Leite é o primeiro acontecimento na vida de qualquer mamífero, seja ele bípede ou quadrúpede, hirsuto ou pelado. Não tem erro. Saiu do ventre, seja lá de que espécie for, vai direto para o peito ou para as tetas. A Natureza assim definiu.
Vamos pensar na ideia da sobrevivência, onde a alimentação tem o mais sagrado e privilegiado lugar. Comemos para nos mantermos vivos, suficientemente fortes para viver o que o destino com seus acasos e fatalidades nos reserva a cada momento.
A evolução dotou os seres humanos de inteligência, a diferença magistral entre nós e os outros mamíferos, que continuaram dotados de instintos, às vezes confundidos com lapsos de inteligência e racionalidade. Entretanto, os animais não aproveitam as sobras da amamentação se e quando existem. Símios, equinos, caprinos, muares, suínos, enfim, não produzem queijo ou coalhada. Ah, mas como fariam? Sei lá. Conseguem armazenar sementes, frutos, carniça…
Nós humanos, descobrimos que o leite , mesmo quando azeda, segue sendo alimento, transformado em coalhada que pode virar queijo. E descobrimos muitas outras formas de conservar outros alimentos, evitando desperdício e provendo para momentos de escassez. Alimentos estragados que não estão estragados! Poderia ser um paradoxo, mas é um recurso, uma técnica, uma prática ancestral.
O paradoxo da virtualidade material,é circunstância visível em qualquer mapa-mundi.
Países, pátrias e nações são convenções. São resultado da concordância entre iguais humanos, quando se dispõem a resolver seus instintos animais, de posse, poder ou similaridade biológica (parecidos uns com os outros), entre tantas outras questões.
As fronteiras são imaginadas e estabelecidas por seres humanos. Tudo ligado ao instinto da sobrevivência acrescido de valores outros que a tal evolução foi agregando.
O País é o Direito, o Poder, o Estatuto. A Pátria é a Paixão, a beleza, a natureza, a Terra primeira onde se nasceu. A Nação é a Turma, a Gente, as Criaturas humanas que a amam. Aí encontramos o bígamo País e suas duas esposas, Pátria e Nação, fidelíssimas, estoicas, maravilhosas e ávidas para alimentar as criaturas humanas que em seu colo se abrigam.
Milhares de anos foram sedimentando normas, regras, diretivas, leis, sistemas e regimes, visando garantir a autoridade, integridade, poder e domínio dos mais proeminentes guerreiros, pensadores e, sem dúvida, místicos que sempre existiram, tentando explicar aos distraídos e assustados,os fenômenos, e as contorções da mãe Terra.
Quem se interessa, lê e estuda a história do mundo e as peripécias de personagens formidáveis.
Em tempos de agora o estupor e o espanto ronda as cabeças pensantes com as marcas virtuais dos Países sendo sacudidas por tanques e mísseis, a comida retida em portos, porões de navios ou fronteiras, ameaçando escassear. Miseráveis sem rumo buscando um lugar para sobreviver, arriscando-se em travessias oceânicas ou tentando romper fronteiras onde não são bem vindos, além de fenômenos climáticos de grande porte,além das epidemias colossais. Somos obrigados a escolher o nada, a passividade estéril e segura, o desdém ou a fuga da realidade, em busca de algum sossego. Ah, se fosse tão fácil.
O alimento político para manter vivo e saudável o triunvirato virtual, Pátria, País, Nação é conhecido: Democracia.
Democracia é o regime onde o Povo, a Nação, escolhe quem é que vai dirigir o País. É o Povo quem escolhe o Governo garantidor da Pátria Amada, a terra onde nascemos e a Nação da qual nos
orgulhamos por adoção ou origem natural. De tempos em tempos, bem definidos pelas Leis, o Governo é substituído. É modernizado. Aí, entra o lado primitivo, o lado obscuro da vaidade, da ânsia de poder, da patranha, da promessa de Manah e Néctar, de delícias e festa. O alimento estraga.
Assim como o leite vira coalhada, se desintegra em soro e material semi-sólido, mais adiante vira queijo, e depois embolora, escurece, fede.
Tem sido assim.
Interessante notar-se que, durante a oferta de possíveis novos governantes, uma variedade de figuras, virtualmente semelhantes ao leite, apresentam-se, entre promessas e afirmações entusiasmadas.
Jarros de leite. Alguns já estão fermentados, amarelados pelo tempo e exposição à luz. Outros decantaram e seguem sendo coalhadas envelhecidas, a maioria já embolorando e fedendo como queijos impróprios para consumo.
Não há leite fresco, nem coalhada, nem queijos finos.
E o laticínio do demônio.
