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Sexta-feira,
13/3/2015
Dia do Vendedor de Livros
onivaldo carlos de paiva
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A morte das Enciclopédias. 14 de março é o Dia do Vendedor de Livros (E nosso editor, o Julio Daio Borges, é um deles).
Já fui vendedor de livros, in illo tempore, (em época muito remota), e foi um tempo de poucas vendas, mas de muitas e divertidas aventuras, até heroicas. Porém, é longo relato que não cabe aqui, e um dia há de sair em livro ("Tico, Jerônimo e o Poeta"), se eu o tirar da gaveta.
Mas não resisto em contar daquela vez em que o grandalhão Jerônimo, que eu, imberbe ainda, contratara para ser o motorista de nossa Kombi, e mais que motorista se tornou vendedor bom de lábia, já que o Tico que deveria ser o vendedor se revelou imprestável para a tarefa, e o carregamos pelo Brasil afora nos servindo apenas como mascote. Então, como eu ia contando, o grandalhão Jerônimo tentou vender umas coleções para um bispo lá nos confins do Maranhão. Tentou, não conseguiu, e voltou ao hotel onde eu estava à sombra da bela filha do dono do hotel, declamando-lhe languidamente uns versos, e me intimou:
"Poeta, só você pra dar jeito naquele bispo! Acho que ele é comunista ou ateu! Gastei mais de uma hora com o danado e nem a Bíblia Sagrada ele comprou!"
Deixei a donzela lendo um poema meu com ar de enfado, e fui lá. O bispo não era ateu, mas tinha uns laivos de comunista, no entanto, mais do que isto, era um filósofo. Eu tinha umas leituras superficiais de uns filósofos, havia lido o Schopenhauer aos treze anos, embora sem nada entender, mas ficara impressionado. Resumindo: o bispo comprou a tal Bíblia Sagrada, a coleção "História Universal" do H. G. Wells, os doze (ou onze?) volumes da "História da Civilização" do Will Durant, os cinco volumes sobre Filosofia do Bertrand Russel, e, pra meu espanto, toda a coleção de livros do Jorge Amado. Saí do bispado à noite, depois de tomar umas taças de vinho do padre, e falarmos sobre Voltaire e Pascal. Lembro-me quando o bispo, levantando-se de sua augusta cadeira, andou pra lá e pra cá dentro de sua também augusta biblioteca, o rosto vermelho por causa do vinho e os olhos chispantes de indignação, vituperando contra o bigodudo apóstata Nietzsche. E, a cada argumentação do bispo, mais me parecia que, ao invés de querer queimá-lo em fogueiras, mais o exaltava. Saí de lá com o bolso cheio de dinheiro (in illo tempore não se usava cartões de crédito). Fizemos, logo depois, eu, o Tico e o Jerônimo uma inesquecível farra sobre um tablado à beira do rio Tocantins. Houve uma maranhense que tentou me ensinar danças típicas, mas concluiu que na vertical eu não era bom de ritmo. Mais tarde, me aprovou na horizontal. Saímos do Maranhão e voltamos para Goyaz, isto antes de criarem o tal de Estado do Tocantins. Chegamos a Gurupi e já não tínhamos dinheiro para comprar um sanduíche de mortadela! Era mês de julho, ao chegarmos à cidade, vimos uma escola estadual. Era o que procurávamos: as professorinhas de salário magro, mas potenciais compradoras de livros. As lindas preparavam uma festa junina, penduravam bandeirinhas nuns cordões. Não compraram livros, mas nos convidaram para a festa e nos informaram de um advogado que gostava de comprar livros. Vendemos pra ele e, à noite, fomos pra tal festa agora com dinheiro suficiente para arrematar até frango ou lombo assado e... Mas isto há de aparecer no livro, pois o assunto aqui é, ou deveria ser, sobre A morte das Enciclopédias. Vamos às Enciclopédias.
Acredito que, para o Conhecimento (assim com maiúsculo), o serviço que o Google presta [e não me importa que seja uma empresa que busca o lucro legitimamente] é inestimável. Todavia, os buscadores mataram as enciclopédias. Reputo que os buscadores, como o Google, sejam talvez uma das grandes sacadas dos últimos cem anos, e que causaram impacto na área do conhecimento, modificando, ou melhor, revolucionando, toda forma de pesquisa. Basta digitar um nome ou um assunto e mandar procurar que, em um segundo, vem um milhão de resultados. Há, no entanto, que selecionar aquele enxame de informações para que o consulente não se perca no lodaçal das informações inúteis. Existe vantagem: a rapidez. Porém só aparente, pois há que gastar tempo e garimpar entre milhares de respostas que o buscador nos traz. E pode-se cair no risco de passar por cima das informações mais relevantes e usar as não fidedignas.
Essa modernidade, essa facilidade, quem sabe falsa, tornou nosso olhar apressado e superficial e a mente não se aprofunda, não elabora, não guarda. Tudo fica na superfície nesses tempos do "zap-zap".
As pesquisas nas enciclopédias, antigamente, eram mais demoradas, mais difíceis, quiçá mais profundas, e com certeza, mais duráveis nas mentes de quem se ocupava em fazê-las.
Houve, ou há, um projeto do Google de digitalizar os livros de todas as bibliotecas. Tal iniciativa parece-me (e não irei agora "guglar" pra pesquisar) foi abortada por problemas legais quanto aos direitos autorais. Há ocasiões em que os legítimos direitos de uma pessoa ou de um grupo (obs.: é uma tendência eu querer sempre os meus direitos protegidos) ao serem, por força da lei, resguardados, podem prejudicar imensa maioria. Isto faz parte da ética do convívio social, pois que o meu direito e a minha liberdade cessam quando batem de encontro com a sua. Como dizia São Paulo, o Apóstolo, "Tudo posso naquilo que me convém... (agora me esqueci do resto da citação e não vou perguntar pro Google, perguntem vocês, se quiserem)
Ah, sim, falemos da morte das Enciclopédias. Quantos dos mais antigos não sentem saudade daquelas consultas naqueles volumes pesadões, de papel couchê? Hoje temos o mundo a um clique. Antes tínhamos que olhar o Índice, procurar verbetes, ler, sublinhar. E com isto nosso cérebro ia absorvendo conhecimento. Hoje, basta copiar e colar - o que se tornou hábito de estudantes — porém este tipo de trabalho [ou esperteza?] não propicia entrar e perdurar na mente do estudante, deixando-a impermeável aos conhecimentos que podem ampliar a sua visão do mundo. Então, há jovens com QI mais de duzentos e tantos que mal conseguem balbuciar uma frase com começo, meio e fim entendível (Nada a ver com a chefa do executivo). Atualmente, quanta informação cabe num PENDRIVE?!!! Toda a minha biblioteca [mais de seis mil volumes]. Então, sou eu, este ser distraído, que pensa dez coisas ao mesmo tempo e não conclui ou não se fixa em nenhuma, menos capaz ou menos culto do que este minúsculo produto da tecnologia? Acho que sim.
Mas, e A morte das Enciclopédias, que com tantos foguetes e presunção anunciou lá em cima? Pra num prolongar demais fica pra outra hora, talqualmente as histórias do Tico, do Jerônimo e do Poeta.
Postado por onivaldo carlos de paiva
Em
13/3/2015 às 23h03
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