À primeira vista, parecia tratar-se de um abandono ou, na melhor versão, um esquecimento. Hipótese improvável, pois quem iria esquecer-se de um cachorro e uma pequena mala, lado a lado, em absoluta harmonia, calma e resignação.
Eles continuaram do mesmo jeito, sem serem notados ou provocados por nenhuma criança ou adulto transitando pela plataforma ferroviária onde, sabe-se lá como, foram parar. Um velhote meio encurvado, ajudado por uma bengala desgastada,caminhando entre as pessoas que chegavam e partiam, passou pela dupla, virou-se e por um instante pareceu lembrar-se de algo. Mas foi muito rápido, sequer parou.
O animal grandalhão, também mostrava sua velhice e a maleta, apesar de bem conservada, não escondia uns arranhões e desgaste nas cantoneiras pelo constante apoio, em vários tipos de piso. O velho, uma figura de semblante um tanto amargo, olhar distante, roupas limpas, usadas, e os calçados denunciados pelo desgaste dos saltos, não escondia o seu relacionamento com os dois outros seres, um cachorro e a sua companheira, a maleta. Mais uma vez, voltou-se e olhou sem demonstrar nenhum sentimento. A estação funcionava normalmente, com os comboios chegando e partindo no horário, passageiros descendo e seguindo, outros embarcando, os funcionários em suas lidas e ninguém parecendo notar nada de estranho ou incomum por ali.
O velhote encarquilhado embarcou no vagão estacionado bem ao lado dos dois. Antes de colocar o pé no primeiro degrau, olhou fixamente, nos olhos do cachorrão, depois para a maleta e, tropeçando levemente, entrou no trem. Parou um instante na porta e voltou a olhar para aquelas duas marcas de sua própria vida. Alcançou o lugar para sentar junto a janela, do lado da plataforma, sentou-se sem tirar o sobretudo surrado, gasto e cerzido nos cotovelos, manteve o chapéu igualmente desgastado, arrumou a bengala entre as pernas e olhou pela janela, novamente buscando as duas bagagens abandonadas: O cachorro e a maleta. Em instantes que pareceram uma eternidade, o trem apitou, voltou a apitar e o movimento lento das imagens do lado de fora, indicaram a partida. O cachorro levantou-se sem se sacudir, cheirou a mala em toda a volta enquanto caminhava em direção oposta a entrada e foi desaparecendo lentamente, dissimuladamente, tão sutil que nem os empregados da Estrada de Ferro notaram. A maleta,igualmente, desintegrou, transformando-se num pequeno monte de pó, logo espalhado pelo vento suave e constante, provocado pelo ir e vir das pessoas, dos carrinhos, enfim do dia . O velho ainda sentado, entregou o bilhete para o chefe do vagão, ajeitou-se para apreciar a paisagem e lembrar as histórias, alegrias, tristezas, festas e tudo o mais que havia colecionado durante a vida, personificada no cachorro. Tempos de mordidas, brincadeiras, travessuras, e pauladas, coleira, corrente. A caderneta, guardada no bolso interno do casaco com os apontamentos mais severos, os remorsos e as culpas, retirada da maleta algum tempo atrás, desmanchou-se. Nenhum registro poderia ser lido ou aproveitado numa inquisição ou julgamento. Os cadernos com anotação de faltas e patifarias menos relevantes, pequenos deslizes, amores fortuitos, ficaram dentro da maleta. Percebendo a realidade do momento pelo qual estava passando, o velho enfiou a mão no bolso esquerdo do casaco, aquele sobre o coração e buscou uma anotação feita,num pedaço de papel amassado, onde estava escrito: Todos Serão perdoados - Marcos 3-28.
Alberto olhou para a nova estagiária por cima dos óculos. Novinha. Cabelo comprido, como era moda, castanho com listas louras. Pele bem clara e luminosa, via-se que não era muito de praia. Calça comprida clássica e camiseta simples.
Bonitinha, pensou o executivo. Tomara que ajude em alguma coisa. Abaixou a vista e continuou seu caminho em direção à sala de reuniões. No percurso, parou um instante na mesa do café e serviu-se de mais um copo, o terceiro do dia. Combustível para afastar o cansaço. Quando ia entrar na sala, foi interrompido pela voz irritada do chefe, o diretor de operações, que abrira a porta de seu escritório de repente.
“Alberto! Dá um pulo aqui. Temos um problema.”
Entrou, alarmado. O diretor de operações era conhecido por ser um grosso e não ter muita paciência com os subalternos. Problemas com ele, ninguém queria.
“Sente-se, sente-se, Alberto. Temos um cliente insatisfeito, e um dos nossos maiores. Lembra-se daquela carga que precisava chegar com urgência? Foi você quem ficou encarregado disso. Acontece que não deu certo, ocorreu um imprevisto....”
O diretor continuou a repassar, cada vez com voz mais alta, a série de reclamações ouvidas do cliente. Súbito, a porta entreabriu-se e um rosto feminino se fez ver, meio coberto por cabelos.
“Desculpe. Sou Sofia, a nova estagiária. Mandaram entregar esses documentos pro senhor. É urgente.” A voz da moça, que entrara na sala, parecia tremer de timidez.