Esta é uma carta de amor escrita por um homem que ainda acredita no romantismo mesmo vivendo em um período de caos. Convido você, leitor (a), a se deliciar com este estilo carinhoso de literatura.
São Paulo, 16 de janeiro de 2024.
Como iniciar a primeira carta de 2024? Este ano que já intitulamos como o ano do nosso verdadeiro recomeço.
A folha em branco sempre foi um desafio para mim.
A frase inicial é sempre a mais instigante e que dá o sentido e o caminho para o restante do texto.
E abrir o Word para falar sobre você amplia o meu senso de responsabilidade.
Porque a pessoa para quem esta carta se destina, merece uma frase inicial que fixe na memória.
Começarei assim:
“Como escrever uma carta para a mulher por quem me apaixono todos os dias?”
Quando falo de paixão, não me refiro aquela fugaz, que derruba tudo, mas vira cinzas em pouco tempo.
Não.
A minha paixão por você, princesa, é alimentada todos os dias.
Ela se perpetuou na minha alma.
Deposito nela a cada segundo todos os ingredientes que o meu coração exige.
Em minha receita imaginária, recorro ao afeto, carinho, cuidado, sorriso, respeito, cumplicidade, lealdade, ternura, ombro amigo, parceria, alegria de viver, olhar doce, sorriso amplo e sincero, e o que é mais importante: o arrepio na espinha dorsal toda vez que ouço sua voz.
Eu reúno tudo em minha mente, sobretudo, na minha vida, e o resultado é um poder incrível de me apaixonar por você todos os dias.
E isso se traduz em amor. Amor verdadeiro e eterno, que acertou na minha veia.
Me conquistou.
Sou um homem feliz, porque estou ao lado e vivendo um sonho maravilhoso com a mulher que sabia que existia, e que Deus me mostrou.
Você é a responsável pela guinada de 360 graus na minha história.
Linda.
Pele macia.
Olhar cativante.
Cabelos que definem sua personalidade.
Voz que acalma.
E um corpo que maltrata meu juízo.
Minha princesa, minha garota surreal.
Desde que te conheci, vivo um conto de fadas, com pitadas de romance.
Você tem o dom de me chacoalhar e mover o meu eixo-central.
Sou um homem feliz.
E extremamente apaixonado.
Estou contando as horas, os minutos e os segundos para te reencontrar.
Viver tudo o que Deus preparou e que merecemos.
Realizar o meu desejo de pegar na sua mão novamente. Sentir a sua pele. Passar a mão nos seus cabelos. Te cercar de carinho e te envolver nos meus braços.
Sorrir com você.
Te amar de maneira louca e sem limites, como estamos acostumados.
Ter de volta a nossa vibe na vida e a nossa intensidade entre quatro paredes.
Sonho com você toda noite.
Estou longe, mas minha vida está aí ao seu lado.
Movimento meu ser e estou me preparando para te encontrar.
Vai ser lindo e memorável como sempre foi, porque a chama do nosso amor ganha contornos especiais a todo momento.
Vivo por você e para você.
Essa mulher especial. Pessoa que sabe me fazer feliz e me deixar doido em todos os sentidos.
Te amo.
Sempre vou te amar.
Saudades.
Muita saudade.
É questão de tempo para que possamos viver de verdade.
Com nossa família em redor.
Vamos viver o que Deus está preparando nos céus.
Merecemos.
Te amo, minha garota surreal.
Deste seu preto, que não faz outra coisa nesta vida a não ser te amar.
O regime democrático é, sem qualquer possibilidade de dúvida, desculpa, justificativa, etc. o melhor e mais representativo para a condução de um País.
É através dele, que o povo se manifesta, escolhe, define e consagra suas lideranças.
As eleições periódicas possibilitam cada nação trocar o que não funcionou, alijar o que não prestou, reformar as esperanças e seguir em frente
Ser um democrata legítimo, que encarne as vontades, desejos, aspirações e , sobretudo, as reais necessidades do Povo é obrigação do escolhido ou escolhidos.
Dai Democracia := governo do povo.
Não parece sincero aquele que se diz democrata e, abertamente, descaradamente, despoticamente, apoia, elogia, respalda, suporta de várias formas(politicamente, diplomaticamente, economicamente) lideres de países totalitários e repressivos que sequestram as denominações:"democracia e democrática", mascarando a realidade dos seus regimes hediondos, miseráveis, belicistas, fechados e infames. Quem apoia tais absurdos sabe o que está fazendo. Tais países tem arremedos de eleições quando tentam legitimar seus regimes. Os donos estão no poder há décadas. Quem se atreveu ou,ainda, se atreve a criticar ou fazer oposição, é preso, perseguido e até assassinado. Não é segredo! O noticiário nos mostra essa realidade.
