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Sábado, 30/6/2018
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
 
PRESSÁGIOS. E CHAVES I

Pesadelo? Ou rumor da noite obsedada
pelo vento? E aquela substantiva imagem
dos fantasmas engolindo a casa. E emperrando
as chaves. À luz do dia, as portas cerraram-se
sob a tempestade, sufocando telhado
e paredes. Ao fogão, desceram
ameaças de estranho augúrio
a extinguir o fogo.

Matando a fome de pão, a sede das águas.

Dentro da mala, autogerava-se o mar
conduzindo a trégua, possível.

(Do livro: Travessias)

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
30/6/2018 às 11h42

 
PRESSÁGIOS. E CHAVES II

Eclipse? Ou noite alucinada irrealizando
as viagens? Afogando-se no porto, o sangue
dos navios sufocando as próprias artérias.
Iniciado o êxodo, tardia fizera-se a voz
do viajante, convocando camelos.
Em estações de penúria apodrecendo
o trigo, da extinta luz irromperam
espectros exalando urina e enxofre.

Em distâncias, corria a fuga dos dias.

Sete pragas. Sete anos. Sete Mundos.
Eu viajei todos os mares do exílio.


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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
16/6/2018 às 09h34

 
Presságios. E chaves III

Era uma vez o tempo dos homens rondando
as Esferas. Era uma vez a galáxia das primeiras
viagens. Contemplando o azul da Terra,
chegara o tempo dos astronautas.
Abstraindo fronteiras, pintei a casa da infância.
Era uma vez o tempo dos longes, anilando
as borboletas. Minha casa, eu a desejava
dossel. Eu a desejava templo das águas.
Eu a desejava berço.


À escrita dos deuses, minha barca dos dias.


Abertas as portas, fertilizaram a terra
meus presságios. E chaves.

(Do livro Travessias)

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
29/5/2018 às 09h10

 
A alforja de minha mãe

Para Norma, Feliciano, Leslie, Julie e Susie

Carregando, sem mágoas,
coisas que o mundo exige do feminino,
a alforja de minha mãe acalenta o fôlego da vida.
Às dobras do tempo, a alforja de minha mãe
traz numa oração a fé que suportou dias de penúria
quando a sobrevivência movia as mãos
que fizeram na medida certa
o redondo dos docinhos.

Tal um ninho de dádivas, a alforja de minha mãe
até hoje alegra os dedos que costuravam roupas.
E guarda agulhas que cerziram o vestido roto
e os casaquinhos das crianças.

Berço acolhedor, a alforja de minha mãe
embalou com bons augúrios o remédio dos filhos.
Seguindo a magia dos ritos, a alforja de minha mãe
preserva o fogo sagrado que no dia a dia cozinhava
nosso alimento. E até hoje amadurece o abacate
para a refeição do pai.

Em meio ao trabalho, esse abrigo
se dispõe ao plantio das gérberas do jardim.
Aos percalços da vida, essa alforja
nunca se esvaziou do afeto por todos nós.
Com carinho, olha o retrato dos amigos
e registra palavras ouvidas na infância.

Na alforja de minha mãe,
há também espaços reservados à esperança.
Do lado do coração, acolhe a América Latina
onde nascemos à espera de algo
que ainda não aconteceu.

Assumindo-se útero e oferenda,
a alforja de minha mãe
guarda o ovo do quetzal azul e branco
que um dia nos anunciará
igualdade e liberdade
para todas as etnias.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
12/5/2018 às 18h27

 
Os galos

Para Luiz Ventura

Compondo a plumagem das tintas,
os galos cantam as cores das aves terrenas
diante do sol iluminando brasilidades
que acolheram caravelas portuguesas
e sonoridades d’África.

Esses galos rememoram
a tecelagem do dia no poema de João Cabral.
E antigos quintais de Belchior.

Um deles canta as aflições de São Pedro.

E todos sonorizam angústias humanas
levando matizes de esperança
aos sertões e cidades.

Ante as dobras da noite,
os galos costuram a manhã
nas Três Marias pontuadas no chapéu do Setestrelo.
Por encantação, as três estrelinhas
se transformam em asas festejando o sol.
Na madrugada, elas são lamparinas
guiando o chapéu do Conselheiro do Nordeste.

