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Segunda-feira,
2/3/2015
Os Choques de Ida
Guilherme Carvalhal
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O choque de identidades é o principal ponto de interesse em Ida, filme polonês de 2013 lançado pelo diretor Pawel Pawlikowsk, uma obra que ultrapassa o simples drama histórico e familiar proposto pelo seu enredo. Obra essa premiada na cerimônia do Oscar de 2015, que o contemplou com o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.
O começo da história mostra uma jovem prestes a ordenar como freira. Anna (Agata Trzebuchowska) está envolvida nas atividades do convento até que a madre superiora lhe dá uma ordem, a de visitar sua tia Wanda, a única parente dela da qual se tem notícia. Esse ponto representa o primeiro choque de identidade do filme, a saída da clausura, de um ambiente de disciplina e repetição para o anárquico mundo externo.
Anna segue para a casa de Wanda (Agata Kulesza), onde essa começa a comentar sobre sua vida passa. Anna descobre então que é de família judia e que seu nome verdadeiro é Ida. Além disso, seus pais morreram durante a ocupação nazista. Esse segundo choque é que dá a definição de toda a história: ela está em um convento católico e descobre ser de família judia, ela tinha um nome cristão e descobre ter um nome judeu; ela foi criada como órfã e descobre o paradeiro de uma família que desconhecia, e que representa o inverso de tudo que ela acreditava ser.
Ida se assemelha um pouco às histórias de jornada, em que se acompanha um herói em fase inicial até seu pleno desenvolvimento (como Harry Potter ou Luke Skywalker). A diferença é que a protagonista, ao invés de enfrentar vilões, embarca em uma espécie de viagem de autoconhecimento, em que à medida em que conhece o mundo vai colocando em cheque tudo aquilo que era antes, em um processo constante de antítese. Quanto mais ela descobre sobre o passado de sua família, mais ela revê seus valores e entende como no mundo de fora as regras são bem diferentes do que no claustro onde vivia.
Muitos personagens e situações participam dessa visão de contraponto. Tia Wanda é uma juíza que bebe e fuma muito, além de gostar de festas, em um estilo de vida plenamente contestado pela sobrinha. Em uma viagem conhecem o jovem Lis (Dawid Ogrodnik), um saxofonista que viaja para um concerto, que desde o primeiro momento desperta os interesses de Anna e a leva ao conflito pelo seu voto de castidade. Nos momentos em que descobre o verdadeiro fim de seus pais, é de se pensar se, no fundo de toda sua religião, uma resposta violenta não teria passado pela sua cabeça. E um dos principais momentos é sobre o enterro das ossadas desenterradas, querendo Anna que chamassem um padre e Wanda um rabino. O sinal da cruz feito pela aspirante a freira em um cemitério judaico é bastante simbólico.
Além desse enredo tão cativante e instigante, há dois aspectos que precisam ser ressaltados. Primeiramente é a brilhante fotografia, que rendeu uma indicação ao Oscar desse ano. Há muitos planos abertos valorizando paisagens e construções, até planos mais fechados nos rostos dos personagens, ressaltando a carga emocional e nos levando apenas pelo visual a compreender as aspirações de cada personagem. Em segundo lugar, a maneira como o roteiro foi desenvolvido. O que Pawlikowsk apresenta ao espectador é uma história minimalista, com pequenos detalhes ajudando na composição do todo. É um momento em que se acende um cigarro ou quando Anna dorme com os cabelos descobertos que se entende o geral. Assim, o filme envolve quem assiste e o leva a construir conjuntamente a história.
E por último, um aspecto que não é explorado profundamente, mas aparece, é o aspecto político, aqui expresso no regime comunista vigente na Polônia dos anos 1960. É um favor aqui, um maço de cigarros de melhor qualidade lá, que mostram a visão do diretor a respeito do regime. A questão do comunismo acaba sendo outro ponto de oposição entre Wanda e Anna, sendo a tia membro do corpo burocrático do partido.
Ida é um filme seco, porém muito bem desenvolvido dentro de toda sua simplicidade. O aspecto visual é belíssimo e sua capacidade afetiva é enorme. É uma pérola do cinema dos últimos anos, uma história de conflitos que é extremamente humana.
Confira o trailer aqui
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
2/3/2015 às 17h42
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