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Sábado,
29/8/2020
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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“FAÇA UMA LISTA”, DIZ A CANÇÃO
“Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?”
Oswaldo Montenegro
E ao costumeiro balanço dos dias,
ocupam-me afetos havidos e não havidos.
Encontro-me a elaborar uma lista da vida,
tal fosse isto possível.
E, tal fosse possível reverter o tempo,
a lista e a vida escutando fortes batidas
do meu coração.
Fraternos amigos que não vejo.
(Uns até só me falam por telefone ou e-mail).
Mas, no rol, tantos que deixaram de ser.
Em verdade, nunca foram amigos.
Na lista incluo antigos desejos.
E também aqueles que não mais
ouso lembrar. E amores eternos.
E amores que não vingaram.
Que nos seja leve o esquecimento!
Que nos seja leve a lembrança!
A boca dizendo inverdades.
Nos olhos, tantas revelações.
Na antevéspera da festa, eu me encontro.
E ao espelho que olha para mim.
Naqueles poemas que não escrevi.
Nos versos perdidos no cansaço.
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
29/8/2020 às 12h01
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Gabbeh
Para Renata Machado
Ao tempo do filme,
pintei cores vivas no chão
que aguardaria meus passos à hora da saída.
Ao tempo do filme,
iniciei pontos e nós no desenho da estória
a ser gravada em meu tear de palavras.
Desfiando meadas de lã, ouço perguntas
que me despertam a fala:
─ Quem és?
─ Filha dos nós e pontos de areia.
─ Como te chamas?
─ Tecelã da Espera.
Em busca do tempo evadido de si mesmo,
minha tribo nômade atravessa ruas e cidades.
E não chega a lugar nenhum.
Desfiando outras vozes dirigidas a mim
entrelaço sentidos à minha fala irreverente e dúbia:
─ Que ofício te completa as horas?
─ Burilar palavras.
─ Pra que servem as palavras que esmerilhas?
─ Para tingir a alma dos tapetes e pés.
Em cada imagem urdida, atravesso o amarelo dos sóis.
Nas cores vivas, lavo o amor com tintas do cuidado.
─ Não sentes fome?
─ Me alimento de desejos.
Em tempos de penúria,
meus cavalos e sonhos
carregam peso e leveza do vazio.
Nas miragens dos espelhos,
pressinto provisões de água e frutos.
Ao tempo do filme,
avistei meu clã em nômade travessia
conduzindo minhas dúvidas.
Ao seu rastro me fiz tecelã das lendas
que quero viver.
Hoje e sempre.
Depois do filme.
................................................
Gabbeh:
Título de filme, nome da personagem e espécie de tapete iraniano feito pelas tribos nômades de Gashhai. Numa região em que as mulheres não têm voz, as tecelãs podem contar através dos desenhos histórias pessoais e do lugar onde vivem.
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10/8/2020 às 09h36
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O estranho que me completa
Lugar das metamorfoses, o jardim.
Chuva que se torna tempo.
Poça que não se faz temporalidade.
Queda que não cai em corredeira.
Água que se torna invenção.
Teia dos ciclos da luz, o lago.
Fugindo das turbulências,
fugindo das repetições,
minhas mãos descem
à imagem.
Narciso, o estranho
que me completa o dia e o sexo,
ao aprendizado das transfigurações.
Minhas.
E do outro.
(Do livro: Vazadouro)
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18/6/2020 às 19h22
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No cortejo das águas
Olham meus olhos e pensamentos
pequenos cisnes a deslizar pelo verde
da barra na parede.
Enquanto contemplo o sossego do nado,
lambem-me a pele regatos transitórios.
Imersa em mim, embalo meus rios de memórias
nesse cortejo das águas e aves de azulejo.
À hora do banho, um pouco de nós se vai.
(Do livro: 50 poemas escolhidos pelo autor)
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17/5/2020 às 11h07
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Águas originárias
Das coisas que, em simultaneidade,
passaram e não passaram, regozija-me
o ter tido e o não ter tido tempo.
O ter sido paixão e cio.
Da escuridão ao dia seguinte,
viver ou ter vivido na confluência
das horas e intervalos.