Será que a ideia de legítima Democracia permite a "ingenuidade" em acreditar que os ditadores das Américas, Africa, Asia e Europa sejam reeleitos, sempre? Que o povo os reeleja sem questionamentos?
Democracia acima de tudo.
O ano está acabando.
Boa sorte o novo está chegando.
Chegamos ao fim desse ano repletos de mais do mesmo.
Em algumas situações, poderíamos até invocar o passado e reencontrar Marco Polo e suas viagens mirabolantes, e a Derrama sem inconfidentes.
Um ano de muita conversa fiada, muita falastrice sobre a "tentativa" de ruptura dos valores, etc., etc. De certo mesmo tivemos um calor siderúrgico, uma seca aflitiva, algumas incógnitas espalhadas pela América de Baixo, com vociferadores, ditadores e papagaios de galocha ameaçando mudar o sentido dos ponteiros do relógio.
Testemunhamos, envergonhados, a tibieza de um líder sem condenar terroristas, praticando um discurso de pafúncio, sobre a "paz mundial", exortando a patuleia ao amor e a proteção as criancinhas miseráveis, principais vítimas das guerras, bla, bla, bla.
A temperatura política global, com diversos conflitos armados pelo mundo, as incertezas decorrentes da baixa qualidade das lideranças, alianças e acordos, reuniões, "cumbres" congressos e outros eventos que parecem não funcionar, não dão margem para grandes esperanças. Mas,para o bem de todos, pelo menos aqui em Pindorama o carnaval vai cair em fevereiro! Os ensaios dos grupos, blocos, etc., já começaram e prometem mais algumas memoráveis horas de alegria, festa,luzes e amor.
Feliz Ano Novo para todos!
Fé e Esperança podemos pegar a vontade, no bufê da vida.
Como observadora de nuvens e formigas, dei agora para desorientar palavras. O que nem é verdade o "agora" e só você saberia como. Este é o desobituário dos nossos não encontros. Comprei até uma camisa rosa lavado, bem bem lavado já há três encontros desocorridos. Era Natal também.
Você me ensinou como desatropelar intercorrências e agora aprendo outra língua além da nossa, só de teimosia, para aparecer para quem nunca me veria e acaso visse apenas teria visto… como fato fatídico nada vai acontecer diante do silêncio que venho acumulando para não ser vista de jeito nenhum. O que faz ventar são silêncios, eu vi quando subi aquela montanha. Dentro do fosso do mundo tem um pote de nuvens caladas. Só saem com o silêncio mexido - tipo fazer doce de leite - nuvens só se mexem com o vento, o vento é que toca o silêncio.
Como hipotéticos - enfim, já falei que disturbo palavras? Finalmente o enfim: como hipóteses já estamos indo fechar as janelas, nos ignorando sem querer. Tem muitas coisas na casa que já não vemos. Você até mandou foto da minha casa separada da sua. Não havia carros passando e as luzes dos postes ficaram oblíquas. Chamei de bela rapariga esse negócio de mandar foto da minha casa. Afinal, eu sei onde moro.
No silêncio das luzes oblíquas, onde nada pode sair de casa, fica delimitado e proibido de obliterações diversas e epitáfios.
Dezoito horas. Horário ruim. Será que não havia outro? A secretária dissera que não, todos estavam preenchidos. Bem na hora do rush. Bom, paciência. Era até sorte ter conseguido a consulta, uma médica tão requisitada... Especialista de renome. Entrou no carro e ajustou o celular em frente, para ver o aplicativo do GPS. Saía uma hora e meia antes, tempo mais que suficiente, pensava, para chegar na hora marcada. Motor ligado, iniciou a jornada em direção ao Centro, com um suspiro de resignação. Parecia os doze trabalhos de Hércules. O primeiro deles era chegar na Marginal Pinheiros. Classificada como “via expressa”, era tudo menos isso. Constantes engarrafamentos tornavam seu percurso lento e arrastado, testando a paciência dos motoristas ao limite.
Atravessou a ponte e fez a curva, indo emergir numa das pistas da larga avenida, junto com outros automóveis chegados de várias direções. Lentas e arrastadas, filas de veículos moviam-se monótonas, como serpentes rastejando no mato. De vez em quando, uma freada brusca: ora uma motocicleta atravessava em frente, ora um ônibus mudava de direção, obrigando-o a dar passagem. Ligou o rádio para se distrair. Música clássica era o que preferia, porém nem sempre encontrava. Só achou noticiário sobre a guerra; acabou por desistir, e desligou.
