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Sexta-feira,
22/5/2015
A Mãe - Máximo Gorki II
Expedito Aníbal de Castro
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Como sabemos, os revolucionários tinham uma séria restrição a Deus. Que Deus era esse que dava tudo a alguns e nada a quase todos? Portanto, são várias as passagens nas quais tal sentimento é expresso de maneira clara:
É preciso transformar Deus, purifica-lo ! Vestiram-no de mentiras e de calúnias, mutilaram-lhe o rosto para nos matarem a alma.
- Cristo não tinha vontade firme. "Afasta de mim esse cálice", dizia Ele. Reconhecia César. Deus não pode reconhecer o poder dum homem sobre os outros, é Ele que é todo o Poder. Ele não partilha a sua alma, Ele não diz: Isto é divino, aquilo é humano.... Mas Cristo admitia o comércio, admitia o casamento. E maldisse a figueira, o que é injusto; se era estéril, acaso era sua culpa? Se a alma não tem bons frutos, a culpa não é sua... Fui eu, acaso, que semeei nela o mal? Então !
Já a Mãe, fervorosa cristã ortodoxa, rezava sozinha em seu quarto, quando de preocupações maiores:
Depois de terem partido, fechou a porta e, ajoelhando-se no meio do quarto, pôs-se a rezar enquanto a chuva caía lá fora. Rezava sem pronunciar palavras. Unia num só pensamento todos os que Paulo tinha posto na sua vida. Via-os passar entre ela e as santas imagens, e eram todos tão simples, tão estranhamente próximos uns dos outros, e tão sozinhos !
A vida da Mãe foi mudando significativamente, à medida que as reuniões se sucediam. O filho foi preso por desconfiarem de que era ele que distribuía os panfletos revolucionários na fábrica. Havia premente necessidade de que alguém substituísse Paulo nessa tarefa, por dois motivos: primeiro, a necessidade mesma de que os operários continuassem sendo informados; segundo, se os panfletos parassem de ser distribuídos, ficaria provado que Paulo era seu distribuidor. Dois emissários procuraram a Mãe e esta aceitou a missão com resignação e, também, por ser ela uma pessoa insuspeita. A partir daí a Mãe passa a fazer parte do grupo, ficando responsável pela distribuição dos papéis. Procurou, também, aprender a ler, sozinha, com vergonha, escondendo seu analfabetismo.
André, um personagem que fica morando na casa da Mãe e que é quase como um irmão para Paulo, continua liderando as reuniões e recebendo a afeição de Pelágia. O trecho a seguir mostra como o grupo continuava após a prisão de Paulo:
A vida decorria rápida, com os seus dias de rostos variados, claros ou sombrios. Cada um trazia qualquer coisa de novo que já não inquietava a mãe. Cada vez mais frequentemente, vinham desconhecidos, à noite; conversavam com André a meia voz, com ar preocupado. Saiam mais tarde, a gola levantada, o chapéu caído sobre os olhos, sem ruído, no meio das trevas, para não despertarem a atenção. Sentia-se que cada um deles continha a sua excitação, que todos desejariam cantar e rir, mas que, sempre apressados, não tinham tempo para isso. Uns, irônicos e graves, outros alegres, cheios de força desbordantes da mocidade, outros ainda pensativos e calmos....todos tinham aos olhos da mãe qualquer coisa de obstinado, de segurança em si próprios. Embora cada um deles tivesse os seus traços singulares, todos se fundiam, para a mãe, num só rosto magro, animado por uma resolução calma, um rosto claro com olhos escuros, um olhar profundo, acariciante e severo, o olhar de Cristo a caminho de Emaús.
Gorki escreve soberbamente e torna-se gostoso lê-lo. Suas descrições são bastante adjetivadas, mas seus personagens são, na maioria das vezes, passivos, ou seja, seguem a Escola Naturalista. São os fatos que movem os personagens e não estes que produzem aqueles. Quando a mãe se tornou a distribuidora de panfletos, não foi ela que procurou tal encargo, mas este lhe foi praticamente imposto pelas circunstâncias e pela pressão dos emissários. Veremos, mais à frente, que Paulo portará a bandeira do movimento, no dia primeiro de maio. Não que ele o deseje, mas porque o papel de herói se impõe a ele. O amor, entre ele e uma colega revolucionária, é logo no início, descartado por Paulo, porque o movimento não permitia ter outros compromissos.
Com a saída de Paulo da prisão, a mãe desabrocha de alegria. Ela já entende o movimento e sente-se orgulhosa em fazer parte dele. Recebe com orgulhos os elogios do filho e dos companheiros deste.
A mãe pôs-se a rir. Com o coração cheio de uma doce euforia, sentia-se embriagada de felicidade, mas já um sentimento de avara prudência lhe fazia desejar ver de novo o filho dentro da calma que lhe era peculiar. Era felicidade demasiada para ela e queria que essa alegria, essa primeira grande alegria de sua vida, se fixasse para sempre no seu coração e aí ficasse, viva e forte, como tinha vindo. Temendo ver diminuir essa felicidade, apressava-se a escondê-la o mais depressa possível, tal como um passarinheiro que tivesse apanhado por acaso uma ave maravilhosa.
Chega a Primavera e, ao invés de termos uma descrição de alegria, de flocos de neve ainda caindo e enchendo de luz os dias, temos escuro, lama, sujo.
A Primavera aproximava-se, a neve fundia descobrindo as imundícies e as escórias que tinham dissimulado sob a sua brancura.. Cada dia, a lama se tornava agressivamente aparente, o bairro todo parecia vestido de sujos andrajos. Durante o dia, os tectos pingavam, as paredes cinzentas das casas fumegavam, e depois, ao crepúsculo, formavam-se por toda parte estalactites de gelo, dum branco sujo. O sol mostrava-se cada vez mais frequentemente. Indecisos, os regatos começavam a murmurar e corriam para o pântano.
Postado por Expedito Aníbal de Castro
Em
22/5/2015 às 16h19
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