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Segunda-feira,
15/6/2015
O telefonema
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Final de sexta-feira, Avenida Fernando Correia da Costa, engarrafamento nas três pista. Um pequeno fio de suor escapa pela minha testa, apesar do ar condicionado ligado. A fila se movimenta no exato instante que o celular toca. Resolvo atender, pode ser um assunto importante:
- Alô?
- Ooooiiiii tio, tudo bem com o senhor?
- Oi, quem?
- O seu sobrinho querido, tio.
- Meu sobrinho?
- É tio. Quem é o seu sobrinho que mudou de cidade?
O transito atravanca novamente, resolvo prosseguir com a prosa.
- Rapaz, sinceramente, a sua voz não está ajudando e não me recordo de você.
- Ô tio, fala um nome ai, o senhor vai acabar acertando.
- Tá, mas dê outras pistas.
- Não, não. Já disse bastante, eu mudei de cidade. Agora diz o meu nome.
Coço o ouvido, penso desligar o celular, mas o trânsito está parado e aquela conversa ao menos estava servindo para me distrair.
- Ah, não vai me dizer que você é o Geraldo?
- Isso tio, eu mesmo, o Geraldo!
- Poxa Gegê, você tem a cara de pau de me ligar!
- Oi?
- Porra, cara, o seu pai, meu irmão, morreu de desgosto.
- Morreu...
- Claro que sim. Você sabe o tanto que ele era machista. Quando soube que você gostava de homens, o coitado se entregou à bebida e acabou se enforcando. Cena triste, seu pai lá, com a língua de fora, nossa mãe chorando. Você destruiu nossa família.
- Não, mas...
- Eu bem que avisei o meu irmão. Desde pequeno que você levava jeito de mulherzinha. Não gostava de jogar bola com os outros meninos, preferia brincar de cirandinha com as garotas. Eu avisei: precisamos levar esse menino a um puteiro, assim que ele crescer.
- Não tio, eu não sou gay.
- Não, você não é gay, você é bicha mesmo.
- Olha aqui meu senhor, a parada é outra, eu não sou esse tal de Gilberto.
- Geraldo.
- Isso, esse Geraldo ai...
- Gegê para os íntimos.
- Esse merda ai mesmo, eu sou muito macho, está entendendo, muito macho!
O sinal abre e os carros se movimentam. Preciso desligar o celular. Mas ainda encontro tempo para as últimas palavras.
- Escute aqui, malandro de merda! Avise para os seus chefes na cadeia que ninguém aqui fora é otário pra cair nessa peça de vocês.
- É isso mermo, nóis é do Comando.
- Eu sei, palhaço. No ano passado seqüestraram de mentirinha minha filha e minha mãe.
O sujeito desliga o telefone e estaciono no acostamento. Ligo para o meu sobrinho:
- Alô, Gegê!
- Oi tio. Tudo bem com o senhor?
- Tudo legal.
- E o papai? Faz dias que ele não me liga.
- Anda muito ocupado.
- Eu vou ai pra festa de virada do ano.
- Legal. Mas eu só liguei pra saber se está tudo bem contigo. É que um bandido ligou se fazendo passar por você.
- Ah, tio, esse truque deles é antigo.
- Eu sei. Mas mesmo assim dá um tremor nas pernas.
- É só não dar papo.
- Ah, eu conversei um bocado de tempo com ele. Falei que você era gay e ele...
- Tio, eu sou gay.
- Eu sei. Mas o sujeito não sabe e ficou enfezado.
- Tio, você não existe.
- Se ligar uma mulher bandida, eu vou contar que a sua irmã é sapatão.
- Mas a Rose não é gay.
- Eu sei, mas os bandidos não sabem e eu quero me divertir.
- Dá um beijo no pai, tio.
- Dou sim, assim que ele resolver sair da zona que se meteu.
- Beijo
- Outro.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
15/6/2015 às 09h39
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