BLOGS
>>> Posts
Sexta-feira,
1/5/2015
Sobre futebol e modernidade
Guilherme Carvalhal
+ de 1700 Acessos

Em uma postagem em seu blog Todo Prosa sobre o falecimento de Ariano Suassuna, o escritor e jornalista Sérgio Rodrigues comentou suas diferenças com o autor de O Romance d'A Pedra do Reino. Rodrigues se colocou como nascido em uma geração globalizada, já com todo um contato com tecnologias da informação, o que o afastava do nacionalismo de Suassuna, esse em uma realidade em que as tradições locais falavam mais alto.
Esse pensamento de cultura globalizada e do choque de gerações provocado pelos mesmo é um ponto-chave para a leitura de O Drible, livro de Rodrigues que tem como enfoque a relação entre pai e filho fortemente baseada pelo futebol. As diferenças entre os personagens Murilo Filho e Murilo Neto, cada um de uma geração diferente, são o pilar para um drama que é, ao mesmo tempo, uma homenagem à paixão nacional.
No enredo, Murilo Filho é jornalista dos tempos românticos do jornalismo brasileiro, uma figura à semelhança de Nelson Rodrigues, apaixonado pelo futebol e também pelas letras. Machista, beberrão, grosso, ele vê no sue filho o contraponto às suas próprias convicções. Murilo Neto não tem o mesmo amor do pai pelo futebol e cresceu em um mundo globalizado. As referências à música e aos programas de TV são constantes, mostrando o choque do pai ao ver o filho escutando Rick Wakeman e com gostos mais globalizados. A juventude de Murilo Filho nos anos 80 mostra seu aspecto cultural em conflito: é um mundo onde o rock predomina, onde não há mais espaço para o romantismo e para utopias, onde o pragmatismo reina supremo. Pai e filho em dimensões fortemente opostas. Referências a séries como Perdidos no Espaço e Topo Gigio são constantes, construindo também um retrato do Brasil de algumas décadas atrás.
As principais mostras desse distanciamento são as falas de Murilo Filho a Murilo Neto sobre futebol, momento resgatado quando o pai é diagnosticado com doença terminal. O velho assiste gravações de partidas e tenta repassar ao filho a mesma paixão com que analisa os lances. O jovem, ao contrário das expectativas do pai, passa praticamente batido pelas suas explicações esportivas. E esse afastamento se dá em todas as perspectivas, evidenciando que não há de fato um vínculo familiar entre os dois.
Um dos pontos altos de O Drible são as referências ao futebol, que balizam todo o fio narrativo e aparecem constantemente nos trechos dedicados a Murilo Filho. Da Copa do Mundo ao futebol de várzea, toda a mágica que envolve o brasileiro entre as quatro linhas está aqui. A trajetória do craque Peralvo nesse ponto é importantíssimo: é o terceiro personagem da história, existente nas lembranças de Murilo Filho, e que quebra a narrativa do drama familiar para repercutir o futebol em si. Saído da minúscula Merequendu no interior de Minas Gerais para tentar a carreira como jogador profissional no Rio de Janeiro, quase superou Pelé, em um dos momentos mais marcantes desse livro.
O estilo de escrita de Sérgio Rodrigues é singular. Há constantes mudanças de vozes na narração, variando entre a primeira e a terceira pessoa, focando em Murilo Filho, Murilo Neto ou em Peralvo. A aula de história sobre o cotidiano perpassa três épocas distintas (1950, 1980 e os tempos presentes) em uma constância de detalhes que aproxima o leitor dessas realidades. E sem contar no estilo agradável de escrita do autor, que capta a tenção do leitor.
O Drible é um sinal de um novo viés da literatura contemporânea do Brasil. Se os clássicos da literatura nacional aos quais os leitores se acostumam fazem referências a um país do passado, as vozes mais novas buscam justamente esse novo panorama, globalizado e de uma cultura interligada com a de outros países. Se uma das principais referências de Rodrigues no livro é a série Túnel do Tempo, pode-se dizer que seu livro é uma viagem entre o Brasil de hoje em dia com o do passado, em um choque de conflitos no qual o futebol permanece como a maior das paixões.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
1/5/2015 às 14h18
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|