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Sábado,
7/10/2017
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Insone
A lua nova rastreia o quarto
adormecido. Pela escuridão encontro
frestas no eu que sobrou da véspera.
Acho o que não procurava: o acaso
é parte de mim.
Insone, preparo a festa do dia vindouro.
Aconchegada ao leito, misturo ao mel da manhã
o perfume das violetas.
E recolho numa fotografia
a cabeleira do sol a roçar os ombros
do mundo.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor. . Rio de Janeiro: Galo Branco, 2011)
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7/10/2017 às 09h46
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O que sei do tempo V
De volta à casa das avós, no umbigo
do portão floresce esta mandala de madeira.
Ao rastro das horas perseverando em direções
contrárias, minha flor da Ásia liberta-se
dos acontecidos.
Ante o grande centro da impermanência,
o que sei do tempo é ser ele um crivo
que se abre em todas as direções.
Em visitação ao ancestral, o que sei
das chaves é a cega oposição
entre o abrir e o fechar.
Perseguindo caminhos diversos,
dou de beber à rosa dos ventos,
invertendo nortes nos mapas
da Terra.
De uma direção à outra,
sou desobediência.
A desengrenar o passado das águas,
nos gelos reencontro a gestação
do arado e das mãos.
(Do livro Nada mais que isto: São Paulo: Scortecci, 2011)
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22/9/2017 às 18h10
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Na cama de Almodóvar II, III, IV, V
II
Ata-me com abraços.
Ata-me ao cheiro da tua pele.
E aos teus mais íntimos segredos.
Não te quero em minha vida
pai de filhos e provedor do lar.
Trabalhar me faz bem.
Liberdade? Ainda mais!
Aprecio delicadeza
e fidalguia masculinas:
“La non-demande en mariage”.
Te lembras de Brassens nos anos 1970?
Ata-me a esta canção que rememoro ao desejar,
na vida e na arte, como o fez o poeta,
fidelidade ao amor.
Ao sobrenome registrado em cartório
prefiro a fragilidade do pleno sentimento.
Repete para mim os versos desse autor:
“A la dame de mes pensées
Toujours je pense.”
Ata-me com tua presença
em minha cama.
Assim te espero.
III
Ata-me à tua chegada porque queres voltar.
Fala comigo de igual para igual.
Ata-me ao teu falo.
Não te desejo pastor de ovelhas
tirando sons da flauta de Pã.
Nem te desejo noivo prometido,
preso a antigos acordos de família.
Não almejo na casa enfeites de louros
e oliveiras, ambientando banquete nupcial
onde devo permanecer de rosto coberto.
Nessa tal festa não havida, dispensei
a mesa de iguarias.
Bolos de gergelim, mel e frutos
podemos comer o ano inteiro.
Entanto, louvo nas hetairas
o saber e o corpo livre.
E louvo o libertário canto de Safo:
“Eros, o que desce dos céus,
envolto em purpúrea clâmide (...).”
Ata-me às tuas roupas.
Ata-me com teu suor.
Ata-me à tua nudez.
Assim te desejo.
IV
Ata-me com tua presença.
Telefona pra mim sempre que possível.
Ata-me com tua voz dizendo meu nome.
Onde nasci, não me chamaram de primeira,
nem de segunda menina. Sempre tive nome
e sobrenome. E tenho garra para saber
e dizer o que quero. Ou o que não quero.
Aprecio flores do campo.
Colares de sementes.
E gosto de andar descalça.
Prefiro objetos de terracota às porcelanas.
Dos antigos casamentos chineses,
agrada-me apenas o vermelho das roupas.
Ah, aprecio também infusão de jasmins!
Mas nunca servirei chá aos sogros
como sinal de submissão.
Como numa praça de touros,
entre desejo e cópula,
minha carne trêmula
te recebe em festa.
Fala comigo.
Ata-me à tua presença.
Sempre.
V
Ata-me à tua carne desejante.
Ata-me às oscilações do verbo.
E ao tremor do silêncio.
Às traduções da palavra “amor”,
me afasto das paráfrases porque tal sentimento,
na fala ou nos escritos, jamais eclode pleno.
Deslizantes no filme, as imagens
retêm no instante a paixão em foco.
Carmim é o nome do sangue.
Carmim é o gosto da romã.
Com as cores do apaixonado,
visto-me para os matizes do amor.
Ata-me! Na cama de Almodóvar
minhas sementes gritam ao cio.
Em total obediência, ata-me
o matador.
Sua adaga perfura-me o coração.
Sangramos ao jorro do gozo.
(Do livro Não sei se vou te amar. São Paulo: Scortecci, 2016)
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3/9/2017 às 11h02
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Na cama de Almodóvar I
Ata-me com algemas.
Ata-me com tua loucura.
E com meu próprio texto.
Não sou senhora de nenhum feudo.
