Certo domingo, quando assistia um curta-metragem na TV, me lembrei das choradeiras da Copa de 50. No filme, Antonio Fagundes vive um personagem que queria mudar o curso da história, impedindo o gol do Uruguai. E lá estavam na boca do povo as malquerenças dirigidas ao goleiro Barbosa: "Esse é o homem que fez o Brasil chorar". E aí, seus memórias-de-galinha, se esqueceram do montão de títulos que ele conquistou? Se esqueceram do Sul Americano de 1948? E de todos aqueles Campeonatos Cariocas?
Em se tratando de coisas do mundo, mesmo que meu time perca, eu gosto mesmo é da solidariedade. Daquela solidariedade que podia existir no esporte e na vida. Hábito diário, diante da dor. Diante da perda. Mas, junto a Fernando Pessoa, estou delirando: "Nunca conheci quem tivesse levado porrada". E todos são vencedores. Mas em se tratando de gente como a gente, sou Maracanã. Samba. Cordel. Festa Junina. Releio as crônicas do sempre inesquecível João Saldanha. E vivo procurando as do Tostão. E os ditos e escritos do saudoso Sócrates.
E sei que devemos tributo ao Barbosa. Ele estava lá no gol porque era dos bons. A bem dizer, era o melhor. Se não fosses o melhor, quem é que ia te escalar? Mas ele perdeu. Porque ninguém é o melhor pra sempre. Porque sentimos fome e sede. Porque adoecemos. Porque até o céu está sujeito a chuvas e trovoadas. E, daquela Copa, que até hoje é tão falada quanto as que ganhamos, o Barbosa deixou um legado inestimável: aquele friozinho na espinha, lembrando que somos humanos. E isso ninguém consegue aguentar. Mas é dádiva do Barbosa.
Eis que o Barbosa nos fez lembrar, e assinou em baixo, que podemos perder o jogo. O avião. A vida. E a grana. Taí o grande problema. Porque entre cifras e cifrões novesforazero, todo mundo se lembrou dos grandes contratos e da moeda que se move feito um polvo comendo o Universo. Então, Barbosa, sem querer, você mexeu nos brios do capital. Deu-lhe um chute no traseiro. Foi demais. Perder ninguém perdeu nada. Mas muita gente deixou de ganhar muito. Pois é, Barbosa, se os donos do poder não tivessem te crucificado, o povão, que na hora ficou triste, ia te abraçar. Até mesmo porque a turma da arquibancada está sempre perdendo.
Aí, Barbosa, quem não te perdoou foi o pessoal dos camarotes, os cartolas. Era 1950. E, após a vitória, posso imaginar a seleção uruguaia encomendando dezenas de automóveis conversíveis, lavadoras, liquidificadores, geladeiras e pinguins de porcelana. E outros tantos utensílios importados. Guerra é guerra. E a TV estava entrando na América Latina.
Nunca fui a estádio em dia de jogo. Assisto na tela. Mas adoro andar pela cidade. Da rua, faço meu mar. Do chão, minha barca. Sei todas as letras do Aldir Blanc. Meu sonho é fazer letra de samba. Se alguém aceitar a parceria, estou lá. Gosto também de Proust. De John Donne. Às vezes, vou ao Chá das Cinco. Mas, em matéria de poesia, igualmente tiro o chapéu pro mestre Azulão. E pro Cartola. "Queixo-me às rosas, mas que bobagem". Tão bonito quanto a lição do Barbosa.
Depois do curta-metragem que me levou à infância, me veio esse desabafo. Tenho várias camisetas indianas. Mas às vezes visto uma camisa listrada. E saio por aí. Mas o anel de Doutor não tiro não. Eu quero mesmo é dar o que falar. Adoro Dom Quixote. Bonito bonito é futebol-arte. Bonito bonito seria ver solidariedade no campo e na vida. Por isso não choro quando meu time perde. Por isso, meu tributo a Moacir Barbosa! Por isso, outra vez, me lembro do poeta: "Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?".
Sua bênção, meu padrinho Barbosa!
(Foto do goleiro disponível no Google)