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Segunda-feira,
11/5/2015
Comunidade e sociedade
João Luiz Peçanha Couto
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Se a sociedade se constrói a partir de certas demandas homogeneizantes e da ideia de um vínculo comum de compartilhamento de uma identidade, a comunidade os nega.
A partir de Jean-Luc Nancy, a ideia de um comum desapareceu, e sua perda tramou-se como intrínseca ao conceito de comunidade. A ideia de sociedade, assim, faria prescindível a comunidade; a perda daquele comum tramaria a constituição da questão comunitária. Opostas, sociedade e comunidade: se uma caminha para a totalização, a segunda a desautoriza. Blanchot, partindo de recepção peculiar de George Bataille, retoma a questão comunitária em "A comunidade inconfessável", de 2013.
Se a sociedade se constitui na relação do mesmo com o mesmo - uma vez que se supõe o homogêneo como característico de seus expedientes -, a comunidade se compõe a partir do salto do mesmo para o outro. Não se trata de um movimento de partes que se direcionam para a composição de um todo, de um apaziguamento das franjas da subjetividade em nome de uma falsamente monolítica integridade, mas da afirmação de que a comunidade se constitui a partir daquilo que Bataille considera como "princípio de incompletude" ("principe d'incomplétude"): uma falta que não busca a alteridade para se completar numa síntese redentora, mas gera um movimento de choque, oposição, desafio, desconstituição e instabilidade a partir do qual afirma a incerteza de sua integridade.
O ser não busca ser reconhecido, mas contestado: ele vai, para existir, em direção ao outro que o contesta e por vezes o nega, a fim de que ele não comece a ser senão nessa privação que o torna consciente (está aí a razão de sua consciência) da impossibilidade de ser ele mesmo, de insistir como ipse, ou caso se queira, como indivíduo separado.
Dessa forma, a comunidade, aquela que busca, no extremo, sua desconstituição por conta de seu viés desestabilizante, afirma-se acima de tudo finita, uma vez se constituir na própria finitude dos seres que a compõem. Por isso, revela-se fraude a afirmativa de que a comunidade é composta por vivos: sua constituição e longevidade se constroem pela memória dos seus mortos e de suas ações, gloriosas ou não.
Tanto o fora se afasta daquela visada glorificante de transformação social quanto a comunidade se desirmana da tentativa unificante (e também glorificante) da constituição de um todo baseado num mesmo.
Seu poder, tanto quanto o do fora, está na insuficiência de seu trânsito no mundo; não busca por um fim ao confronto, mas pelo encontro com certo exagero de uma falta que, segundo Blanchot, "se aprofunda à medida que ele vá se preenchendo".
Postado por João Luiz Peçanha Couto
Em
11/5/2015 à 00h36
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