O diretor interrompeu seu arrazoado e fitou a estagiária com certa curiosidade. Logo recompôs-se.
“Bota aí em cima da mesa. Estou muito ocupado agora”
Voltou a dirigir-se a Alberto, que, alheio, via a moça sair apressada. Tem covinhas nas faces, observou. Que sorriso bonito.
Eventualmente, o chefe acabou de falar e Alberto pode ir para casa. Ao pegar seu carro, esqueceu-se da estagiária, pensando na série de problemas que o aguardavam. Dívidas que se acumulavam, filha adolescente pega com drogas na escola, mulher insatisfeita com a vida... E por aí vai. Saio da panela para cair na frigideira, pensou. Tinha vontade de fugir para algum lugar bem longe.
Estacionou na garagem do prédio, onde notou sujeira acumulada em alguns cantos. Nem os faxineiros deste condomínio funcionam, pensou. O elevador social estava parado e teve que subir pelo de serviço. Encontrou a mulher esperando-o na porta, contrariada.
“Telefonaram da seguradora. Você não pagou o seguro do carro, e estão para cancelar. Além disso, estive no clube, e disseram que estamos devendo três mensalidades. O colégio da Anita advertiu...”
“Vamos jantar? Estou morrendo de fome”, desconversou.
“A empregada não veio hoje. Só tem pizza, e já está fria.”
Entrou no banheiro e lavou o rosto, tentando relaxar. No canto do espelho, por um instante pareceu-lhe ver o rosto da jovem estagiária, com seu sorriso de covinhas.
* * *
Fim de ano, correria danada no escritório, projetos para terminar, serviços inacabados. Alberto olhava para a papelada em cima de sua mesa, tentando não se deixar dominar pelo desânimo. Cabeça baixa, concentrava-se numa planilha complicada. Sentiu algo suave roçando seu rosto e um leve perfume agradável. Levantou a cabeça, surpreso.
“O senhor deve estar com fome, doutor Alberto. Não parou de trabalhar desde cedo. Quer meu outro sanduiche? Trouxe dois”.
Relutante, aceitou o sanduíche que a estagiária lhe oferecia, mão estendida. O gesto lhe deixou uma sensação agradável de alento, alguém preocupava-se com ele. Dias depois, veio o convite.
“Quer almoçar comigo, doutor Alberto? Tem um bistrô novo aqui do lado, comida caseira. Bem baratinho!”
Não hesitou em aceitar, e foram almoçar. A moça mostrou-se capaz de uma conversa agradável, nada muito polêmico. Voltou para o trabalho mais animado.
Os almoços no bistrô repetiram-se ocasionalmente. Perto do Natal, a empresa organizou sua tradicional festa de fim de ano, numa sala de hotel. Única ocasião em que não faziam economia, tinha coquetel, canapês, até champanhe. As conversas subiam de tom, à medida que os funcionários consumiam cada vez mais doses de uísque, vodca e outras bebidas. Pessoas que mal se falavam na faina do dia-a-dia, conversavam animadas, com muitos abraços e tapas amigáveis nas costas. Alberto participava, feliz por estar se divertindo longe da mulher.
Uma mão suave passou-lhe pelo braço. “Está gostando da festa?” perguntou Sofia, chegando-se a ele. Sem esperar resposta, queixou-se do calor abafado. “Vamos até à varanda tomar um ar?” Puxou-o pelo braço até se encostarem na balaustrada do terraço. Virou o rosto para cima, oferecendo os lábios. Alberto, meio tonto depois de quatro uísques, não se fez de rogado.
Foram para um motel. Dias depois, repetiram a experiência. O jeito inocente e infantil da moça fascinavam o executivo. Dirigia-se a ele como se fosse um deus. O sexo raro e morno que tinha em casa, relação desgastada, brigas. Com Sofia, sentia-se renascer.
Fazia malabarismos para conciliar essa nova vida com a outra. Não era fácil; na verdade, cada vez ficava mais complicado. Manter as aparências no escritório era um problema, ainda mais porque precisava dos serviços de secretária da estagiária. Sofia, no entanto, era melhor atriz e parecia muito à vontade trabalhando com ele, diante dos outros empregados. Pior que isso era a atitude dela, que estava mudando. De humilde e carinhosa como no início da relação, passou a ficar mais exigente.
“Meu amor, essa história de motel não dá mais. Não fico à vontade. Porque você não aluga um apartamento para nós. Pode ser bem pequeno, não tem importância. Vai ser nosso ninho!”
Apesar de estar sufocado com despesas, Alberto cedeu e alugou um pequeno apartamento num bairro de classe média para seus encontros com Sofia. Tudo ia bem entre eles, saia de lá feliz. Meses depois, no entanto, quando estava jantando em casa com a família, tocou o telefone. A mulher foi atender, mas desligaram.
“Deve ser propaganda, ou então é golpe.”
As ligações repetiram-se várias vezes em outros dias, até que resolveu atender. A voz doce e melodiosa de Sofia respondeu do outro lado, perguntando quando iriam se encontrar.
Alberto ficou furioso. Na próxima vez em que encontrou a moça no apartamento, repreendeu-a com rispidez.
“Onde você conseguiu meu telefone? Não se meta com a minha família!”
