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Sexta-feira,
26/6/2015
Por que ler contos de fadas?
Sonia Regina Rocha Rodrigues
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A infância é um período de alegria, brincadeiras e sonhos. Certo ? Por um lado, sim. Mas há um outro aspecto. A infância é também um longo período de sofrimento, frustrações e humilhações.
Que tal ter setenta centímetros de altura em um mundo onde os adultos parecem ter dez metros ? Sentir - se um anão entre gigantes ? Derrubar leite na toalha, migalhas no sofá, molho de tomate na roupa nova; sentir as calças molhadas porque não se foi suficientemente rápido para correr ao banheiro... e ouvir os inevitáveis : "Desastrado!", "Porco!", "Outra vez?", "Você só serve para dar trabalho!", "Eu já não te falei mais de mil vezes...", "Você não toma jeito, mesmo!".
Esta situação já é bastante constrangedora, mas às vezes existem outras complicações - irmãos mais bonitos ou que parecem perfeitos, e as dolorosas comparações: "Veja seu irmão. Por que você não faz como ele?", "Olha só como seu irmão é caprichoso", "Ele é tão corajoso, não chorou no dentista".
Deixemos de lado as situações dolorosas da vida - orfandade, pais alcoólatras ou espancadores. Fiquemos com a infância normal em lares estáveis, com filhos desejados e pais amorosos. Fazem parte da infância normal sentimentos perturbadores e terríveis, tanto que muitos adultos preferem esquecê - los ao crescer.
Por exemplo, o MEDO. A criança é um ser frágil que depende totalmente de outro para comer, abrigar - se, manter - se aquecida e limpa. Imaginemos por um instante. Não poder andar sozinho. Não poder comer sozinho. Pior - não conhecer o mundo e suas regras. É profundo e total o DESAMPARO da criança.
Quando a criança começa a falar e a pensar, depara - se com o problema mais doloroso da infância, que, mal resolvido, comprometerá todo a sua vida futura : a questão do valor pessoal. Como pode a criança afirmar - se em um mundo onde ela não conhece, não sabe e não compreende a maior parte das coisas? E onde lhe dizem o tempo inteiro : "isso não é assunto de criança", "isto você vai saber mais tarde", "quando você casar, passa", "quando você crescer eu explico". Frases que a criança traduz como : ninguém me leva a sério. É a REJEIÇÃO.
A criança faz progressos que são encarados sem muito entusiasmo pelos adultos, embora estas conquistas sejam obtidas através de muito trabalho - aprender a ler, aprender a andar, para citar as mais óbvias, exige imenso esforço e persistência por parte da criança, e, no entanto poucas vezes são recebidas com entusiasmo : "Que maravilha, meu filho!". Muitas conquistas importantes são ignoradas, deixando a criança com a impressão de que só uma pessoa muito boba poderia achar que fez alguma coisa de notável, afinal, todo mundo lê, anda, come sozinho e mantém - se limpo - todo mundo menos ela, a criança.
"Quando você crescer", para o pensamento infantil quer dizer nunca. A criança é toda agora.
Há, no entanto, um jeito de falar diretamente à alma da criança, dar - lhe consolo, esperança e, o mais importante, a fórmula para deixar de ser "bobo" e virar "rei". Adivinharam ? Sim, é o conto de fadas.
Típicas, por exemplo, são as histórias dos três irmãos, dos quais o mais novo é bobo, humilhado pelos irmãos, e sai pelo mundo abençoado pela mãe, sem dinheiro, e por ser bondoso com um animalzinho ou velhinho que encontra pelo caminho, é recompensado e descobre um segredo que o leva a um tesouro.
Estas histórias de aparência simples contém um complexo simbolismo que não é a intenção deste artigo desenvolver.
O que nos interessa aqui é encarar o desejo dos pais de protegerem a criança dos sentimentos maus e da violência, procurando para elas leituras neutras, sem emoções, ou, o que é pior, suavizando as histórias : "O Lobo Mau não comeu o porquinho, não, o porquinho fugiu"; "O caçador não matou o Lobo, só bateu no bumbum dele".
A emoção da criança é primitiva e selvagem, do tipo tudo ou nada. A criança ama ou odeia com todo o seu coração. Seu medo, simbolizado pelo Lobo Mau, só pode ser destruído pela morte. Sua imaturidade, simbolizada pelo porquinho que fez a casinha de palha, também. Só a morte pode acabar com o perigo que ameaça a criança : seu próprio medo, sua própria ignorância e outros sentimentos ruins, disfarçados de bichinhos. Nestas histórias, a morte não é violência; é o símbolo da transformação que torna a criança mais madura, mais sábia, mais corajosa. Deixe o seu filho gritar de alegria porque o Lobo Mau morreu. Isto não quer dizer que seu filho seja um nazista sanguinário em potencial. Quer dizer apenas que seu filho venceu o medo.
A seu modo mágico, os contos de fadas contam para a criança que ela traz em seu coração a chave da felicidade, é só acreditar em si e esperar pelo momento certo. Os contos de fadas também lhe dizem que ela não é a única a sofrer, lá está o pobre "Tolo" a ser humilhado pelos irmãos e desacreditado pelos pais - e a criança sente-se compreendida.
Se queremos trazer alegria à vida de nossos filhos, devemos começar por reconhecer a dor, a aceitá - la e a encará - la _ a dor profunda de ser desamparado, impotente e ignorante; o medo e a vergonha por sentir - se inferior . Então podemos começar a contar a nossos filhos como vencer a dor e encontrar o caminho da realização e da felicidade, um caminho longo e difícil que as histórias de fadas tornam atraente e encantador.
Vamos encher de sonhos a infância. Afinal, é como diz o ditado : "Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem".
Referência bibliográfica:
BETTELHEIM, Bruno - A Psicanálise dos Contos de Fadas , Ed. Paz e Terra
Revista Pediatria Moderna de agosto de 1996 - onde este texto foi publicado pela primeira vez.
A autora é médica pediatra e autora do livro O que você diz a seu filho? - programação neutrolinguística para pais e educadores - 1997
Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
Em
26/6/2015 às 17h52
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