O GPS indicava como próxima etapa a avenida Juscelino Kubitschek. Após muitas voltas e freadas, conseguiu entrar nela. Ônibus, caminhões e automóveis disputavam espaço, causando retenções. O tempo passava e começou a escurecer. No inverno, a noite chega cedo, pensou. Começou a sentir sede, não trouxera água nem outra bebida. De repente, a linha do trânsito na tela do celular deu uma guinada para a direita, e a voz feminina do aplicativo indicou que deveria entrar por uma transversal. Aquiesceu, embrenhando-se por uma série de vias estreitas, sempre orientado pelo guia digital. Ruas subiam e desciam, e nada de chegar mais perto do seu destino. Pelo contrário, o aplicativo que previra uma hora de viagem ao sair de casa, agora anunciava hora e quinze minutos. Sabia que isso poderia ocorrer, conforme as condições do trânsito, mas mesmo assim era irritante. Começou a ficar apreensivo, pensando na consulta marcada.
A sede apertou, e resolveu dar uma paradinha em frente a botequim modesto, para comprar água mineral. Uma interrupção rápida não iria atrapalhar o percurso. Estacionou em frente a uma garagem, deixando ligado o pisca-alerta, e dirigiu-se ao balcão. Ao voltar com a água, um susto: alguém batera na traseira de seu carro. Amassara o para-choque e quebrara um farol. Ficou atônito. Como poderia ser? Não ouvira nenhum ruído de batida. Olhou em volta, não viu veículos próximos. Sem saber o que fazer, perdeu alguns minutos parado. Afinal, resolveu continuar.
Entrou numa avenida mais larga, bordeada por árvores frondosas e cercada de casas e mansões. Estamos nos Jardins, conjecturou. Não sabia que precisava passar por aqui. De repente, porém, uma encruzilhada: fez uma curva de noventa graus e entrou por rua estreita e congestionada. Rodou bastante, e começou a notar que mudara de bairro, deixando para trás a região abastada. O calçamento encontrava-se em péssimo estado e buracos no asfalto sucediam-se, impiedosos. Notou lixo no meio-fio em sacos rasgados, casas pobres com pintura ausente ou descascada, roupa pendurada no varal nas janelas. Onde estou, indagou a si mesmo. O consultório não pode ser por aqui, é numa clínica chique pra gente que pode pagar. Começou a desconfiar do aplicativo e resolveu trocar, parando o carro para digitar o endereço da médica em outro. Continuou, mais confiante. Após muitas curvas, subidas e descidas, parou num sinal. De repente, ouviu um estrondo ao lado: o vidro de sua janela fora quebrado. Um braço coberto com manga de couro preto forçou sua entrada em frente ao volante e mão enluvada arrancou o celular do suporte. Não teve nem tempo de reagir: o ladrão subiu rápido numa moto e arrancou em alta velocidade.
Agora mesmo é que estou perdido, com GPS já estava ruim, imagina sem. Pensou que a solução ia ser parar toda hora para pedir instruções, à moda antiga. Melhor em postos de gasolina, os frentistas conhecem a região e gostam de ajudar.
Após duas paradas, entrou numa rua mais larga e bem asfaltada. Faltavam quinze minutos para a consulta, se tivesse sorte ainda dava tempo de chegar na hora marcada. Não devia estar longe da clínica. Acelerou o quanto pode, trocando de pista e passando à frente dos carros vizinhos. De súbito, porém, uma pancada forte de chuva. Estrondos de trovoada e clarões de relâmpagos acompanhavam os pingos grossos de água que, de tão abundantes, lhe tapavam a visão. As luzes dos postes de iluminação apagaram-se. Vagarosamente, e com muito cuidado para não bater nos automóveis ao lado, conseguiu acostar-se ao meio fio, numa reentrância da rua. Desligou o motor e aguardou.
Não demorou muito, um ruído de vozes e gritos, cada vez mais altos e estridentes, o fez ficar em alerta. Tentou enxergar através do para-brisa, onde a água da chuva descia como cachoeira, e acendeu uma lanterna que tirou do porta-luvas. Olhou em frente pela janela: viu carros parados, pessoas que corriam. De repente, ouviu tiros, seguidos de mais gritos.
Não havia dúvidas: um assalto. Bandidos se aproveitavam da chuva forte e da escuridão para roubar motoristas, presos no trânsito pelas circunstâncias. Com os faróis desligados, avançou vagarosamente sobre a calçada, até conseguir virar à direita em rua transversal. Dirigiu desorientado em baixo da chuva, espadanando água das poças, cada vez mais fundas.
Não sabia quanto tempo se passara. Resignado, virava em rua após rua, sem reconhecer nomes. De súbito, porém, a placa que leu avivou sua memória: era a rua da médica!
Sem questionar que circunstâncias o haviam levado até ali, estacionou, aliviado. A chuva amainara. Tocou a campainha da luxuosa clínica e foi recebido pela secretária. A moça fitou-o meio triste, como se olhasse para um cachorro faminto.