Para sua surpresa, Sofia desmanchou-se em lágrimas. Soluçando, queixou-se. “Você não me respeita, pra você eu sou uma puta qualquer.” Alarmado, Alberto tratou de consolar a moça, com muitos carinhos e elogios, até ver de novo em seu rosto infantil o sorriso de covinhas. Sentia-se cada vez mais culpado: na sua mente, seduzira a moça, um homem casado.
Tudo ficou sob controle, até que um dia, Sofia o interpelou.
“Você não diz que me ama? Por que não se divorcia e casa comigo?”
Alberto levou um susto. Desconhecia essa Sofia, mais madura e voluntariosa. Saiu do encontro e, depois de pensar muito dentro do carro estacionado, tomou uma decisão. Essa vida dupla tinha que acabar. Tá certo, sua vida de família não era lá essas coisas, mas desmanchar tudo que já havia construído também não ia dar. E os filhos? Iam ficar com a mulher. E o apartamento já quitado? Iam ter que vender? Deus me livre.
O próximo encontro com Sofia foi doloroso. A moça não se conformava, chorava sem parar. Sentia-se um calhorda. Devolveu o apartamento; os telefonemas misteriosos continuaram por um tempo, até irem escasseando. Finalmente, cessaram. No escritório, evitava a moça o mais possível, a ponto de virar as costas quando a via.
Passaram-se muitos meses, e tudo parecia ter voltado ao normal. Durante este tempo, a estagiária havia sido contratada como funcionária. Alberto nunca retornara ao bistrô onde costumava almoçar com Sofia, com medo de encontrar a antiga amante. Um dia, porém, sentiu saudades do talharim com costela, seu prato preferido no restaurante, e resolveu entrar. Estava por terminar o almoço, quando a porta se abriu e para sua surpresa, entrou Sofia, acompanhada pelo seu chefe, o diretor de operações. Mudou de lado da mesa para não ser visto, terminou o almoço rapidamente e saiu ocultando o rosto com uma pasta.
Passou a observar com mais atenção o vai-e-vem da moça na firma. Parecia-lhe que o número de vezes que ela entrava e saía na sala do seu chefe havia aumentado. Levava pessoalmente com frequência pastas, correspondência e café, apesar do homem ter sua própria secretária. Sentiu-se confuso, sem saber o que concluir.
Um dia corria ofegante, tentando terminar um trabalho importante que era para ontem, quando foi surpreendido pelo diretor de operações, que abriu a porta do escritório subitamente.
“Alberto! Entra aqui. Quero falar com você.”
Entrou, apreensivo. Tentava elaborar mentalmente uma desculpa para o atraso no trabalho, esperando uma descompostura.
“Sente-se, sente-se, Alberto. Você e eu trabalhamos juntos há muito tempo; considero você meu amigo. Tenho uma novidade para lhe comunicar. Você sabe que sou casado.”
Fez uma pausa de efeito. O executivo, confuso, tentava imaginar onde o chefe queria chegar.
“Pois estou me divorciando. Sofia e eu vamos nos casar. Estamos apaixonados, paixão irresistível. Claro, ela vai ter que sair da firma e procurar outro emprego. Ou talvez nem precise, o que eu ganho vai dar de sobra pra nós dois.”
“É uma pena a firma perder uma funcionária tão dedicada. Por outro lado, agora sou um homem feliz. Estou me sentindo vinte anos mais moço!”
A discussão sobre a "proporcionalidade"das respostas aos ataques de um bando de terroristas assassinos a uma população de fazendeiros e agricultores, além de uma plateia de jovens espectadores de um show musical, é deplorável. A ideia de que a "guerra tem regras", é por si só, absurda. Regras para destruir, matar, aleijar, incapacitar , machucar seres humanos, estejam ou não caracterizados para tal serviço, fardados, sinalizados, etc, é de uma estupidez ciclópica. Aperfeiçoar aparelhos denominados de armas e classificá-los de acordo com sua capacidade em : leves, de ataque, de assalto, de contenção, de destruição média, normal, de massas, não tem cabimento no entender de ninguém. Ao mesmo tempo em que alguns cientistas flutuam a quilômetros no espaço, estudando o Universo, milhares de outros gastam seus preciosos neurônios, melhorando inventando, máquinas e instrumentos para arrasar, devastar, sublimar pessoas. E não tem lado que esteja mais ou menos certo que o outro, quando o assunto é resolver questões através do expediente mais simples que se pode imaginar: A supressão da vida. O poder engalanado, as fanfarras altissonantes, os ritmos marcados das botas e coturnos agredindo o piso das avenidas em desfiles impressionantes não bastam. Há que mandar aqueles atores orgulhosos em seus uniformes bem passados para a morte ou a incapacitação. Há que mostrar arrogância, prepotência, autoridade sobre o "outro" do outro lado de alguma divisória. Entretanto, o mais absurdo é que são poucos indivíduos, bípedes falantes, que controlam a estupidez geral. A capacidade de convencimento desses monstros abissais é inexplicável, sempre escondidos por um artifício impalpável, principalmente o medo e as promessas de afastar o perigo. Os céus castigam. Os céus premiam os que acreditam, a igualdade entre os parecidos serve de cola, adesivo, grude, para formar hordas. Bastam algumas promessas que vão desde leite e mel até casas, escolas, comida abundante, automóveis e outras prebendas até as glórias de ser um cadáver com uma rodela de metal pendurada numa fita, atada ao peito. Os líderes viram siglas sempre que interessa. Ou são mensageiros do altíssimo, em suas múltiplas versões, sempre adversárias umas das outras, ou seguidores de idéias e doutrinas de aglutinação da população, da choldra, da escumalha em que todos se transformam. A mudança dos nomes dos responsáveis pela morte de milhares de jovens em ação, e outros milhares de pessoas comuns por conta dos “efeitos colaterais" da insanidade, é parte do absurdo. Geralmente uma ideia religiosa, política, ou geográfica. Mas não é o assassino mór que aparece: é a sua "firma" o seu "clube" "a sua verdade"', Os grupos terroristas tomam ares de "defensores legítimos", exércitos irracionais de países onde a fome e a miséria é conhecida, garantem sua "democracia popular", facções religiosas perpetram barbaridades em nome das leis de seus deuses ou deus. O nome dos monstros que mandam a juventude de seus povos e países para a máquina de morte quase ou nunca aparece ou está diluído em diversos "chefes ou dirigentes". Ninguém é responsável por começar um horror qualquer.Sempre agem em defesa de alguma ideia ou ambição. Agora estamos vendo a cobrança de proporcionalidade na irracionalidade em resposta e contenção a uma barbárie indescritível. Deve ser falta de assunto. Quem procura acha.
