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Domingo,
2/2/2020
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Nas linhas das minhas mãos II
Naquele dia ele veio, trazendo
bandeiras de festa. Ele era um. E era muitos.
E sem saber-lhes batismo ou descendência,
à minha mesa sentaram-se.
Nos vários fragmentos deixados por todos,
pressenti contradições. Em irrealizada unidade
imaginei completude. No visitante, vi outros
que, sem procurar, encontrei.
Encontrei aqueles que de mim
se apartaram antes da chegada,
naquelas ruas e horas vazias
onde inda prossigo na busca.
Pelos desenhos indecifráveis
nas linhas das minhas mãos.
Do livro Canções de Amor
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2/2/2020 às 10h06
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Nas linhas das minhas mãos I
Sem demora, ele veio trazendo no bolso
as chaves da noite. Ele era um. E muitos.
Sem saber-lhe do rosto ou da demora,
tornou-se outros que em vão procurei.
Ao revelar-se uno e plural
tornou-se ele o que sempre almejei
aquele que incessantemente eu procurava
em lugares onde nunca estive:
Dentro da cidade dos pássaros
Em meio à relva da arcádia de Pã
Na garganta dos ventos
No topo dos montes sacros.
Pedro mostrou-se outros que encontrei
nos lugares onde não pude habitar:
Nos fios do tecido das roupas
Nas linhas das minhas mãos.
Pedro, aquele que eu buscava.
O que, no íntimo, tento encontrar.
(Do livro Canções de amor )
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29/12/2019 às 11h32
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Homenagem a Rubens Jardim
No dia 3 de dezembro de 2019, o Sarau Gente de Palavra Paulistano homenageou Rubens Jardim, numa festa-surpresa organizada pelo poeta Cesar de Carvalho. O evento, realizado na Livraria Patuscada, contou com a participação musical do maestro Daniel Faria e com a colaboração do editor Eduardo Lacerda (Ed. Patuá), que reuniu numa antologia cerca de 70 poetas homenageando Rubens Jardim. Essa publicação inclui meu poema “Verso-fêmea”. Entanto, inspirada nas imagens de um poema de Rubens Jardim, recentemente publicado no Facebook, outro poema de minha autoria foi escrito e lido no dia do sarau: “Enigmas e cantares”, que ora apresento aos leitores e amigos.
Enigmas e cantares
“Mas como
como explicar este meu corpo...”
Rubens Jardim
Não me perguntarei pelo teu corpo.
Mas como
como não me perguntar
sobre teu sentimento
sem margem e sem limite
explodindo o fôlego do poema?
Não me perguntarei pelo teu corpo.
Mas como
como não me perguntar
pelo arremesso da palavra gerando
o alimento na panela?
Como não me perguntar pelas chamas
dançando na cozinha ao preparo do teu verso?
Como não me perguntar pelo enigma
da lâmpada iluminando o sol
na véspera do teu poema?
Tudo que me perguntei
sobrevive naquilo que desconheço:
enigma da paixão sonâmbula
despertando teus cantares.
Por isso,
não me perguntarei pelo teu corpo.
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14/12/2019 às 09h37
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Quanto às perdas V
Entender o impossível, não quero.
Não quero saber da ceifa instigando
o fio cego da morte. Nas lápides, não desejo
ler a medida do vazio que aguarda aquele
cujo nome eu não sei.
Afeita ao cotidiano, retomo
a colheita dos matizes.
Em meus lençóis os bordados esperam
o visitante, enquanto nas samambaias
o sol perfura rendas verdes
que me adornam a sala.
À mesa, disponho cadeiras
para o afeto. O que sei deste dia
resume-se no gosto do licor.
Das perdas, consolam-me
pequenos danos.
Foram-se os anéis.
Agoniza o tempo.
O instante resfolega.
Nada mais que isto.
(Do livro Nada mais que isto)
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14/12/2019 às 09h04
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Quanto às perdas IV
Torna-se fragmento a eternidade
do tempo que se recolhe ao amor
umedecendo orquídeas
de inacabado gozo.
Distraidamente, volto ao meu tema.
Meu livro de cabeceira a repetir
estórias que preciso ouvir. Meu canário
de estimação treinando a garganta
para um solo sem plateia.
Ao escapar do enovelado curso
da espera, minhas roupas atam-me
às hastes das glicínias azuis.
Na véspera do azul, foram
prenúncios de silêncio.
Na véspera do azul, foram
promessas de lábios.
De tudo isso, o tempo
é cúmplice. E matéria.
Ameaça de eternidade.
(Do livro Nada mais que isto)
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28/11/2019 às 21h24
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Quanto às perdas III
Trancadas na urna das águas,
guardam-se as cinzas do extinto fogo da manhã
que reverterá no arco-íris.