Não pretendo polir armaduras de ferro.
Em minha vida, não te quero gentil cavaleiro
a louvar-se com meu amor, dizendo
em meu nome cantigas do Medievo:
“Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo!
E ai, Deus, se verrá cedo!”
Ora! Fazer versos também sei.
Fala-me das nossas esperanças.
Assim te quero.
(Do livro Não sei se vou te amar. São Paulo: Scortecci, 2016)
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25/8/2017 às 22h49
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Visitando Bilac (série: Sonetos)
Fora dos longes e brilhos da lua,
Humano, grava teu verso em relevo;
na cidade desenha um grande trevo
criando curvas à voz nua e crua.
Na forma grava o tom que não recua
ao trinado da rima em tolo enlevo
e conduz teus pés com passos de frevo
festejando teu verso em plena rua.
Que não se esconda o lábio em artifício
ao chamado e às artimanhas do cevo
a enfeitar armadilhas nesse ofício.
Distante de qualquer dizer motevo
a poesia cumpre o exercício
do grito da escrita em alto-relevo.
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13/8/2017 às 08h49
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Quanto às perdas V
Entender o impossível, não quero.
Não quero saber da ceifa instigando
o fio cego da morte. Nas lápides, não desejo
ler a medida do vazio que aguarda aquele
cujo nome eu não sei.
Afeita ao cotidiano, retomo
a colheita dos matizes.
Em meus lençóis os bordados esperam
o visitante, enquanto nas samambaias
o sol perfura rendas verdes
que me adornam a sala.
À mesa, disponho cadeiras
para o afeto. O que sei deste dia
resume-se no gosto do licor.
Das perdas, consolam-me
pequenos danos.
Foram-se os anéis.
Agoniza o tempo.
O instante resfolega.
Nada mais que isto.
(Do livro Nada mais que isto.. São Paulo: Scortecci)
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4/8/2017 às 20h00
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Quanto às perdas V
Entender o impossível, não quero.
Não quero saber da ceifa instigando
o fio cego da morte. Nas lápides, não desejo
ler a medida do vazio que aguarda aquele
cujo nome eu não sei.
Afeita ao cotidiano, retomo
a colheita dos matizes.
Em meus lençóis os bordados esperam
o visitante, enquanto nas samambaias
o sol perfura rendas verdes
que me adornam a sala.
À mesa, disponho cadeiras
para o afeto. O que sei deste dia
resume-se no gosto do licor.
Das perdas, consolam-me
pequenos danos.
Foram-se os anéis.
Agoniza o tempo.
O instante resfolega.
Nada mais que isto.
(Do livro Nada mais que isto.. São Paulo: Scortecci)
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4/8/2017 às 20h00
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Quanto às perdas IV
Torna-se fragmento a eternidade
do tempo que se recolhe ao amor
umedecendo orquídeas
de inacabado gozo.
Distraidamente, volto ao meu tema.
Meu livro de cabeceira
a repetir estórias que preciso ouvir.
Meu canário de estimação treinando a garganta
para um solo sem plateia.
Ao escapar do enovelado curso
da espera, minhas roupas atam-me
às hastes das glicínias azuis.
Na véspera do azul,
foram prenúncios de silêncio.
Na véspera do azul,
foram promessas de lábios.
De tudo isso, o tempo
é cúmplice. E matéria.
Ameaça de eternidade.
(Do livro Nada mais que isto.. São Paulo: Scortecci)
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29/7/2017 às 09h53
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Quanto às perdas III
Trancadas na urna das águas,
guardam-se as cinzas do extinto fogo
da manhã que reverterá no arco-íris.
Útero de infinita gestação,
ele é mãe das borboletas.
Das libélulas. Dos camaleões.
No princípio foi o verbo.
No princípio foi um jardim.
Na casca do fruto foi o sol.
O pecado.
As cores.
E na pele da serpente
a esmeralda.
O coral.
Do que será eterno
dizem as cores.
E as dores.
(Do livro Nada mais que isto. São Paulo: Scortecci)
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21/7/2017 às 15h28
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Quanto às perdas II
Nas profundezas da terra, decide-se
a errância do mundo. E o mundo tem
grandes pernas caminhantes. E o mundo
carrega um falo ereto.
E o mundo tem braços que abraçam.
E o mundo carrega barriga grávida.
De borboletas.
De rochedos.
Plantam rezas as minhas mãos.
Recitando orações, meus lábios
nomeiam sentidos para reger
os acontecimentos.
Na cidade dos homens
distanciam-se as ruas.
Na clareira das aves,
anoitece.
Banhado pelos séculos, o tempo
escorre pelas pernas das garças.
Sobre sinuoso rio de voltas,
longo longo será o voo.
(Do livro Nada mais que isto. São Paulo:Scortecci)
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
14/7/2017 às 19h40
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