Demonstrando grande indignação com a acusação que o levou a passar um período encarcerado, o Flagelo do Agreste, repetiu, durante uma entrevista na TV: “Digam o que foi que eu roubei” insistindo, algumas vezes em tom indignado e com toda razão. Reclamava da pecha equivocada que seus adversários insistem em repetir e alardear. Não é verdade que o Flagelo do Agreste tenha cometido furto, roubo ou assalto,contra pessoas ou instituições.Entretanto,sua condição fica evidente, ao terem sido comprovadas diversas situações em que se beneficiou, principalmente, da corrupção ciclópica perpetrada por empreiteiras poderosíssimas e, por ter aceitado mimos e vantagens imobiliárias encobertas por terceiros "laranjas, tais como: sítio no interior de São Paulo e um apartamento num balneário de luxo, na Baixada Santista. Uma coisa não é a outra. Um ladrão rouba, furta. Um corrupto é corrompido ou corrompe!Num determinado ponto das interpretações sobre o efeito de cada modalidade, chega-se, facilmente, ao entendimento de que os dois crimes resultam em benefício ao agente culpado. Uma coisa não é a outra! Ladrão é ladrão, corrupto é corrupto. Faça-se justiça. O noticiário, os comentaristas, os detratores, os adversários políticos, o cidadão com mais de dois neurônios, todos, devem respeitar a condição explícita e comprovada pelas investigações, processos, condenações e penalidades que o Paciente tem. Ele não é ladrão! Ele é corrupto!. Uma coisa não é a outra. A propósito, os processos não foram extintos. a justiça não extinguiu o trabalho da Polícia, dos investigadores, promotores, auditores, contadores e inquisidores que instruíram, com perfeição, os processos de corrupção. O julgamento foi anulado por “erro de endereço”. Um escândalo repugnante, num festival de desfaçatez, que foi atenuado com uma tornozeleira moral dando ao condenado a possibilidade de aproveitar sua imensa e indiscutível habilidade, carisma, articulação e “endereço”, para seguir com as arengas, hoje modernizadas, com vistas a um assento na mesa dos Arcanos da Ordem Global. Assim, o Mundo e o protagonismo nos grandes eventos econômicos, sociais, políticos, etc. que, realmente, englobam os hemisférios sem distinção, têm mais alguém querendo sair na foto. uma coisa não é a outra! Corrupto não é ladrão. Uma coisa não é a outra.
Relutante, entrou na sala. Eugênia estava esperando, chaveiro na mão.
“Estou de saída, tia Dani. Vou encontrar um cliente em Campinas, durmo por lá. Fica à vontade, quando sair, deixa a chave com o porteiro.”
Após passar pelo banheiro para ajeitar o cabelo mais uma vez, a moça saiu de casa apressada, batendo a porta de entrada com força.
Surpresa com a recepção pouco calorosa, tia Dani olhou em volta lentamente e tentou se recompor. É verdade que não poderia esperar nenhuma atenção especial por parte da sobrinha. O drama terrível em que estava imersa era somente seu, e o relacionamento com a moça, no máximo, superficial. A verdade, porém, é que nunca sentira tanta necessidade de um aconchego, um ombro amigo para se encostar. Esperava que a sobrinha lhe fizesse companhia naquela noite, que ficasse interessada em seus desabafos. Enfrentava sozinha uma dura realidade e esperava encontrar em Eugênia uma solidariedade que lhe desse algum alívio.
Sentou-se numa das cadeiras em volta da mesa de jantar, os pensamentos confusos. Após uns quinze minutos, deu-se conta de como eram fantasiosas suas expectativas com Eugênia. Esperar amparo de alguém que nem conhecia direito... A moça tinha sua vida, suas lutas, seus próprios dramas. Levantou-se e começou a examinar o lugar onde iria passar a noite. O apartamento era bom, arejado e bem iluminado. Sala de tamanho médio, dois quartos. Entrou na cozinha, que se abria diretamente na sala, à procura de um copo d’água. A geladeira era grande e moderna; depois de beber água gelada, devolveu a garrafa. Um detalhe chamou a atenção: duas fotos estavam coladas na porta.