Então, compondo tintas do sono,
os galos dormem para redobrar
as cores do canto do dia seguinte.


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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
21/4/2018 às 16h56

 
Desenhos a lápis na poesia de Oleg Almeida

Poeta, ensaísta, tradutor, graduado em Letras, pós-graduado em Administração Financeira, Oleg Andréev Almeida nasceu na Bielorrússia em 1971 e reside no Brasil desde 2005. Entre os escritos de Oleg Almeida destacam-se os seguintes livros de poesias: Memórias dum hiperbóreo (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008), Quarta-feira de cinzas e outros poemas (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011), Antologia cosmopolita (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013) e Desenhos a lápis (São Paulo: Scortecci, 2018). Seus dois primeiros livros foram objeto dos meus estudos no ensaio denominado Carnavalização e ironia na arte poética de Oleg Almeida .

Posto que as quatro publicações se diversifiquem do ponto de vista temático e formal, a poética de Oleg Almeida apresenta unidade estilística e semântica e certo acordo imagístico de cunho recorrente e iterativo definindo uma poética do espaço. Se nos três primeiros livros há uma apreensão do espaço habitado, percorrido e imaginado pelo poeta ao enfocar diferenças entre a vida na Europa e na América, em Desenhos a lápis ─ que ora chega ao público neste ano de 2018 ─ Oleg reúne um conjunto de poemas que tangenciam fatos e vicissitudes da existência do homem no mundo contemporâneo nas cercanias da cidade de São Paulo.

A propósito do título do livro, Desenhos a lápis, lembremos que a arte de desenhar circunscreve pontos e toda sorte de traços finos, largos e intermediários, que podem surgir mais fortes ou mais leves, bem como ─ pela expansão e adição de riscos de várias espessuras e tamanhos deslizando entre superfícies e lugares de intensa profundeza ─ permite ao artista a criação de áreas e contrastes de luz e sombra. E, assim, ao registrar os meandros paulistanos, Oleg desenha palavras e imagens que ganham qualidades dos traços poéticos do desenhista.

Nesse desenho da cidade, o poeta insere espécie de hachuras em sfumato ao delinear nas entrelinhas certos contornos que assinalam o andamento do “mercado” no mundo da globalização. Em algumas cenas vistas em perspectiva, podemos identificar certas cores que deixam transparecer diferenças afetas ao chão do andarilho e aos passos do habitante. Diferenças entre os Jardins e outros bairros. Diferenças entre forças que impõem demarcações e fronteiras, em oposição a lugares abertos. Diferenças que marcam a opulência e a pobreza características dos planos inseridos na urbe contemporânea.

Ao realizar desenho plural, Oleg vivencia o burburinho e as lacunas da vida em diferentes circunstâncias. Nas malhas desse desenho, o leitor é convidado pelo poeta a visitar ruas, avenidas, prédios, lojas, praças, bairros e a respirar e transpirar junto a pessoas que percorrem e habitam São Paulo. Revelando percepção do sutil, o poeta sente cheiros, observa minúcias nos grafites, apreende simbolismos na ambiência dos bares, desloca-se nos meios de transporte e, em detalhes, observa cenas, trilhas, vielas e fatos que não se mostram às claras nos espaços da metrópole. No percurso pela cidade, ele sente mudanças climáticas e desenha a suavidade da garoa e a força do vento e do aguaceiro. E não faltou a esse álbum de imagens a visão amorosa da paisagem, onde Oleg riscou sinuoso desenho do voo dos pombos na Praça da Sé, trazendo-lhe a memória do pai:

(...)
E cada vez que os vejo,
pássaros cheios de força e teimosia,
parece-me de repente
que o espírito de meu pai
continua vivo num deles.

Nos poemas reunidos em Desenhos a lápis, mostra-se pulsante a delicadeza do riscar fundo ─ na pele e nas vísceras da urbe ─ um mapa afetivo, por vezes, dolorido, diante das diferenças visíveis. Indo às causas que garatujam tantos contrastes, o poeta utiliza um esgrafito da palavra ─ usada como estilete ─ para mostrar camadas de cores soturnas escondidas no subsolo da cidade. Desse modo, indo às grandes diferenças sociais e financeiras que se localizam no subterrâneo do supermercado, ganha destaque o apelo esperançoso a tonalizar a fala poética:

(...)
Vem cá, compadre,
sapeca-me rápido um quilo de compaixão
e um litro de amizade!

