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Quinta-feira,
7/5/2015
Crigor, o grilo
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Uma crônica do Rubem Braga, "A borboleta amarela", marcou a minha infância. Não foi por conta desse texto que resolvi me tornar escritor, isso só me ocorreu tempos depois, mas foi através dele que passei a prestar atenção aos bichos, me aproximar daqueles que de alguma forma me atraíam e, num rompante estranho, dar-lhes nome. Naquelas linhas, o mestre Rubem nos faz enxergar as cores e os borboleteio que o bicho fez ao atravessar o seu caminho, mas não lhe deu nome, foi para ele apenas uma borboleta amarela. A minha borboleta laranjada com bolinhas pretas morreu faz tempos, Inácia era frágil e não resistiu quando as flores murcharam. Outros tantos bichos vieram, alguns marcantes, como esse último, o grilo trovador. No meio da noite a cantoria começava, um pequeno estrilo no início, leve, que ia aumentando até se tornar insuportável. Tratei de dar-lhe um nome, já o considerando como conhecido, tipo aquele amigo que quando bebe se transforma num chato de galocha: Crigor, o grilo, o bicho que resolveu fazer de minha casa a sua morada e por aqui se aventurar em busca de companheira. Pelo menos foi isso que descobri ao pesquisar no Google: os grilos machos cantam para atrair a fêmea. Assim, Crigor zumbia com gosto sem se incomodar com a nossa presença, atravessando a noite, varando a madrugada, fazendo o sono desandar. O que no inicio foi motivo de risos, logo se transformou num tormento. O som parecia vir do forro e danamos a cutucar o teto da casa em busca de silêncio. Ontem, com mais atenção, a Graziela percebeu que o som vinha do piso, e com a vista apurada, conseguiu encontrar Crigor entre os vãos do assoalho. Fiquei decepcionado. Era um bicho pequeno, um pouco maior que uma aranha caseira, escurinho e das antenas tortas, um tanto troncho, das pernas finas e compridas, eu que, amparado pela fortaleza do seu canto, o imaginava mais formoso que um louva-deus. Armei-me no chinelo a fim de restabelecer de vez o silêncio, mas a Graziela ponderou: "deixe o bichinho, ele só quer namorar", e o arrastou pela vassoura até a porta de saída. Ao me deitar, fiquei um tempão imaginando que ele se atreveria a avançar pelos vãos da porta e novamente perturbar o silêncio. Pensei também que a fêmea sentiria a falta do seu cantar, ou então, insensível, estivesse à espera de outro grilo que não fosse o meu amigo Crigor. Adormeci levemente e sonhei com o desencanto de um trovador desprezado. De repente acordei na madrugada, o sono havia ido embora, agora o silêncio me inquietava, ansioso para ouvir algo que me fizesse dormir. Fazendo esforço pra não acordar os outros aqui de casa, fui ao quintal pra ver se Crigor ainda estava por lá. Só consegui enxergar o vôo rasante de um morcego. Voltei desolado, por conta de algo tão pequeno, desses que acabam com o sono, aliviado depois, quando num breve cochilo o som inconfundível do estrilo de um grilo apaixonado se fez ouvir do fundo do quintal.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
7/5/2015 às 12h54
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