Na penumbra da cozinha, pouco podia ver. Curiosa, foi pegar os óculos na bolsa e acendeu a luz. Duas moças abraçavam-se risonhas, uma delas sua sobrinha. As cabeças se tocavam e cabelos misturavam-se, uns louros, outros castanhos.
Parecem felizes, meditou tia Dani. Antes assim. Voltou a concentrar-se em seus problemas. Filhos desempregados. Problemas financeiros. E o drama final, que quase a derrubara.
Viera para esta cidade atrás de um advogado que lhe fora recomendado. Chato ficar na casa dos outros, ainda mais sendo recebida claramente de má vontade. Não é que não podia pagar hotel: pedira para hospedar-se no apartamento da sobrinha mais pela esperança de encontrar uma aliada. Alguém que ouvisse seus problemas, mostrasse piedade, solidariedade. Iludira-se.
Voltou para a sala e continuou a explorar o apartamento. Foi logo ver o quarto de dormir; dia seguinte, tinha que se levantar bem cedo por causa da reunião agendada para as oito horas. Viu que era amplo e confortável, com uma cama de casal larga. E o outro quarto? Descobriu que fora transformado em escritório, onde Eugênia devia trabalhar. Mesa grande, computador, dois monitores, impressora... A cadeira era daquelas anunciadas para executivos importantes, modernas, leves e caras. Sentou-se por curiosidade: a cadeira balançava e movia-se ágil sobre rodinhas.
Preciso de uma dessas para mim, pensou ao levantar-se. Porém sabia que não tinha coragem de pagar o preço. Passou os olhos em volta; fora uma estante com poucos livros, não havia mais nada.
Ao sair do escritório, uma pilha de fotos ao lado do computador chamou-lhe a atenção. Sentindo-se um pouco culpada, pegou-as nas mãos, olhando uma por uma. As mesmas duas moças das fotos da geladeira protagonizavam as imagens, que mostravam paisagens variadas. Em algumas, o vento do mar desmanchava os cabelos das mulheres e dobrava as folhas das palmeiras. Em outras, viam-se montanhas ao longe. Notavam-se grandes demonstrações de afetividade entre as duas, o que lhe causou certa estranheza.
Antes de ir dormir, foi até à sala ver televisão. Sonolenta, assistia com pouca atenção a um noticiário, quando o telefone tocou. Uma voz feminina indagou:
“Eugênia?”
“Eugênia saiu. Sou a tia dela. Quer deixar um recado?”
A voz do outro lado da linha parecia ansiosa. “Mas que transtorno. Preciso falar com ela. O celular não atende, parece desligado.”
Sem saber o que dizer, Dani ficou em silêncio. A voz continuou.
“Quem está falando é a terapeuta da Laura. Por favor, diga a Eugênia que preciso falar com ela, urgente.”
Desligou. Tia Dani ficou sentada, um pouco confusa. Quem seria Laura? Pelas palavras da mulher ao telefone, devia haver bastante intimidade entre essa Laura e sua sobrinha. Seria a moça das fotografias? Começou a ter a impressão de estar puxando o fio de uma meada que não lhe dizia respeito.
Lembrou-se do pouco que sabia sobre Eugênia, quase tudo a partir de relatos da mãe dela, sua irmã. Moça bela e inteligente, depois de formada criara sua própria empresa de Marketing. Era mesmo o orgulho da família. Após muitos namorados, ficara noiva de um advogado jovem, morador de outra cidade, com brilhante futuro numa firma renomada. O casamento, marcado para setembro. Tudo preparado para um final feliz.
Escreveu um bilhete com o recado da terapeuta, colocou sobre a mesa e foi até o banheiro. Lavou o rosto e vestiu a camisola, preparando-se para dormir. Programou o despertador para bem cedo, não queria chegar atrasada. Logo que apagou a luz, o telefone voltou a tocar. Atendeu, bocejando.
“Sou eu de novo”, anunciou a terapeuta. “Eugênia já voltou?”
“Não, ainda não.”
Ouviu um suspiro do outro lado da linha.
“Não sei o que fazer. Laura teve uma crise grave. Está no hospital, tomou muitos comprimidos. A notícia do casamento marcado derrubou ela.”
Diante do silêncio da interlocutora, acabou desligando. Dani tentou dormir, só conseguiu depois de rolar muito tempo na cama, os pensamentos confusos. O dia amanheceu e apressou-se, louca para ir embora.
Quando ia abrir a porta para sair, Eugênia entrou.
“Ainda está aqui, tia Dani? Pensei que ia sair cedo”
A mulher mais velha parou, tentando achar palavras para expressar-se. Sem querer, fora cair no meio de um drama, que no momento parecia até pior do que os seus. A sobrinha notou a hesitação e viu o bilhete sobre a mesa.
“Telefonaram pra você. Laura...”
Eugênia sentou-se e escondeu o rosto entre as mãos.
