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Segunda-feira,
15/6/2015
Pequeno ensaio sobre o medo
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Ontem acordei assustado. O vento soprava forte lá fora, parecia o uivo de um lobo. Talvez seja isso que fez o sonho, que antes era bom, se transformar em pesadelo. Quando eu era pequeno, tinha medo de lobisomem.
É que naqueles tempos as noites de lua cheia eram mais claras e os cachorros uivavam de madrugada como se fossem lobos. Para piorar a situação, revolvi ficar acordado até de madrugada de uma sexta-feira só pra ver na TV um filme de terror. E lá estava ele, o lobisomem. O interessante foi que não tive medo do bicho propriamente, mas de eu mesmo me transformar num lobisomem.
Sempre fui criativo para imaginar pesadelos, e sentia a dor da transformação, via o meu rosto esticando, dando lugar a uma fera insana, as garras escapando da boca, o uivo alucinante. São imagens que me acompanharam por um bom tempo, mas que partiram numa nuvem de poeira depois que cresci e aprendi a controlar os meus medos.
É que quando somos jovens, nos transformamos no herói de nós mesmos. E herói não pode ter medo, embora perceba que hoje as noites são mais escuras e nas ruas os cães se recolhem para fugir de perigos insondáveis escondidos nas esquinas. Tenho a nítida impressão que hoje a maldade aumentou, mas não demonstro meus receios, os deixo guardado num canto escuro da memória, restando apenas o medo de ter medo.
Quando ameaçam ressurgir, adormeço a ideia com um pensamento bom e vou enganando todo tipo de sentimento ruim. Mas o medo de ter medo permanece como aquela criança que brinca de esconde-esconde, a gente sabe onde está escondida, mas finge que não vê. Guardo ocultos vários medos: morrer, adoecer, sofrer.
Que aquele ditador da Coréia do Norte, ou algum outro lunático, aperte um botão e faça o mundo explodir em mil megatons, ou que o fanatismo religioso aumente aqui no Brasil na mesma proporção daquela que vemos em outros países. Tenho medo de viajar de avião, que eu não perceba o aumento da pressão arterial e que o Botafogo caia para a segunda divisão.
Não quero ter sede, fome ou depressão, quero sim, poder comer as comidas que adoro, mas que, por questões de saúde, tento evitar. Então luto contra meus olhares sinuosos na direção de lanchonetes, padarias e churrascarias. Certos atos humanos me incomodam também na forma de medo: preconceitos de todos os tipos, homofobia, racismo entre outros.
Diante do assombro que me causam, calidamente pergunto: desde quando o diferente passou a ser sinônimo de perigo? E tenho medo do dentista, de motocicleta e de alguns políticos. Mas antes que o leitor pense que sou um medroso enrustido, digo que não tenho medo da velhice, nem sinto culpa se meu rosto aos poucos vai murchando, não temo enfrentar as durezas da vida, embora me importe muito mais com a vida dos meus filhos do que com a minha. Enfim, meus medos são tantos, que confesso candidamente: sinto saudades dos tempos que o único medo que eu tinha era virar lobisomem.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
15/6/2015 às 09h42
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