Posto que visitante e andarilho de uma espécie de Babel dos dias de hoje – e assim o são todas as metrópoles ─, o poeta em vários momentos recorre ao memorável lirismo dos trovadores para musicar mimosos desenhos que dedica à mulher amada, ao feitio das cantigas medievais:

Quando tu dormes assim, de lado,
a mão direita contra meu peito
e a esquerda entre os teus joelhos,
quando um suave alento te escapa,
(...) .

Observe-se que, do ponto de vista estilístico, os conflitos e contrastes urbanos ─ aos ofícios do lápis desenhando a vida e suas lacunas ─ transportam-se aos versos por meio de tensões semânticas e ideativas, que se ressaltam por meio de seleção vocabular perfeita e adequada aos versos, aos poemas e às imagens em visitação ao cotidiano de São Paulo.

Em Desenhos a lápis, os lugares indicam reminiscências e expectativas atreladas à errância da linguagem entrelaçando o dizer e o existir. Para isso, atenta e ousada, por vezes coloquial, a linguagem funda lugares em que, de modo acentuado, se opõem áreas e atos de exclusão e acolhimento. Então, a poesia surge como expectativa à espera do leitor de imagens:

Sessenta e cinco desenhos a lápis,
bem simples,
quase sumários ...
(...) .

Oleg desenhou esses poemas como quem escreve na alma sentimentos e impressões do mundo onde nos deslocamos a esmo sem conhecer direções exatas. Nesse álbum de desenhos, ele reúne mitos antigos e atuais, ao receber das musas o dom poético e ao seguir a errância do grafite em esquiva da barbárie contemporânea.

Volto então à Praça da Sé. Desdizendo a neutralidade dos destinos e medidas apontados pelo Marco zero, os pombos voam em todas as direções. Eis que na metrópole os pássaros sobrevivem. E conseguem lutar:

Os pombos da Praça da Sé
buscam suas migalhas
e lutam pelo espaço
com o profeta que vocifera na frente da catedral,
(...) .

Grande é a cidade. Imenso, o mundo. E a poesia, viageira das muitas possibilidades, acompanha o voo dos pombos na Praça da Sé. E, junto ao poeta, segue em frente, desenhando no chão o próximo verso.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
13/4/2018 às 09h58

 
Máscara XI: Lua cheia

Volúvel e humana, minha vida te conduz
em comum acordo com tuas mutações,
crisântemo dos céus.

Abençoado círculo noturno,
tuas cavernas de pétalas nacaradas
escondem-me o rosto e segredos
sob teu solo onde São Jorge vitorioso cavalga.
E me protege dos perigos que conheço
E das ameaças que desconheço.
Porque a morte se apossa
de todos os lugares.

Pudera eu reter em pensamentos
tua serena luminosidade.
Pudera eu fazê-la visível
à luz do dia.

Pudera eu plantar nas ruas
essa máscara de rara flor.

Sempre noturna
Sempre iluminada.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
7/4/2018 às 11h33

 
Da fugacidade do amor

Ora direis da morte do amor?
Por certo não conheceis tal sentimento
porque o amor quando pousa se enraíza
e aquele que o acolhe logo o reconhece
nas batidas da porta
no silvo do vento
no preparo do café.

O amor deixa rastro certo
pra ser seguido aonde quer que vá.

Ora direis da fuga do amor?
Por certo não conheceis tal sentimento.
Por certo quereis do encontro
mais que o instante pode te dar.

Carpe diem.

À hora do amor,
no corpo renasce a própria vida.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/3/2018 às 09h17

 
E agora, Carlos?

E agora, Carlos? Ah! Mundo mundo! Ainda procuro a poesia.
Sentado de costas pro mar, minha angústia
burila inventário das raízes e pedras do verso.
Eu, que elaborei poéticas do comedimento, depois aprendi
que a poesia se revela entre contradições e inquietudes.
Por isso, cantei os acontecimentos da vida.
Eu, que um dia neguei ao poema sentimentos,
me deixei levar pelo lirismo.
E até pela sensualidade.