“Mestres do ar” (Masters of the air, 2024), a série recentemente exibida pela Apple, com a produção executiva de Steven Spielberg e Tom Hanks , foi produzida para ser vista como uma história de bravura. Da bravura sobre a vitória aliada na Europa invadida por Hitler e da bravura de homens diante de seus medos.
A história do esquadrão da aeronáutica norte-americana, que por volta dos dois últimos anos da Segunda Guerra Mundial luta contra as forças alemãs, é sobre a relação entre amigos, companheiros e combatentes que, muito jovens, buscam se desviar dos flaks (artilharia antiaérea) a cada missão e, ao mesmo tempo, empenham forças para causar, com suas bombas, danos nas cidades inimigas.
Isso, sem dúvida, é o momento de ação mais bem realizado da série e traz um impressionante realismo que confere, aos efeitos especiais e filmagens em locações, um status notável nas produções sobre guerras.
As imagens não parecem cenas baratas de videogame, elas parecem nos colocar dentro dos muitos momentos dos combates e da violência com que são travados.
Não costumo comentar sobre esses detalhes técnicos, mas poucas vezes vimos tanto cuidado com esse nível de produção, até mesmo em produções que tem nos efeitos especiais e na recriação de cenários seu fundo mais importante.
A isso se alia a condução dos capítulos, feitos para provocar êxtase, retrair e causar expectativa no espectador.
O sumiço, por dois episódios, de Gale Cleven ( Austin Butler ), um dos protagonistas, abatido em combate, e o surgimento de um personagem ainda mais interessante para preencher seu lugar, o Tenente Robert Rosenthal (Nate Mann), é uma estratégia muito perspicaz para renovar o roteiro.
Rosenthal é dos que representam a figura da bravura de maneira mais explícita. No “Centésimo Batalhão” do qual fazem parte, completar 25 missões dava ao comandante do bombardeiro o direito de voltar para casa.
Rosenthal as completa, mas se nega veementemente a deixar seu posto, ao saber que os termos foram mudados para os que ficaram. Os remanescentes teriam, agora, que completar 30 missões para voltarem para suas famílias.
“Rosie”, como é conhecido, exibe a mesma coragem que Gale e John Egan ( Callum Turner ), os dois personagens centrais que formam a principal amizade da série.
São eles que parecem viver mais intensamente aquele ambiente de muitas mortes, destruição, campos de prisioneiros, mas também de companheirismo e vitórias.
Os dois galãs encarnam grande parte da mitologia sobre a participação norte-americana na Guerra e, talvez, isso explique, também, o sucesso de público da série.
Quase sempre juntos, eles são respeitados por seus colegas e são os modelos a serem seguidos pelos novatos.
É verdade que a mensagem principal da série não é a política em si, mesmo que seja impossível dissociar esse mundo em chamas das decisões no teatro político da Guerra.
Os atores mais famosos (políticos, generais e burocratas), desse teatro desolado pelo conflito, não surgem, como costumamos ver em outras produções. O foco aqui é naqueles que ficaram menos evidentes nos livros de história.
Mas há momentos em que a realidade política mais explícita, que resultou em milhões de mortes, surge.
Ao serem capturados pelos alemães, os aviadores conhecem parte dos horrores, causados por eles, do outro lado, ao verem a destruição nas cidades germânicas.
Em uma das cenas como prisioneiros, os habitantes de uma das cidades gritam em direção a eles, “assassinos”, “aviadores assassinos!” e partem para cima dos militares, espancando e, com a ajuda dos nazis, matando quase todos. John Egan, um dos heróis, sobrevive.
Há também algum embate moral na produção, especialmente entre os personagens do tenente Harry Crosby (que narra grande parte da série, que, como se sabe, é baseada no livro de mesmo título, de Donald L. Miller) e Rosenthal que se questionam sobre seus atos. Mas isso é muito pouco na produção.
Talvez a cena política e humana mais representativa seja o conhecimento, por parte de Rosenthal, de um dos campos de concentração. Sua entrada no lugar e sua visão são, mesmo sem uma representação mais profunda e abrangente sobre o tema na série, impactantes.
Atordoado, em uma das paredes das celas dos prisioneiros, ele vê uma Menorá (um candelabro, símbolo do judaísmo). Algum sentido do que ocorrera ali parece se formar, definitivamente, em sua mente.
Em outro momento, os dois Buckys, Gale e Egan, como eles são conhecidos, tornam-se prisioneiros no mesmo campo. Em um estratagema, durante um deslocamento dos prisioneiros, Egan simula uma fuga, os soldados se distraem e Gale escapa com outros dois companheiros.
Durante a fuga, em uma momento de distração, um dos colegas sofre, pelas costas, um ataque com uma baioneta. Do ataque faz parte uma criança alemã que ameaça Gale com um revólver. O soldado toma sua arma e aponta furioso para a criança. O menino pede, “bitte!” (por favor!). Gale não atira. Ele precisa ser o belo e perfeito herói.
Na verdade, naquela altura dos acontecimentos, os soviéticos já haviam invadido Berlim e o fim do Reich era dado como certo. A arma utilizada pela criança nem munição mais tinha. Essa sequência, como tantas outras que já vimos sobre a Guerra, só demonstra a irracionalidade daquele momento.
