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Sábado,
2/5/2015
Sobre ruivos e formigas
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Graziela pintou os cabelos, ficou ruiva e detestou. Insatisfeita, quer retornar aos antigos castanhos. Por mim ficaria assim um bom tempo, bendita menina dos cabelos longos que ficam belos em qualquer cor. Gosto quando ela passa deixando aquele vermelho espalhado no ar e me trazendo recordações. Certa vez, a minha classe no colégio Osvaldo Cruz recebeu dois novos alunos. Era mês de maio e o frio começava a chegar. O casal de irmãos entrou na sala timidamente, cada um sentou-se num canto. Vestiam casacos leves e usavam capuz, deixando no ar fagulhas de mistérios. Só no quarto dia revelaram o segredo: ambos eram ruivos. Diante do assombro de todos, fui o primeiro a dar-lhes a mão, não representavam para mim nenhuma espécie de perigo, embora o fascínio daqueles fios vermelhos atiçando o vento. Foi fácil fazer amizade com o menino. Renato adorava formigas, tinha o costume estranho de segui-las pelos gramados, queria saber onde daria o caminho e ficava contente quando se via diante do fim da trilha. Seu rosto sardento se abria num sorriso enquanto apontava aos gritos o formigueiro. Sem perceber, acabei adquirindo o mesmo costume. Até hoje, quando vejo uma trilha de formigas, sinto vontade de segui-las até encontrar o formigueiro. Com custos me contenho, armado no medo bobo de me tornar aos olhos dos outros um adulto tolo que segue formigas. A irmã do Renato foi a primeira garota a espalhar em meu peito as chamas da paixão, aquela pequena pontada no peito cada vez que nossos olhos se cruzavam. E banhado na ilusão, sonhava com castelos intransponíveis, no alto do penhasco, de onde uma princesa ruiva escondia toda a riqueza que eu, um amarrotado plebeu, poderia sonhar. Roberta era linda e sabia disso. Impunha o respeito misturado com admiração e nós, ingênuos garotos, medíamos cada palavra quando era preciso falar com ela. "cabelos ruivos hipnotizam" disse uma professora com o olhar severo, incomodada com tanta idolatria que devotávamos à menina dos cabelos de fogo. Com o passar do tempo, aqueles novos amigos, encantaram a todos.
Um dia fui até a casa deles fazer o trabalho de ciências. A mãe me recebeu com total cordialidade e carinho, fez bolo de fubá, café com leite, contou histórias da outra cidade na qual moravam. Tinha o riso fácil e uma covinha na bochecha que saltava cada vez que sorria. Achei estranho seus cabelos negros que nada lembravam os dos filhos. Lá pelas seis da tarde, o pai dos meus amigos surgiu na porta de entrada e o mistério se desvendou: Era um senhor enorme, bastante gordo, devia ter a idade que tenho hoje. Do semblante de olhos enormes, se destacavam os cabelos encaracolados e completamente ruivos. Usava bigodes e barba no queixo, tudo vermelho, se transformando numa espécie de ser de outro planeta. Mal se sentou no sofá e já foi acendendo um cigarro e todos saímos de perto dele.
No final daquele ano meus amigos foram embora para outra cidade. Estavam acostumados, a profissão do pai os obrigava àquelas mudanças. Nunca mais tive notícias. Tentei encontrá-los no Facebook, mas não me recordo o sobrenome e então a tarefa se tornou impossível. Fico com eles guardados na lembrança e na esperança que tenham se dado bem, já fazendo minha tarefa de escritor, compondo caminhos, imaginando o fim dessa história: Roberta se casou e foi morar em outro país, tem três filhos, todos ruivos, vive bem ao lado do marido, mantém a faceirice de quando menina e ainda causa mistérios indesvendáveis nas cabeças de todos os homens que cruzam o seu caminho... e nem por um segundo se lembra de mim. Renato se transformou num homem enorme feito o pai, dá aulas de biologia numa faculdade e mantêm a doçura de criança. Mora numa casa de vasto quintal que dá de fundos a uma pequena mata. Diversas vezes é pego seguindo os caminhos das formigas.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
2/5/2015 às 11h23
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