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Quinta-feira,
18/6/2015
O enigma da família tradicional
Luís Fernando Amâncio
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Por Luís Fernando Amâncio
Sabe quando te convidam para aquela festa familiar e você, louco para não ir, fica filosofando sobre o que é, de fato, uma família? O deputado federal Anderson Ferreira, do Partido da República (PR) de Pernambuco, resolve (ou não) o seu dilema, com um conceito bem mastigado do que é família. Tal conceito está num projeto de lei de 2013 que institui o Estatuto da Família. A definição está no artigo 2º e é a seguinte: "define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher (o negrito é do deputado), por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". Definição bem menos complexa do que aquela construída metafisicamente por você para fugir do aniversário de cinco anos daquele seu primo peste de 4º grau, né?
Bom, cá entre nós, eu não tomaria o projeto do deputado Anderson como modelo. No artigo 3º, o texto dele mostra o quão desnecessária é o estatuto da família ao dizer que "é obrigação do Estado, da sociedade e do Poder Público em todos os níveis assegurar à entidade familiar a efetivação do direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania e à convivência comunitária". Porque a Constituição já garante todos esses direitos aos cidadãos brasileiros - organizados em entidades familiares ou não.
Ora, então qual a razão de propor uma lei instituindo um estatuto para assegurar direitos já assegurados por nossa carta magna? Bom, há aqueles que acreditam em ameaça fantasma, extraterrestre, intraterrestre, de sereias... e há aqueles que acreditam que há uma ditadura gayzista-feminazi-cristofóbica-esquedopata corrompendo os valores sagrados da família.
Na justificativa do projeto de lei, o deputado aponta "questões complexas" que estão afetando a família: epidemia de drogas, violência doméstica, gravidez na adolescência e "até mesmo a desconstrução do conceito de família, aspecto que aflige as famílias e repercute na dinâmica psicossocial do indivíduo". Para combater esses problemas, Anderson Ferreira propõe, dentre outras políticas públicas, a criação da disciplina escolar "Educação para a família".
Ele não entra em detalhes sobre o que seria o conteúdo desta atividade. Mas não é difícil imaginar algumas aulas de história, sociologia e filosofia serem sacrificadas da grade escolar para que as garotas aprendam a ser passivas e tementes à seus maridos e para, aos meninos, ser ensinado que os machos precisam ser justos, mas imponentes no âmbito familiar. Todos vestidos à moda dos anos 1940, para ficar mais bonito.
Supera minha capacidade racional compreender essa linha de causa/ consequência que liga famílias não tradicionais a epidemias de drogas ou a libido das adolescentes. Não vejo um garoto ter problemas psicossociais se ele for criado por duas mães e nenhum pai. Ele irá sobreviver sem uma figura masculina ensinando-o que pode urinar fora do vaso ou a distribuir "gracejos" às mulheres na rua, mesmo elas não pedindo a opinião deles sobre suas bundas. E acho que uma menina criada por dois homossexuais sobreviverá à primeira menstruação - eles podem chamar uma amiga do casal para falar com ela sobre o assunto, se estiverem desconfortáveis.
Definitivamente, eu devo ser um bocado burro. Pois para mim o conceito de família é algo muito simples: pessoas que se importam, que se preocupam umas com as outras, independente de elos de parentesco, gênero ou orientação sexual. Quando estamos crescendo, precisamos que haja uma voz mais experiente nos dizendo "leva um casaco". Não importa se quem disser isso for uma travesti. A mensagem é a mesma, o amor implícito na frase não vai mudar.
Mas sorte a do Brasil que, em minha ignorância, fico aqui escrevendo estes devaneios, só na tela do computador. Enquanto isso, um pessoal mais gabaritado aprova a redução da maioridade penal para solucionar nossa criminalidade e defendem nossas famílias rezando no Congresso contra a liberdade de expressão dos homossexuais na Parada Gay.
Postado por Luís Fernando Amâncio
Em
18/6/2015 às 22h58
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