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Sábado,
25/4/2015
Carta a Pessoa
Mariana Portela
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São Paulo, 25 de abril de 2014
Meu querido,
Escrevo-te para comunicar a morte de minha poesia. Ela me abandonou, sem deixar um bilhete, um cheiro de passado, uma súplica de retorno. Foi-se, simplesmente. E, em minha podridão de corpo, não há mais nada que posso doar ao universo.
Podes pensar que estou a fazer drama — tão típico de minha personalidade — e que a poesia foi apenas beber uns copos, ao pé do beco do Vigário. Ou que está farta das minhas platitudes e buscou uma morada que trouxesse algum conforto para si, nesses dias.
Minha poesia está morta.
Já não sei como suportar o despertador, a mediocridade burocrática do mundo corporativo, o vazio dos meus dizeres. Nem as saudades dela, que me emudecem e me impedem de dormir, são capazes de encomendar palavras para o discurso que necessito preparar ao funeral.
Fui acometida da pior infertilidade que há no universo: um útero incapaz de sonhar.
Tenho chorado em demasia, na tentativa — inútil — de evocar o mar salgado. Queria, como em tempos de glória, traduzir as angústias em naus. Mas não há destinos quando te perdes do teu porto.
E onde estão os azuis do firmamento, se Lisboa habita o antigamente?
Vais dizer-me, querido, que meu comportamento de amortecer as emoções não favorece a chegada de uma nova primavera para aqui estar. Eu sei. Achas que não, és tão ingénuo!
Sempre pensas a mim como alguém linear. Entretanto, para que eu possa fazer algum sentido, deves deitar fora a lógica e embrulhar-me nos avessos do raciocínio. Pois ali sempre estou.
Ajuda-me a reatar com os versos? Mesmo os insones, os trôpegos, os tresloucados. Não me importa que venham nus, embriagados, delirantes. Em sonhos, em meditações, borras de café. Cinzeiros cheios, parto de manhãs, noites de letargia.
Minha poesia está morta, meu querido.
Eu sepultarei todos os adeuses, antes da tua chegada.
Diga a mim que virás, sem telegramas.
Espero-te, todos os dias, com os olhos fartos dessa realidade estúpida.
Liberta-me da tirania, com o teu próprio sangue.
Imprime em mim, novamente, estas flores escarlates que encolhem os oceanos.
Teu perfume anuncia a mansuetude.
E eu sou o último abrigo das renitências.
Eternamente tua.
Mariana
Postado por Mariana Portela
Em
25/4/2015 às 14h57
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