Da fonte, soubesse eu.
Antes, muito antes.
Eros, cingindo-me o sexo
à vertigem das águas
originárias.
(Do livro Vazadouro)
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3/5/2020 às 17h31
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Flúmen do dia
Vertendo sussurros de calma, o líquido
repercute a voz da carranca de pedra.
Colar d’água, desliza o vazadouro
a circundar o umbigo da terra.
Lado a lado, corredeira e tempo.
Carregam palavras não ditas.
Recordam idos e havidos.
Livres, água e tempo descem à terra.
Entre córregos e limos, caminham.
Livres, rocha e queda sobem às nuvens.
Sobre o ilusório, evaporam-se.
Resta um tempo inexistente.
Corre um tempo enclausurado
de enlouquecedora trégua.
Surge um tempo que não passa.
Pudera eu parar o flúmen do dia.
Pudera eu alimentar o redil
do meu coração em chamas.
(Do livro Vazadouro)
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18/4/2020 às 10h23
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Águas sedentas
Alimenta-se de perenidade
a garganta da pedra a engolir o mundo
à verticalidade das mansas águas
quedando lentas.
Mansas águas umedecendo
ritos, seixos, sentimentos.
Água cadente. Estrela liquefeita.
Água que se vai ao destino ignorado.
Dia longo a travar dia breve.
Água doce ou salmoura na ferida.
Água funda escondendo água rasa.
Igualam-se fonte e tempo.
Águas sedentas,
lambendo lábios
de pedra.
(Do livro Vazadouro)
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4/4/2020 às 09h47
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Nas linhas das minhas mãos V
Naquele que não era Pedro,
amei a negação do amor ante o casual
encontro que lhe revelou meu corpo.
Mas de Pedro eu me perdi.
Porque de Pedro eu me afastei,
antes de tê-lo conhecido.
Naquele que Pedro não é, amo a paixão
antes de sabê-la parte de mim.
Naquele que não é Pedro,
amo a fragilidade.
Amo a pressa de ir-se antes,
bem antes, do bocejo da manhã.
No outro, amo aquele
que não é Pedro. Amo-lhe o sexo
vazando-me tempestades de sêmen
nas entranhas do amor.
Perfeita imperfeição,
aquele que à minha casa retornou,
Pedro não era. Mas sempre
lhe espero o retorno.
Ainda que junto a mim não se demore
após trazer-me as chaves do quarto.
(Do livro Canções de amor
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14/3/2020 às 10h35
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Nas linhas das minhas mãos IV
Às previsões das linhas cruzadas,
minhas mãos outra vez acolheram o visitante
que retornou, tal fosse o filho pródigo
renascido no parto da espera.
E, à sua chegada, matei o novilho.
E cozinhei o pão. E lhe servi o vinho.
E lhe entreguei o fruto
que a abelha adoçou.
E outros amei.
E amei outro que não era Pedro.
Aquele que na imagem de muitos
se revelou uno, confesso que amei.
Em Pedro amei o caminho dos remos.
E ao trazer-me cestos de bons augúrios,
pesada sua barca. Teimosa a rede,
a reiniciar a pesca.
Teimosa a perseverança
humanizando a Terra.
Em Pedro, amei o ofício.
E, se estrangeiro ele fosse,
o seguiria à terra de origem.
Do livro Canções de Amor
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29/2/2020 às 10h26
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Nas linhas das minhas mãos III
No visitante que em três dias retornou,
reconheci Pedro. Pedro, perfeição imperfeita,
em teu caminho encontrarei
minha pedra de humanidade.
Pedro, o que retornou à minha casa,
no que me deixou de presença e vazio,
amei-lhe o rosto. Daquele que se fez indefinição,
amei-lhe o perfil. Amei-lhe as palavras.
Nele amei a negação, ante o desolado
canto do galo que lhe anunciou a fé.
Amei-lhe a pureza, antes de sabê-la
parte de si. Amei-lhe a dúvida.
Em Pedro, amei a recusa.
Amei o temor.
Amo a contrição.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
15/2/2020 às 14h49
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Julio Daio Borges
Editor
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