“A dra. Suzana acabou de sair. Ela esperou tanto... O senhor não veio na hora marcada.”
“Ó profeta – disse eu – Criatura do Mal, e ainda assim profeta, ave ou demônio”. (“O corvo”, Edgar Allan Poe)
Pôster de “Os pássaros”. Fonte: wikimedia.org
Nunca algo tão inofensivo na história do cinema, tirando as belas mulheres, pareceu tão aterrador. “Os pássaros” (1963), de Alfred Hitchcock fez isso. E fez mais. Mudou, para sempre, a ideia de que é preciso explicar o sentido de um filme. Se você já viu ou não, não importa, mas acorde! corvos bicam seus olhos!
O sucesso estrondoso de “Psicose” (1960), diria Hitchcock, fez com que ele imaginasse que o público queria algo mais forte ainda.
A origem de “Os pássaros” nasce da ideia de que ele pretendia contar uma história de catástrofe, mas que ela envolvesse pessoas normais, comuns, e que suas vidas ordinárias fossem terrivelmente interrompidas.
Na entrevista que Hitchcock concedeu a Peter Bogdanovich (Diretor do provocador filme “A última sessão de cinema”) ele explicaria isso com outros termos, após analisar a obra de Daphne du Maurier, “The birds”, na qual o filme se baseia.
Dizia ele: “Em outras palavras, estávamos dizendo: ‘Vejam. Todas essas pessoas inconsequentes as suas vidas transcorrem de modo bastante aborrecido, mas, de repente, surgem os pássaros. Agora sua equanimidade comparativa é perturbada’”.
A “equanimidade comparativa” (leia-se complacência, conformismo) é justamente uma das explicações para sua heroína, a belíssima Melaine Daniels ( Tippi Hedren ).
A mãe de Melissa a abandonou aos 11 anos. Ela é filha de um proprietário de um grande jornal de San Francisco, suas ocupações parecem repetitivas e pueris, como fazer ações de caridade e ir à loja de pássaros onde encontrou Mitch ( Rod Taylor ), seu parceiro e amante na guerra contra as aves e contra ela mesma.
Contra ela mesma, porque a ideia é de que não só as vidas comuns das pessoas da pequena vila de Bodega Bay, onde os pássaros atacam, são viradas de cabeça pra baixo, mas de que a ordinária vida de Melaine sai do seu conformismo e se depara com um trágico desafio. Daí a ideia da heroína hitchcockiana.
Novamente Hitchcock dá a uma de suas mulheres o protagonismo do filme, seguindo o que fizera antes com Janeth Leigh em “Psicose”.
Parte do storyboard do filme
Mas se no filme anterior Marion Crane (Leigh) foge da cidade após realizar um roubo, em “Os pássaros”, Melaine sai da cidade com a desculpa de presentear Cathy, a irmã de Mitch, com dois “loverbirds”, dois periquitos.
A diferença não é apenas de intenção, mas de motivo, razão. Marion sucumbe à tentação da cobiça; Melaine sucumbe à tentação do amor. São pecados, mas pecados diferentes.
Melaine em sua chegada na vila logo sentirá essa mão do destino ao ser atacada por uma gaivota. Ainda sob os efeitos da grande cidade e do impacto do novo lugar, a professora (ex-namorada de Mitch) que a acolhe pergunta o que ela achou do povoado, e ela responde: “detestei!”.
Hitchcock aos poucos irá demonstrar como essas apreensões sobre a vida, sobre a realidade e sobre nossos pequenos mundos nem sempre são as únicas corretas, possíveis.
É o signo da catástrofe que está a espreitar, com asas, pendurado nos fios dos postes da pequena vila.
O primeiro ataque massivo dos pássaros demonstra isso. Na casa de Mitch, o que era para ser um jantar de recepção se transforma, sob os olhares de reprovação da mãe à visitante, em caos quando pequenos pardais invadem a casa como uma nuvem de fumaça densa que desce da chaminé.
É a segunda prova de realidade para os habitantes da casa, mas, principalmente, para Melaine que, enquanto se mantém calma, observa a perda de controle da mãe de Mitch, a imagem aqui é de que se trata da bruxa má a amaldiçoar aqueles acontecimentos.
Naqueles acontecimentos a sequência do fazendeiro, encontrado pela mãe morto com os olhos arrancados pelos pássaros, proporciona uma nova aproximação. É quando a bela jovem da cidade se aproxima definitivamente daquela que poderia ser sua algoz.
Um chá servido no quarto da mãe, após o pânico da cena de morte, aproxima esses dois polos da paixão de Melaine pelo filho e do medo de substituir a mãe e condená-la à solidão.
