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Domingo,
31/5/2015
Tijolos, Polônia e Comunismo
Guilherme Carvalhal
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A construção de mitos é uma das principais formas de controle ideológico político, principalmente em regimes autoritários e ditatoriais. Essa ferramenta intensificou-se durante o século XX devido ao desenvolvimento dos meios de comunicação em massa. A Alemanha nazista contou com o talento de Leni Riefenstahl, a cineasta que conseguiu dar exuberância visual ao regime de Hitler. No Brasil a seleção de 1970 serviu como fomentador de um eufemismo simpático ao governo militar. Sobra até para democracias, como as denúncias de controle ideológico subliminar expostas na pérola cinematográfica alternativa Zeitgeist.
O talento cinematográfico do diretor polonês Andrzej Wajda é voltado para as críticas ao regime comunista em seu país. E em sua obra O Homem de Mármore ele mostra justamente a formação de um mito popular, de bom uso para a sustentação do modelo político vigente.
O enredo de filme mostra Agnieszka, uma estudante de cinema que precisa realizar um trabalho em seu curso. Ela se interessa pela história de Mateusz Birkut, um herói nacional esquecido, cuja estátua feita em mármore (que dá nome ao filme) está guardada em um porão de velharias públicas.
Aos poucos Agnieszka vai juntando os pedaços da vida de Birkut. Ele era um pedreiro na década de 1950 de grande habilidade e seus talentos serviram ao regime comunista. Ele acreditava de fato no governo e que seu trabalho servia para oferecer casas à população, em uma dedicação infinita pelas suas atividades profissionais. Em comparação, ele se assemelha ao cavalo do livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, aquele que trabalha imensamente crente que poderia oferecer muito aos demais, quando na verdade era uma peça no tabuleiro do jogo dos governantes.
O ápice da conversão de Birkut em mito foi quando ele bateu o recorde da construção civil, levantando mais de 30 mil tijolos em uma única jornada de trabalho. Esse feito foi acompanhado pelo cineasta Jerzy Burski, que produz filmes oficiais do estado. O mesmo tratou de caprichar no trabalho, mostrando Birkut bem barbeado e sempre exigindo dele uma feição sorridente e vitoriosa. Daí em diante ele se torna um ícone nacional e exemplo a ser seguido.
O brilho da narrativa de Andrzej Wajda nesse filme é mostrá-lo de maneira fragmentada, não contando a trajetória de Birkut diretamente, mas pouco a pouco, através das pesquisas de Agnieszka. Sua busca por informação conta com diferentes fontes, desde a estátua no porão, os filmes oficiais já realizados e os testemunhos de pessoas que com ele conviveram. As idas no tempo (Agnieszka está em 1976 pesquisando uma história do começo da década de 1950) são bem delimitadas, seja na fotografia em preto e branco dos documentários antigos, seja no próprio visual, mostrando uma Polônia mais atrasada. A estátua de Birkut esquecida a um canto de velharias e o momento em que seu estandarte de herói é removido de local público traçam uma singela observação acerca do ser humano, do quanto seu valor se move pela utilidade e de como ele pode ser substituído e até mesmo ter seu passado esquecido e desvalorizado.
Esse filme tem continuidade em O Homem de Ferro (1981), no qual uma repórter chamada Winkel vai cobrir um princípio de greve no porto, encontrando-se com Agnieszka presa e com o filho de Birkut, Tomczyk (pai e filho interpretados pelo mesmo ator), onde se reconstrói o destino de Birkut, esse como um fantasma ao redor do rapaz O foco do filme também é o regime comunista do país, dessa vez apresentado através do contraste de uma greve. Fica a contradição da Polônia se colocar como um país regulado pelos trabalhadores e esses mesmos trabalhadores iniciarem um amplo protesto para derrubar o governo.
Se em O Homem de Mármore o foco de Wajda estava na construção do mito e no poderio do estado de esmagar o indivíduo, em O Homem de Ferro a dinâmica está na própria organização sindical contra o governo, uma alusão aos fatos históricos da Polônia, onde o Solidariedade teve papel fundamental na queda do comunismo. O Homem de Ferro recebeu a Palma de Ouro de 1981.
O cinema de Wajda é um cinema politizado e histórico, e isso com talento artístico de sobra para colocá-lo no rol dos maiores cineastas da história. Ele joga muita luz no entendimento da Guerra Fria, um tema que ainda é envolto em muitas incertezas e crenças sem embasamento.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
31/5/2015 às 06h59
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