Útero de infinita gestação,
ele é mãe das borboletas.
Das libélulas. Dos camaleões.
No princípio foi o verbo.
No princípio foi um jardim.
Na casca do fruto foi o sol.
O pecado.
As cores.
E na pele da serpente
a esmeralda.
O coral.
Do que será eterno
dizem as cores.
E as dores.
(Do livro Nada mais que isto)
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16/11/2019 às 13h01
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Quanto às perdas II
Nas profundezas da terra, decide-se
a errância do mundo. E o mundo tem
grandes pernas caminhantes. E o mundo
carrega um falo ereto.
E o mundo tem braços que abraçam.
E o mundo carrega barriga grávida.
De borboletas.
De rochedos.
Plantam rezas as minhas mãos.
Recitando orações, meus lábios
nomeiam sentidos para reger
os acontecimentos.
Na cidade dos homens
distanciam-se as ruas.
Na clareira das aves,
anoitece.
Banhado pelos séculos, o tempo
escorre pelas pernas da garça.
Sobre sinuoso rio de voltas,
longo longo será o voo.
(Do livro Nada mais que isto)
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25/10/2019 às 21h16
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Visitação ao desenho de Jair Glass
De autoria do desenhista Jair Glass, o livro intitulado Breviário de Decomposições , Ed. Pantemporâneo, foi lançado na Casa das Rosas, em São Paulo, em setembro deste ano de 2019. Sobre a produção artística de Jair Glass, trago aos leitores este conjunto de poemas que giram em torno do processo criativo observado por mim nos seus desenhos.
Meu pai era desenhista. Lápis de todas as cores e texturas. Papéis de gramaturas e cores várias. Até papel colorido de balão e bandeirinhas. O onirismo habitava a prancheta e, antes das refeições, revestia a mesa. Na verdade, o desenho habitava aquele tempo. O brinquedo preenchia a casa.
Revivendo a experiência dos materiais que conheci na infância, visitei os desenhos de Jair. Me reencontrei na poética desses materiais. Por isso me desviei da gramática. Por isso a poesia. E não um texto teórico. Eis meu breviário poético.
BREVIÁRIO DO ENCONTRO ÍNTIMO
Para Jair Glass
I
sob cores noturnas
em angustiado sossego,
caminho sem chão
ante o princípio das coisas
não havidas
dentro desse hiato, me reencontro,
oscilante prumo de instável amanhecer
longe da razão acorrentada
“diante do pensamento repetido
a girar em torno do próprio umbigo,
acolho o delírio que nos salva
da razão doente”
visitante do espaço que habita dentro de mim
faço acertos com minhas dúvidas;
meu respirar insiste em percorrer
as arestas do chão
à persistência do náufrago de pulmões de aço,
entrego-me inteira às decomposições do mundo
eu, fragmento desse jogo,
como não me reconhecer
lavrando terras de papel?
diante do espelho quebrado por Narciso,
vejo-me além da objetividade
no bolso, um pedacinho de lápis azul
II
ao desmonte das coisas acabadas,
sorvo transformações do anoitecer
porque a noite tem infinitas luzes
ao desmonte da infinitude,
delineio progressivo ir e vir
enquanto meus dedos deslizam
pelas entranhas da angústia
agregada ao papel
matéria viva, o papel,
tecido de fibras do lume poente:
tensos e lassos fios distendendo-se
de desprazer e gozo
ao impulso das mãos,
ressalto o mundo das coisas que pulsam
antes do pouso no papel
desdobrando traços, linhas, cores,
preencho vazios em meu percurso
ao fundo da Terra
seleiro dos trajetos originários,
a Terra é meu quintal
III
da Terra inteira, faço meu quintal
que me traz de volta ao inesperado
quando desdobro nervuras de papel,
meu cosmos agrega ossos, paredes,
águas, nuvens, manchas
quando redobro fibras de papel,
irrompem versos conduzindo
imagens, segredos e águas
alheia aos desígnios da nascente,
delineio rios sem margens
não mais que vazadouro, a poesia
não mais que vazadouro, o desenho
então me reencontro lavando papéis e objetos
e logo me reconheço mão sonhadora
ao plantio e ao cuidado desse meu quintal
meu quintal, também jardim das metamorfoses
sempre me reconheço
na sedutora indefinição das manchas,
nos cortes e recortes ressuscitando matizes
em meu solo fecundado
então, me reconheço no cultivo do impossível
então, me reencontro costurando hastes d’água
e bordando teias invisíveis na pele das cores
ao entrelace do bordado e da costura,
devolvo à terra o que um dia será terra
presenteio a terra com jornais e revistas
acalento a terra com o madrigal das folhas secas
