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Segunda-feira,
16/3/2015
O Rei de Havana
Guilherme Carvalhal
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Cuba é o país das Américas que mais desperta interesses e dúvidas na atualidade, com uma multiplicidade de facetas existentes após um racha (amado por uns, odiado por outros) na lógica política reinante nas Américas. Essa multiplicidade de facetas pode ser percebido em muitos pontos que constituíam a percepção da ilha por nós.
Nas escolas, aprende-se o básico, como a Guerrilha em Sierra Maestra, Che Guevara e sua condecoração por Jânio Quadros, a crise dos mísseis. Nos noticiários vemos uma figura de Fidel Castro já cansada e que trocou a farda pelo casaco da Adidas, juntamente ao retorno de relações com os Estados Unidos que mexeu nas concepções acerca do regime comunista.
Na música, Win Wenders brindou o mundo com o sensacional documentário sobre o Buena Vista Social Club e também tem destaque o Orishas e sua perfeita fusão de hip hop com a música caribenha. Yoani Sánchez pôs um dedo na ferida ao apresentar os problemas de seu país e Michael Moore tentou mostrar um sistema de saúde perfeito no país em seu documentários Sicko (refletido para nós brasileiros pela vinda de médicos cubanos para atuarem aqui).
Uma percepção a respeito da sociedade cubana é apresentada no livro O Rei de Havana, do escritor Pedro Juan Gutiérrez, que vai contra qualquer tentativa de se enaltecer o regime comunista no país. O cenário apresentado é o universo da pobreza e das desigualdades de um país onde há excessos de proibições e que acaba corroído por toda tentativa de burlá-las.
O personagem principal chama-se Reynaldo, ou apenas Rey, que se autointitula o Rey de Havana. Após acidentalmente matar a mãe ao dar-lhe um empurrão e atravessá-la em um vergalhão na parede, o rapaz é levado a um reformatório onde desenha tatuagens para os presos e coloca duas pérolas na glande, o que sempre chama a atenção de todas as mulheres com quem se deita. Fugindo das grades, ele percorre por Havana em busca de se esconder da polícia e, mais ainda, tentando sobreviver em meio à pobreza e à violência.
Nessa jornada pelo submundo (ou seria o mundo cubano propriamente dito?) ele encontra-se com todo tipo de personagem. A principal delas é Magda, uma vendedora de amendoins que mora em um prédio em pedaços e também se prostitui. Seu jeito sujo e que raramente vê um banho atrai Rey, e ela se apaixona por ele, movida por uma espécie de necessidade de protegê-lo, pelo próprio fato do personagem principal ser um adolescente e ela um pouco mais velha.
Apesar da relação duradoura, Rey vem e vai por muitos cantos, sempre precisando conseguir dinheiro para manter-se por alguns dias. Assim ele se envolve com um travesti, tenta distribuir drogas, trabalha de estivador, vai morar com uma cigana que prevê o futuro e chega rodear a região onde residem os turistas. Tudo isso em uma estrutura de texto ágil e com altas doses de sexo, lembrando o estilo de Henry Miller.
A estrutura narrativa da obra é interessante, sendo uma sequência ininterrupta de fatos ocorrendo, pareando um pouco com o absurdo pela sucessão de situações inusitadas (mas, afinal de contas, isso é literatura). O problema é que em muitos aspectos o livro parece ser uma colagem de fatos e não tanto uma obra criativa. As sequências tentam mostrar muito da marginalidade. Então muitos dos personagens são figuras comuns de narrativas do gênero, como o malandro, o traficante, a prostituta, etc. Além disso, muitos dos momentos do livro soam como banais, como se tudo se repetisse para voltar ao estado inicial. Assim, a leitura acaba se tornando previsível.
O mérito do autor é expor uma realidade tão simbólica para quem enxerga de fora. Lido mais fora do seu país do que dentro dele, Pedro Juan Gutiérrez não tem o nível político de Yoani Sánchez, mas seus escritos fazem parte do desencanto de um sonho político que nunca se mostrou de fato positivo.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
16/3/2015 às 18h48
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