Os aviadores do Centésimo Batalhão de Bombardeiros experimentaram essa realidade. Mas a mensagem que o episódio final, no qual eles jogam alimentos para um vila holandesa, quer deixar é de amizade, esperança e liberdade.
Pode parecer hollywoodiano demais, e é. Mas talvez a série lembre um cinema de outras épocas, de bravuras e esperanças de outras épocas.
E, talvez, seja o que explique sua aceitação pelo público. Homens desafiando o terror de outros homens e desafiando seus próprios medos.
A política é necessária.
Desde as cidades independentes que constituíam a Grécia antiga, até os dias de hoje, discutir, argumentar, definir, normatizar, definir e organizar o Estado, tem sido o papel fundamental, único e quase absoluto da Política.
Seculos, milênios de história nos dão conta da importância da Política no desenvolvimento da sociedade apesar de que sua prática, sempre ficou a mercê das variáveis mais sublimes e sórdidas, nas personalidades dos políticos.
Quando se percebe a habilidade em conduzir interesses pessoais por parte deles, avante das verdadeiras necessidades da sociedade, já é tarde...
Os mais impressionntes líderes tanto do passado como agora, constroem verdades, prometem mentiras, provocam delírios de entusiasmo e desilusão, quase que ao mesmo tempo.
Valores impalpáveis tais como, carisma, simpatia, manipulação, são escancarados em personalidades comprometidas com ambições sinistras. Poder, poder, mais poder, mascarado ou não de várias formas. Quando um grupo de políticos consegue estabilidade e organização, aquele mais destacado vai comandar um projeto pessoal de poder. Aí vale quase tudo.
Outros grupos se formam. Dissidências, outros carismáticos, novas promessas abordando aflições da sociedade são feitas alardeadas, gritadas a exaustão. Sempre mais do mesmo.
A afirmação da ideia de que cada politico representa, a seu modo, as vontades, desejos, aspirações e, principalmente, as necessidades dos seus representados não passa de diáfana prosa.
Democracia! Democracia!Democracia!
Então , um pouco de "pão " e muito "circo", vai mascarando uma Doutrina eivada de nobreza, pois a comida nunca chega para todos e o circo distrai sem distinção.
Políticos que apoiam ditaduras com discursos infames, repugnantes e covardes, são os piores. Usam suas capacidades verborrágicas para a ideia de "não opinar em assuntos estrangeiros", ou negar as diásporas que os horrendos ditadores provocam.
Defender o lixo político é fazer a má politica. Comprar votos usando sofismas e óbulos governamentais, doutrinar crianças e jovens, de forma sistemática, criando a fanatização em mentes ainda tenras é o que a politica tem de mal.
A crueldade, a barbaridade, a infâmia movida por sonhos de poder transforma a politica e seus ambientes num grande esgoto de esperanças.
Guerra: estupidez e desvario
A segunda grande guerra acabou por conta dos bombardeios maciços que destruíram as cidades da Europa A Alemanha foi devastada por bombardeios precisos e sistemáticos, que arrasaram tudo. Cidades repletas de civis apavorados e FAMINTOS, fabricas, usinas, etc. O louco que jogou o país no inferno matou-se e abriu o caminho para rendição. Assim foi com a Italia, e seu alucinado "duce", jogando a joia da Europa no lixo da destruição, miseria, fome, horror. A terceira perna do eixo, o Japão só parou sob o espanto da devastação de duas de suas cidades, repletas de civis, torrados pelas bombas atômicas. SEMPRE CIVIS FAMINTOS, HUMILHADOS, DESLOCADOS, DESABRIGADOS, pela estupidez, loucura, vaidade, prepotência, crueldade de indivíduos sempre abrigados em palacios, fortalezas, abrigos seguros, protegidos, longe da cena infernal das batalhas e escaramuças. No passado, o mundo não viu, em tempo real, o massacre de civis feito por terroristas nem a chuva de foguetes sobre cidades civis, que assistimos com horror e espanto. Nem viu os cogumelos atomicos, ou a chuva de bombas sobre cidades cheias de mulheres, crianças, velhos. Todos pagando a conta da loucura daqueles por eles escolhidos para conduzir seus destinos. É assim ,todos pagando a conta criada por assassinos desvairados. Crianças, mulheres, homens pacíficos ou incapazes de manejar um fuzil. A questão palestina não tem a lógica de uma guerra de domínio. O que Israel está combatendo é uma guerra de exterminio! A falange palestina tem como objetivo, mais do que o território de 1948 que não aceitaram . Seu objetivo é o extermínio do povo judeu! E ninguém diz nada! Ninguem cobrou renúncia dessa idéia registrada no manifesto palestino! Ninguém enxerga a dimensão dessa barbaridade, que transcende a existência de um territorio-estado, mas preconiza a destruição de outro e do seu povo Inteiro, com mulheres, crianças, velhos, moços, costumes, hábitos, cultura... O noticiário está deixando detalhes infames de lado.
Ele bateu o olho nela, o céu despencou. Aconteceu na festa dos calouros, o primeiro encontro dos estudantes no ano.