A sequência mítica e bíblica da morte do fazendeiro é uma abertura para uma nova realidade. Os olhos do fazendeiro se foram, mas são os olhos de Melaine que, para deterem os corvos do destino, devem se abrir. É um Édipo às avessas.
Essa caraterização do destino, quase mítica e quase mística, estará presente naquela que talvez seja a sequência mais famosa do filme. A sequência dos corvos pousados na frente da escola onde Cathy, a irmã de Mitch, estuda.
Os pássaros em frente à escola
O corvo é uma simbologia de morte e vida, felicidade e infortúnio e se tornará uma das imagens arquetípicas e massificadas com a qual pensamos sobre augúrio, predestinação, má sorte. A sorte da vila está a espreitar em todos os lugares.
Farfalham as asas, grasnam assustadoramente as aves, gritam os medos, correm os moradores. Muitos, no mercado, não creem no que está lhes acontecendo. Como aquela “equanimidade comparativa” foi quebrada?
A incredulidade da “ciência”, simbolizada em uma senhora especialista em pássaros, só é derrubada pela realidade que se impõe na sequência no centro da cidade. Os pássaros voltam a atacar, e a ideia de Hitchcock se faz em toda sua força. Homens aprisionados, aves livres, ameaçadoras, violentas.
Hitchcock afirmaria sua intenção dessa perspectiva na famosa entrevista ao cineasta François Truffaut , “Hitchcock/Truffaut”, um dos mais importantes livros sobre cinema.
Ele relembra a sequência inicial na loja de pássaros, na qual Mitch ao capturar um pardal o recoloca na gaiola e diz: “recoloco você em sua gaiola dourada, Melaine Daniels”. Essa metáfora é reintroduzida na famosíssima parte em que Melaine ficará presa em uma cabine telefônica no ataque dos pássaros ao centro da cidade.
Melaine presa na cabine telefônica. Fonte: reprodução
Essa seria a prova de fogo da jovem, diz o diretor. Ela está presa, agora, em uma gaiola de infelicidade. As aves podem lhe ferir mais ainda, ela terá que acordar para um universo, um destino, que desconhecia.
O mundo não é feito apenas de vilas calmas e vidas rotineiras. A sorte, o augúrio e o imponderável dele também fazem parte. Não importa porque os pássaros atacaram.
Não por acaso, na sequência final, o aspecto de sonho e fantasia é preponderante. Ele ocorre no sótão, lugar onde se alojam coisas não rotineiras, ou coisas que deixamos para trás. Atacada, Melaine desfalece suspirando pelo nome de seu amado.
Não há mais nada a fazer sobre o augúrio consumado. A família atravessa um caminho onde os pássaros, como a sorte, o destino, estão a espreitar. Entrar no carro e deixar isso para trás talvez seja a única possibilidade de continuar.
Ao partirem, em primeiro plano está a imagem assustadora do lugar repleto de aves, ao fundo, está o carro, a vida, que segue um novo caminho.
Cena final. Fonte: Reprodução
Não deixa de ser instigante a ideia do diretor de brincar com um outro fim para o filme no qual, na fuga do juízo final de Bodega Bay, os passageiros do carro olhassem para a ponte Golden Gate e ela estaria coberta de pássaros. É um mundo como desafio interminável, sem complacência.
Complacência. Esse seria o tema do filme para Hitchcock. Para ele, é sob as dificuldades que as pessoas tendem a se sair melhores. Nem sempre se deve considerar a opinião de artistas sobre suas obras como verdade absoluta.
Mas, nesse caso, Hitchcock está dizendo, acorde! corvos bicam seus olhos.
Foto doméstica. Tirada pela selvagem inquilina da casa.
Existem gritos que não vou ouvir, no entanto existem e propagam. Ando bloqueando coisas, desde contas, números, gastos e palavras. Tenho uma barragem bem controlada. De rejeitos, digo.
Uma barragem cheia é bem mais pesada que o horizonte. Um dia segurei um horizonte nas mãos. O local? Foi atrás da coxia de um teatro onde um filme muito antigo passou só para mim. Olhei como se fosse um retrato reverso. O congelamento daquele ato, não chamei para dizer o que eu queria dizer, porque já não era mais hora de gritar e dizer que eu estava pronta naquele dia que não disse nada.
Depois foi tarde demais. Tinha tudo se dobrado em noite. (os horizontes sempre desmaiam, dobram como se fossem barrigas gordas de gatos).
Aquele que foi meu, aberto por alguns minutos em um portal em linha reta, dobrei com sol se pondo, dobrei nas mãos. Era muito bonito para soltar e não ter valor nenhum nessas valas da vida. Esses dias sem querer e por curiosidade ou saudade, fui ver como era mesmo meu horizonte. Estava tudo diferente. Nem sabia que poderia por acidente ter nascido outro sol depois de tantas noites. E por maldade ou mutilação olhei fixamente.
