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Terça-feira,
3/3/2015
O clube do livro
João Luiz Peçanha Couto
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O livro atende pelo nome de Clube do livro. Só isso já me faria voltar os olhos para ele com mais atenção, como se sua capa reluzisse para mim de um modo diferente. Então, li o subtítulo: ser leitor - que diferença faz?
Foi amor à primeira vista.
A autora é a Luzia de Maria, doutora em Letras pela USP e atualmente professora da UFF. Minha conterrânea, essa niteroiense começou em 1982 um tal "clube do livro" com seus alunos de uma antiga escola pública de Niterói, o Liceu Nilo Peçanha (aliás, minhas irmãs, mais velhas que eu, estudaram no mesmo Liceu).
Batalha sem perdedores, entre amigos. Tratava-se, num lado do ringue, de uma professora apaixonada por leitura e livros e, do outro lado, de alunos sedentos de aprender de uma forma mais prazerosa do que naquelas preleções maçantes com regras gramaticais brotando feito coelhos pela boca do coitado do professor que fica lá na frente.
Também sou professor e já lecionei no Ensino Fundamental. Sei o quanto é chato para os alunos terem aulas apenas resumidas a aspectos gramaticais. Sempre disse a eles que um bom livro lido com atenção vale por uns três meses de aula careta, formal. Que a leitura te deixa mais capaz de ler - não só livros, mas o próprio mundo, como um texto. Em resumo, um bom leitor está apto a ser um bom interpretador do mundo, um sujeito crítico que terá menos chance, por exemplo, de ser engabelado por qualquer político.
O saber é porreta mesmo.
Mas voltando à Luzia de Maria e a seu livro delicioso: o objetivo do clube do livro era formar leitores. E a Luzia conseguiu. E conta isso, inclusive com direito a uma história que se passou com ela. Já conto. Vou buscar um café.
Imaginem. Prova de redação de vestibular. Na sala, a própria Luzia prestava a prova. Não vou dizer o ano para que ninguém faça a conta e tente descobrir a idade da moça. O tema da redação era baseado numa frase do Rui Barbosa: "A regra da igualdade não é senão quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam". Só uma aluna começou a escrever a redação. Os demais, pasmos, incapazes de entender aquela palavra, "quinhoar", estatelavam-se frente à página em branco. Até que um candidato mais corajoso perguntou ao fiscal da prova:
- Dava pra dizer o que é quinhoar?
Impasse.
Os professores que faziam as vezes de fiscais do vestibular conversam e, mantendo o impasse, resolveram ver onde poderiam encontrar um dicionário. Vexatório é pouco! Pura vergonha. Mas antes que o pai dos burros fosse buscado, aquela aluna, que já terminava o segundo parágrafo, levantou o dedo e sugeriu:
- Eu sei o que significa quinhoar. Posso falar?
Aliviados, os fiscais permitiram.
- Quinhoar é repartir, partilhar, premiar, recompensar...
E destilou mais um sem-número de significados para o verbo.
A candidata sabida era a Luzia, a autora.
Moral da história? Deixa disso, histórias com moral são sempre chatíssimas. Mas há uma conclusão.
Ela sabia o significado de quinhoar, sim, mas não porque era uma rata de dicionários. Sabia porque era uma leitora atenta e contumaz (de acordo com o Aurélio, "contumaz" é teimoso, obstinado, cabeçudo). Quando estamos lendo e nos deparamos pela primeira vez com uma palavra que não está no nosso vocabulário, tentamos adivinhar seu significado pelo contexto. Na segunda vez que a lemos, a coisa já corre mais tranquila. Na terceira, a palavra já foi incorporada ao nosso memorial vocabular (gostou?).
Foi assim.
A historinha serviu só para dar água na boca e acender a vontade de quem possa ler isto (os cinco leitores, se tanto, de que Machado falava). O livro é excelente, indispensável para quem ama livros, é doido por literatura, é professor ou se interessa pelo assunto.
Acima de tudo, o livro é porreta porque trata de uma coisa que sempre chamou a atenção do homem: a paixão. No caso, não a paixão amorosa e romântica, mas a paixão pelos livros, pela literatura, e pelo encantamento daí resultante. Pelos universos em que ela nos permite adentrar, pelas experiências que adquirimos quando no exercício da leitura. Pelo prazer de estarmos lendo o mundo, de termos a oportunidade de lermos mundos diferentes do nosso.
Postado por João Luiz Peçanha Couto
Em
3/3/2015 à 00h01
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