É, Carlos, sempre repito pra mim mesmo: um dia o poema
se faz de um jeito. No outro, diverge. Depois, não se sabe.
Entanto, guardo convicções: não mentir nem louvar dinheiros,
porque o poema traz, às claras, todas as farpas da hipocrisia.
Ocupam-me agora o canto e sua origem numa exata indefinição:
densa névoa do desvelamento ─ a poesia.
férrea fragilidade ─ minha chave de cristal.
Minha chave de abrir!

Assim, recusando ideias de antes, não deixei em paz
minha cidade. Itabira ─ coração do meu coração ─,
hoje e sempre, guardará retratos, bois, amores, utopias.
Também não deixei em paz esta cidade onde vivo.
Aqui sentado junto à praia, me acalenta
o ritmo das águas lavando tapetes de espuma.
A esse enlevo, dos espelhos às lembranças,
desdizendo outras certezas de antes,
dramatizei, invoquei.
E perguntei.

No íntimo, me persegue esta pergunta
que não pára de me perguntar: E agora, Carlos?
Neste momento, meu memorial de confissão:

Tendo eu um dia recusado ao canto a natureza,
conduziram-me encantamentos e verdades do olhar.
Então, iluminei o sol. E, diante da sua longa cabeleira de luz,
confesso meu maior engano: ter negado à poesia
a sociedade dos humanos. Para me redimir dessa falta,
junto ao corpo do leiteiro assassinado, fiz nascer
uma flor ─ minha rosa do povo.
Mas a violência perpetua-se.

E agora, Carlos?

Ah! Agora, tudo o que sei é indignação, ironia,
náusea. E ternura, ao giro da minha chave de cristal.
Despojada da palavra, a matéria desse objeto
me conduz ao nascedouro da linguagem,
pois que o poema não se faz de palavras prontas.
Voz do corpo e da alma, a poesia emerge dos desejos.
Silencioso grito primal gritando não ditos ─ o poema.

Quanto às palavras, insisto em rejeitar-lhes a face neutra
e essa mania de ficar em cima do muro do dicionário,
esquecendo-se da linguagem inascida.

Pois é, Carlos,
sempre digo a mim mesmo: vazias de sons e ritmo,
as palavras se dispersam em alheamento.

Ao exílio das palavras, aquela chave me conduz
ao verso, para dar voz aos sentimentos do mundo.
E esperanças àqueles que não podem falar.

Ad aeternum, procuro a poesia.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
10/3/2018 às 10h31

 
Perspectivas barrocas

Para Percival Tirapeli

Espirais nos declives das curvas,
curvas em ascese ao indecifrável;
à clarescura luz fugidia, a vista
se perde de si ante sombras deslizantes.
Curvas arqueando meus pecados.
E virtudes.

E eu me reconheço
arcada semovente
entre mito e razão.

Curvas sonoras, majestosas ondas,
que oceano vos recitará orações e cantigas?

Tempo de antes e depois,
vertigem que me percorre o corpo
nesse infinito chão das coisas celestiais.
Tempo reverso evadido dos calendários.
Tempo do ajoelhar-me ante meus erros.
E penitências.

Pássaro da paz, alvores das plumas,
que voltas matizarão vosso canto?

Espirais nas escarpas dos ombros,
declives em ascese aos templos.
Do céu à terra, conforta-me tão leve peso
da matéria urdida nos frontões.

Contemplação do instante, longeva oração,
que mãos podem consolar os desertos?

Dos passos ao voo,
todo claustro se abre diante do bordado
da finita infinitude em desmesurada medida
das coisas profanas e sagradas.

Azuis celestiais, roxos da paixão,
que púrpura aplacará as tempestades?
Cores sacras, altar dos matizes,
que pássaro cantará vossa amplitude?


Da Terra às nuvens, humanos, santos
e anjos transitam entre colunas torsas.

Sustentando as curvas do mundo,
somos todos atlantes do infinito
conduzindo volutas do tempo.

Do tempo breve.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/2/2018 às 09h27

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