Até ficar embaralhada. Mas o efeito fatal no meu olho deu de não falar. Estou agora escondida dentro de uma barriga de gato aleatório imaginado e em silêncio. O novo sol nem sabe que está dobrado como um passarinho de origami na minha mão.
A volta do Flagelo do Agreste ao centro do palco das quimeras, acontece por conta da absurda falta de qualidade do Cavalo de Tração, em que toda a prole da Viúva Alegre depositou esperanças de novos horizontes.
O discurso de um e de outro, em muitas ocasiões, se confundiram por conta da mesma matriz, assistencialista, vulgar e mentirosa: a indignação com o despautério na condução dos destinos da Res publica.
A corrupção, o nepotismo, o compadrio, a desfaçatez, os juros, os males econômicos, os miseráveis, o pão dos pobres, a fome, a falta de um ensino de qualidade, o descalabro com as políticas de habitação, etc, etc, etc. Um e outro, cada qual com o seu estilo, repetiram a mesma cantilena em todas as campanhas, desde sempre. Adicionaram variáveis étnicas, comportamentais, religiosas e mais algum outro penduricalho verborrágico, para conquistar a atenção e a cumplicidade do "povo”, a prole da Viúva.
O caso recente reveste-se de características bizarras.
Um político profissional, de mais de 25 anos de carreira, declara aos berros:
- Não sou político! Não vou isso e aquilo!
-Todos os políticos são desonestos, etc, etc.
Seus ajudantes mais próximos fazem paródias com músicas populares, provocando o com: "se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”.
Ainda opaco, a "encarnação do bem" sofre um atentado covarde, perpetrado por um adepto do seu adversário.
Uma facada em público. O agressor foi e continua preso num hospício, ou coisa que valha. O resultado do feito é do conhecimento geral.Vitória do bem contra a corrupção, a roubalheira" etc. e tal.
Depois da posse, começam a surgir denúncias de nepotismo, favorecimento de "correligionários” de outros tempos, da família, dos empregados domésticos e diversas situações antes repudiadas em seus discursos.
A inabilidade e ignorância no trato de assuntos, absurdamente, fáceis de resolver, em áreas sensíveis tais como: Saúde, segurança, e outras mais prosaicas como meio-ambiente, indigenismo, etc., acrescidas de absoluta falta de polidez, educação social, postura, junto com arrogância, prepotência, grosseria, bravatas e atitude, minimamente, civilizadas, empurrou para baixo todo aquele deslumbramento inicial.
O segundo ator dessa terrível pantomima, diferente do adversário, nunca negou as origens ordinárias nem sua condição inicial de tosco que progrediu ao encontrar a Urbe.
Nunca negou a sua origem política, gestada na atividade sindical, onde o protagonismo não demorou a revelar uma inteligência diferenciada, uma capacidade de aprendizado incomum, um carisma e objetividade próprias de uma liderança natural, autóctone, indiscutível. O passado miserável virou bandeira de lutas, o emprego fabril virou o campo fértil para as arengas igualitárias, reivindicações sindicais e o momento político, um Governo de ajuste cívico que secundava um período de instabilidades, foi a moldura a completar a figura do habilíssimo negociador que se mostrava valente e agressivo contra o “monstro”.Mas fazia acordos à socapa, coordenando o pode não pode com as autoridades da época.
Conta um delegado de grande nomeada, que o Flagelo do Agreste entrava e saía na sede do poder para negociar os movimentos sindicais, dentro do bagageiro de um automóvel. Assim não era visto! Depois, no palanque sindical, promovia o que tinha sido combinado em segredo com os, então, agentes da repressão.
A fila andou e o tal sindicalista, distributivista, líder do “povo” sofrido e indignado com os rumos dos governos posteriores ao período de ajustamento cívico de 1964 a 1985, chegou ao Olimpo caboclo. Finalmente presidente. Ali, com sua indiscutível habilidade e carisma foi aparelhando o Governo e estabelecendo o processo interrompido por uma escolha infeliz: A disléxica do Planalto.As trapalhadas, insubordinação ao "mestre”, tolices, erros e incapacidade crônica, acabaram de forma melancólica. A inconfidência de um deputado com uma jornalista, levou à descoberta do sistema de controle do Congresso, usado pelo Flagelo do Agreste.Tratava-se de um escândalo ciclópico de corrupção de grande de congressistas,comprados através do mecanismo de gratificação, mesada, gorjeta mensal praticado pelo Planalto! O Mensalão!