numa caixa mágica,
minhas provisões do vindouro
reunindo e igualando bichos e humanos,
assim me reencontro arando a ante-linguagem
incontida na palavra
por isso me reencontro no desenho
IV
a germinar tessituras na folha inerte,
meus dedos redobram luzes do dia,
meus olhos abrem-se ao estranhamento
perambulando pela casa
caminhante dos espaços velados,
meu lúgubre enlevo não esmorece,
minha vertigem me reanima na queda,
meu grito alcança o fundo do solo
atravessando a neutralidade da superfície,
meu corpo escorre pelas crateras do encontro
indo frutificar onde a terra nasce da terra
sob raízes da árvore-matriz
quando desdobro nervuras de papel,
meu ânimo irrompe múltiplo de motivos
agregando raiz, tronco, folha, fruto
ao devaneio do papel,
humanizado vegetal enlaça meu corpo
e preserva minha carne
que se recusa a morrer
reencontro-me na luz que veste o tempo
reencontro-me no tempo que despe a noite
o mundo, não mais que terra,
me oferece as tetas do leite primevo
à imensidão da vida
o nada reluz
V
nas cores, me reencontro
tingindo sombras e mistérios
porque assim se mostra a vida
porque assim o tempo jorra
porque retornaremos à terra
porque somos terra
atravessam a planície de fibras
semi-luzes dispersas no papel
o desenho ilumina o parto das coisas,
das coisas vistas pela primeira vez
primeiro olhar
primeiro gesto
primeiro ato
junto aos cadernos da escola,
minha caixinha de lápis de cor
nas coisas que me aguçam a memória,
me reconheço
nas coisas que me falam aos sentidos,
me encontro e me reencontro
sempre sempre sempre
VI
também me entrevejo
assustadora face que é minha
à densidade das cores tingindo meu rosto,
meu fôlego irrompe entre crateras vegetais
para lutar contra moinhos de vento
disposta a caminhar pelo “impossível chão”
jogo no lixo meus sapatos
para onde irei?
quem sou?
os fantasmas que me assombram
são os mesmos que me acalentam
na árvore originária, desenho a raiz,
desenho o fruto que proverá meu alimento
idealizo enfim a árvore do pecado
E o paraíso perdido
VII
aos abismos das cores
nada pergunto do inesperado visitante
sem alarde, Eros rompe as fibras do papel
e, recluso, declara-se à espera do outro
sensual,
o corpo não se permite reclusão permanente
exilado,
o corpo não aceita a infinitude
quanto ao Amor,
Eros permanece calado
no xadrez do jogo
ou no cruzamento das grades de grafite,
a vida sempre desdobra seu recomeço
sobre inesgotável campo de transformações
a pele se reconhece tessitura de papel
meu ânimo desperta ofegante
apercebo-me agora
o que não serei depois
muito além de mim
ao alcance das mãos,
um pedacinho de lápis azul
à explosão da vida,
o passado se aproxima
e se afasta da memória
o que virá depois
resguarda-se num esboço
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
11/10/2019 às 20h37
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Quanto às perdas I
Irmanando-me à solitude dos astros
delineia-se meu roteiro de caminhante.
Ir em frente. Ir frente. O que se perdeu
seria agora fardo. Ou penitência.
Nas areias de um jardim perdi e achei
o anel gravado com minhas iniciais.
No trabalho perdi muitas canetas.
Guarda-chuvas, já se foram vários.
(Eu gostava daquele de tecido indiano.)
Livros? Sei que emprestei dezenas.
Sempre perco as agendas. E não me lembro
onde guardei meus diplomas.
Escaparam-me alguns eclipses.
Ganhei vazios. Salvei-me
do quintal que terminava
no fim do mundo.
Conheço todos os intervalos
do tempo paralisado e ativo.
Quanto às perdas, alegra-me
a fantasia do esquecimento.
(Do livro Nada mais que isto)
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
10/10/2019 às 19h43
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Grito primal V
Em nosso leito deitam-se violetas
e camaleões que evadidos das pedras
descobrem clandestinos caminhos
de perfumes e mimetismo.
Sete dias. Sete noites.
Ao grito do tempo surge
o intervalo das durações.
De cansaço, fecham-se as horas.
Recolhem-se meus pássaros.
Passaraiopassaraio,
quem me deixará passar?
Sete casulos. Setembro.
Improviso minha quietude.
Às curvas e voltas dos meses,
reinicio o festejo do gozo.
Aos sábados, a casa retorna
o jardineiro.
(Do livro Nada mais que isto)
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
13/9/2019 às 21h38
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Julio Daio Borges
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