorrer.
Esquiva hora em total desmedida,
destino atado entre fim e começo
a escrever de noite a insônia da vida.
Na madrugada, lua nova eu teço
em balões de prata. E, à luz surgida,
do evadir-se do tempo então me esqueço.
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4/3/2017 às 18h57
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Matiz carmim (série: Sonetos)
Às incertezas da palavra “amor”,
aos meus entrelaces do corpo e da alma,
sigo rumos de turbulenta calma
que se desata entre fúria e torpor.
Do que desejei com tanto fervor
ao pálido gesto que a mão espalma,
desliza em verde rio a verde palma
cingindo perdas que não sei repor.
Nos cabelos ─ o amor ─ frágil tiara,
brilho de flores de matiz carmim,
guiando-me às cegas, ora me ampara.
E ao seu acre perfume de jasmim,
percebo que nada de antes restara
no sentimento que se crava em mim.
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25/2/2017 às 10h39
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Do remoto (série: sonetos)
Rompendo várzeas do tempo esquivo
vejo lugares de uma casa extinta
entre mitos criando cor e tinta
nas peças de manuseado arquivo.
Em alarde no dorso da toalha,
à mesa gritam a boca de um vaso
e coisas vindas pelas mãos do acaso
ante a faca que o próprio cabo entalha.
Ao entreato da voz do fragmento
encontram-se contando suas mágoas
fantasmas de inoportuno momento.
Mas esses relatos se lavam n’água
de um mar que se recria em movimento
ao jorro da torneira que deságua.
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18/2/2017 às 09h05
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Arcádia mineira (série: sonetos)
Em minha carne o falo meu pastor
guarda, por júbilo e alegria minha,
trazendo o pouco e o muito que ele tinha
ao tema dos madrigais a compor.
No leito da Arcádia ou seja onde for
molha-me a pele adocicada vinha,
ramo de jasmins que o sêmen aninha
ao visitar-me as entranhas do amor.
De mim, o meu pastor enamorado,
e crescente o desejo a cada dia
ao zelo que se faz eternizado.
Dos trabalhos de Eros em maestria
anuncia-se o fruto animizado
à seiva que meu corpo não sacia.
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11/2/2017 às 14h43
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Julio Daio Borges
Editor
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