A ponta do iceberg começou a rasgar o casco daquele Titanic de imoralidade administrativa.A torre de malfeitos começou a desabar.
Um Lava-jato no Paraná, um lugar de lavar automóveis, era usado por um doleiro como escritório.E começa uma operação policial que leva a investigações cada vez mais precisas e esclarecedoras. Além do Mensalão,um acordo de propinas atrelado a construtoras de grande porte e obras governamentais é posto à luz.As investigações são levadas a sério, os nomes que vão aparecendo surpreendem, levando o País ao estupor.No topo da lista, lá está ele: o Flagelo do Agreste.
Testemunhas são ouvidas e os delatores encantam os jornalistas e estufam os noticiários com os mais colossais absurdos.Os empresários que proporcionaram bilhões aos denunciados,tentam livrar-se da co-autoria dos fatos. Os meses vão passando até que, um dia, os veredictos dos ínclitos julgadores são propalados e o óbvio resplandece para orgulho e satisfação da patuleia indignada: Cadeia para todos os criminosos! Corruptos! Ladrões!
A segunda instância dos processos confirma o resultado da primeira. Cadeia!
Mas…Os efeitos do Flagelo do Agreste permaneceram incrustados na máquina do Governo.
A ideia dos três poderes, tem como alicerce a Constituição e a isonomia entre eles. Na prática, a teoria se mostra menos clara. O Poder Judiciário é formado por funcionários indicados pelo Poder Executivo. O povo elege o Poder Legislativo. Mas o poder legislativo é exercido por um super exclusivo e mínimo número de parlamentares. Na verdade os que compõem a mesa diretora de cada uma das instâncias.O resto é massa de manobra. Alguns mais outros menos, mas quem manda são os componentes da Mesa, os partidos que os abrigam e fim de conversa.O que sobra é cognominado de "baixo-clero”. Só faz barulho. O Poder Legislativo tem membros vitalícios. Mandatos intermináveis, a não ser quando o sino da Megera começa a tilintar ou quando completam idade provecta, mesmo que, ainda estejam gozando de suas faculdades físicas e mentais. O Poder Judiciário é formado por membros indicados pelo Poder Executivo. Se acontecer mudança na política, em tese, nada acontece no Judiciário. Um pequeno momento me engana que eu gosto.
A libertação e cancelamento das penas atribuídas em duas instâncias aos criminosos de colarinho branco, que envergonharam o País, detonaram empresas encheram seus próprios bolsos, e foram, praticamente, escorraçados depois da facada, foi concedida, pelos mesmos juízes que os condenaram… Judicialidades, meandros dos recursos forenses desculpas e razões tão absurdas como se um crime perdesse seu resultado nefando, por conta do endereço do tribunal. Pior,o Malfeito foi contra a República, foi contra a Viúva alegre e sua prole miserável. Crimes materiais, morais, éticos e cívicos deixam o agente criminoso livre como se o endereço do Feito não fosse a própria nação.
A memória é fraca.
Os amigos, correligionários, as múmias beneficiárias no passado, rejubilaram-se e aproveitaram a caturrice, estreiteza, obliteração endógena do, outrora, cavaleiro da Luz e agora um troglodita pré histórico.
A máquina de comunicação que não tinha sido desaparelhada, atuou por anos seguidos exaltando a estupidez, os enganos e as faltas com os compromissos de campanha do "redentor" adversário. O compadrio, o nepotismo, a desfaçatez, a inabilidade na condução de políticas, o posicionamento sempre dúbio, inconsistente em relação a diversas questões internacionais, posicionando-se sempre de forma equivocada, prejudicaram a tentativa de continuidade, também negada lá no começo, quando dizia que não iria candidatar-se a reeleição.
Mesmo assim, metade da prole da Viúva quase impediu que o Flagelo voltasse com a mesma conversa, as mesmas múmias acrescidas de algumas ainda em processo de embalsamamento, enfim com a dupla Jean Valjean e Javert, do clássico romance de Victor Hugo, e mais toda uma variedade de atores e comportamentos que beiram ao estupor.
O Cavalo de Tração foi defenestrado por uma espuma mínima de ressentimentos, rejeição e ojeriza por ele mesmo provocada.
A prole da Viúva , encantada com a nova versão do panem et circenses e seus novos abrigados na lona verde-amarela, assistiu a demolição de ritos cívicos, a ascensão de novos artistas ao palco das surpresas, guardando as lembranças do que ainda não ficou resolvido.
Buscam processar o Cavalo de tração, impedir que volte a pista com seus coices e relinches e esquecem o que levou o Flagelo do Agreste para a cadeia. Esquecem da atuação nefasta dos Vulturinos areopagitas e suas casacas viradas pelo avesso.
Falta memória.