Falaram de vidas passadas — quem sabe os dois?... Lamentaram não terem se conhecido antes. Falaram de coisas que só os apaixonados falam. Ficaram numa ânsia grande, não dando notícia de nada acontecendo ao redor, o medo de se perderem um do outro. E o que não podia acontecer aconteceu, ela falando volto já, desaparecendo naquela noite, nos dias seguintes, meses. Conhecendo-se pouco, apenas os nomes, ele de Anápolis, ela de Diamantina, anúncio na rádio e tudo mais, tudo em vão. O tempo passou. Não é que no baile de formatura do cara, fim de festa, todo mundo indo embora, ele não aguentando de porre, ela, sem o frescor de antes, se encontram de novo no meio da pista de dança, o céu despencando mais uma vez, o tum-tum dos corações, o abraço demorado?
Ela chegou, tocou o meu braço. Em vez de me conduzir como todo mundo faz, segurou minha mão até a porta da frente do ônibus, me pôs na cadeira, rodou a roleta e em seguida se sentou do meu lado.
Falou que trabalhava até tarde, não disse com quê. Eu imaginava: loura, morena, negra, magra, alta... A voz doce, falava e pausava. A pausa diz muito. Na hora me lembrei de um locutor de rádio que dizia que o Tostão jogava sem bola.
Trabalhava todas as noites. Podia ser uma enfermeira, uma garçonete, uma professora, não quis perguntar. Contei do meu serviço de telefonista na fábrica de bebidas, onde passava o dia datilografando pedidos, e que os colegas de vez em quando aprontavam comigo escondendo minhas coisas. Ela riu quando disse que um dia um cara trocou a minha escova de dente com a de um motorista. Não me importava, molecagem eles faziam com todo mundo.
Senti a maciez da sua mão no meu braço quando sem graça desculpou-se pela pergunta que tinha feito, a de não sentir medo enquanto esperava o ônibus no escuro. Contei que, desde pequeno, mamãe só apagava a luz do meu quarto depois que via que eu dormia. Disse ainda que sentia a noite de diversas maneiras. — Uma mulher também — acrescentei. Não demorou me perguntou se eu a imaginava bonita. Me aproximei mais, senti sua respiração, toquei o seu rosto. Não tinha dúvida, foi a minha resposta.
Conversamos até ela descer.
No dia seguinte, na mesma hora, me pegou pela mão, aflito, demorou a se sentar do meu lado.
Morava com a mãe, chegava em casa de madrugada, quase não via o filho. Falou que não aguentava mais, queria ter uma rotina como todo mundo, chegar do trabalho no fim da tarde, botar uma bermuda e ver novela. Perguntou como era a minha vida, se sentia solidão, medo e outras coisas.
Foram dias assim. A minha alegria começava na hora em que nos assentávamos e eu tentava adivinhar como era o seu penteado, como se vestia. Se acertava, ganhava um afago.
Um dia não veio. Peguei o ônibus e procurei me concentrar no itinerário da volta pra casa. Os lugares por onde passava eu identificava pelo barulho, pelo cheiro e até pelo ar. Com algumas viagens e perguntas gravei a sequência: a umidade do vapor da lavanderia, a algazarra das crianças saindo da escola. Mais na frente, a pastelaria – um lanche, qualquer dia descia – e em seguida um longo trecho sem parada. Depois do semáforo o quartel e a cavalariça. A fábrica de tecidos com o ruído das máquinas, e o mais bonito, a alegria das meninas deixando o turno. Bares e bares. O presídio, um silêncio de entristecer, a igreja – a música! Mas o que mais me extasiava era a parada em frente à entrada do parque onde o ônibus permanecia por mais tempo. Num fim de tarde, um calor de ferver o asfalto, tinha chovido, o cheiro da vegetação invadiu o ônibus. Foi o meu pôr do sol. Espichei as pernas, abandonei o corpo e deitei a cabeça no encosto.
Por que ela não veio?
Entrei no quarto, liguei o rádio, só chieira.
A sopa, amarga.
– Nada não, mãe, muito serviço.
Se existe escuro, eu conheci naquela noite. Pesadelo, um atrás do outro, acordei com mamãe me entregando o telefone: — Já passou, o menino teve um febrão, amanhã tá bom, a gente se vê.
No dia seguinte, a boca perto da minha, precisava conversar. Deixamos o ônibus no ponto em que ela sempre descia.
Uma escada longa, vozes de mulheres. No quarto, me acomodou numa poltrona e perguntou se eu queria beber alguma coisa. Depois de algum tempo cantávamos as músicas do rádio. Riu muito quando pedi pra ela fazer strip tease.
Percorri o seu corpo com as mãos. Cada saliência me conduzia a mistérios e êxtases. Nunca tocara uma mulher daquele jeito. Cada parte, cada detalhe, tudo me pertencia?
No dia seguinte, a longa espera, ela não veio. O menino de novo, pensei. Já pra ir embora, outra mão, a de uma amiga, tocou o meu braço: — Ela não vem hoje. A polícia deu uma batida na casa onde trabalha, levou as mulheres, a mãe dela não sabe de nada também.
Eu me sentei no ônibus, baixei a cabeça e em vão tentei organizar o caminho de volta pra casa. As vozes dos bares se juntavam ao coro da igreja, os cavalos do quartel pisoteavam os canteiros do parque, as frituras da pastelaria e do vapor da lavanderia me confundiam.