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Domingo,
7/6/2015
Frazen e seus retratos da realidade
Guilherme Carvalhal
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O legado de boa parte da literatura mundial foi deixar à posteridade o registro do funcionamento de suas sociedades através da perspectiva do autor, senhor ou senhora de seu tempo. Grandes nome como Balzac e Jane Austen são referenciais, deixando não apenas uma obra artística, mas uma maneira de se enxergar o passado pelo viés da literatura.
Duas obras de Jonathan Franzen, As Correções e Liberdade, são exemplos contemporâneos de registros sociais que ao longo do tempo servirão para entender o funcionamento do Estados Unidos na virada entre o século XX e XXI. E como a cultura desse país, principalmente seus gostos em uma sociedade de consumo, serve de espelho para um entendimento geral do mundo ocidental nesse período, Frazen acaba retratando a cultura geral em muitos aspectos.
Os dois livros são calhamaços extremamente realistas, com doses altas de drama familiar e um fino senso irônico. O autor nessas obras apresenta uma ficção que serve de suporte para uma densa descrição social de seu país. O peso do realismo é imenso, com descrições excessivamente detalhadas de muitas minúcias.
As características comuns às duas obras são o adentrar em uma família e o expor de suas desventuras como eixo da história. Em As Correções, a história gira em torno da família Lambert. O patriarca encarna um velho turrão e ex-funcionário de uma companhia ferroviária que coloca um senso moral próprio acima do próprio bom senso. Ele e sua esposa Enid tem três filhos, Gary, Chip e Denise. Gary é o que se enquadra no american way of life, bem sucedido, casado, pai. Denise vive em meio a instabilidades em sua vida e Chip é sonhador, permeado pela ideia de conseguir que um roteiro escrito por ele seja transformado em filme.
Em Liberdade, o foco está na família Berglund, através do casal Walter e Patty, junto a seus dois filhos Joey e Jessica. Junta-se ao grupo a figura de Richard Katz, amigo do casal de juventude que acaba se tornando personagem central tanto pela sua personalidade singular quanto pelo envolvimento junto ao casal desde quando universitários.
Walter é um advogado cheio de sonhos envolvendo meio ambiente. Sua esposa é uma ex-jogadora de basquete, vítima de estupro durante a juventude e compensando suas frustrações pessoais na bebida. Katz é um ex-músico de punk que migrou para o country e consegue certo sucesso, sendo próximo do casal, e acaba se envolvendo com Patty, colocando abaixo as estruturas familiares.
As duas obras são bastante parecidas, mas em Liberdade as nuances individuais vem mais à tona do que em As Correções. A história de Walter, Patyy e Katz é construída desde a juventude, mostrando o desenho social e cultura dos Estados unidos ao longo do passar dos anos, mostrando a formação de todo o envolvimento dos três que culmina na fase adulta. Além disso, a literatura enquanto um retrato social é mais abrangente em Liberdade.
Isso não coloca demérito nenhum em As Correções, que facilmente algum outro leitor pode considerar superior a Liberdade. Frazen tem um estilo singular e conseguiu mantê-lo nas duas obras. Apenas pequenas sutilezas levam uma obra a ser melhor que a outra, sendo mais fácil listar suas semelhanças do que as suas diferenças.
A presença dos indivíduos diante da estrutura social de seu país é um ponto convergente. Todos vivem envolvidos com trabalho e com as questões financeiras do dia a dia, como os estudos, a construção da carreira ou a aposentadoria (tente lembrar-se dos livros em que essas agruras cotidianas sejam tão relevantes dentro da trama). O filho rebelde que viaja para outro país é algo presente nas duas obras: em As Correções, Chip viaja para a Lituânia e em Liberdade Joey viaja à Argentina em busca de peças de automóvel da época da Guerra Fria. Em ambos os casos, a busca pela estabilidade financeira sustenta as aventuras, diferente de um On The Road, em que a viagem tem mais valor simbólico do que pragmático.
A figura feminina também é destacada nas obras. Em Liberdade, Patty consegue abarcar muitos pontos da existência feminina, como estudos, trabalho, construção familiar, sonhos juvenis, sem contar todo o mergulhar de pensamentos e sentimentos que tornam o trabalho de Frazen singular. Igual modelo acontece em As Correções, como as relações de trabalho de Denise e as constantes perguntas sobre com quem ela estava saindo.
O que tende a diferenciar a narrativa de Frazen do puro descrever de cotidianos é a maneira como ele consegue se aprofundar em cada um de seus personagens. O autor insere singularidade extrema a cada um de seus personagens principais, enchendo-os dos pequenos detalhes que dão individualidade aos seres humanos. É uma dor nas costas, um filho pedindo churrasco, um problema no emprego, uma tatuagem no braço o que torna cada um único, mesmo sem maiores feitos, sendo simplesmente normais. E é esse um dos principais pontos da literatura atual, a de personagens comuns tendo seu cotidiano alçado ao nível de feitos dignos dos livros.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
7/6/2015 às 19h07
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