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Sábado,
27/6/2015
A solidão de um sonho
Expedito Aníbal de Castro
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É claro que um sonho é sempre solitário se tomarmos a palavra ao pé da letra. Mas há SONHOS que se tornam comuns. O sonho de liberdade, de igualdade, de progresso, de democracia. E há sonhos que nem são tão grandiosos nem tão pequenos que não possam ser partilhados, divididos, de modo que essas poucas pessoas venham a lutar por aquele ideal.
Eu posso dizer que tive várias mães e todas muito boas para mim. Perdi minha mãe biológica aos três anos. Fui para a casa de minha Avó materna que não tinha muito saber mas tinha muita sabedoria. Ao lado dela estava uma tia que foi, na realidade aquela que implantou em mim tudo que se transformou no que sou.
Aos quatro anos eu já sabia ler e, talvez o fato de ver tanta gente admirada, colocou-me a idéia de que LER era ser o tal (hoje se diz O HOMEM). Assim, tudo que eu pegava, lia. Aos sete anos eu já tinha lido a coleção de Conan Doyle do Colégio. Aos treze eu já lera a coleção Delta Júnior completa, alguns livros que minha tia e meu padrinho me deram e que ainda possuo e mais dezenas, talvez centenas de livros de bolso FBI, que se tornara sucesso na época. Não falei sobre as revistas em quadrinhos que se amontoavam pelo meu quarto. Em 1969 vim morar em Fortaleza, com outra tia, que também foi e é uma mãe, e um tio. Vez por outra eu pedia a esse tio que, diga-se de passagem, sempre foi maravilhoso, um dinheirinho, pois Papai sempre foi pobre e não podia enviar uma mesada para mim. Meu tio, então, perguntava: É para comprar livros? Porque se for eu não dou. E é claro que isso era brincadeira. Apenas para mostrar minha obsessão.
Em novembro de 1972 passei no meu primeiro concurso público e fui chamado, junto com mais cinco colegas, para assumir em São Paulo. Nos hospedamos num hotelzinho que havia na Praça da Sé, vizinho ao pédio da Caixa Econômica. Meu primeiro ato? Comprei o primeiro volume da coleção OS PENSADORES, capa dura, azul escuro e da qual ainda tenho todos os volumes adquiridos.
Eu saíra noivo de Fortaleza e casei meses depois que cheguei a São Paulo. Eu trabalhava no jurídico da Caixa e sonhava ser advogado. Por motivos familiares pedi demissão da Caixa e fui morar em Salvador. Foi a pior loucura que fiz na vida, mas a gente às vezes faz dessas. Logo voltei para Fortaleza e passei no concurso do Banco Central. Comecei, também, a fazer Economia na UNIFOR. Comprava livros e livros e, às vezes, no intervalo do almoço eu ia para uma saleta abandonada ler. Foi aí que fiz meu primeiro trabalho publicado. Concurso do Banco do Nordeste do Brasil, fui contemplado com o segundo lugar e uma boa soma em dinheiro, com o tema: DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE: UMA META A ATINGIR
Em 1979 passei novamente em outro concurso da Caixa. Acho que era meu destino e agradeço a Deus por isso. Nesse ínterim (é assim que se diz, não é?) conclui o Curso de Economia e fui nomeado Gerente Geral em uma agência do interior. Agora o dinheiro sobrava um pouco e eu gastava um bom percentual com livros. Inicialmente, o sonho era só meu. Eu desejava ler, ler e ler. Depois eu comecei a pensar que meus filhos também poderiam vir a gostar de ler e tentei tornar o sonho comum. Quinzenalmente, enquanto eu morava no interior, visitava Papai que também gostava de ler. Eu via a biblioteca dele, tão pequena, que passei a levar livros, principalmente sobre a vida de Santos, para que ele tivesse sempre algo para ler. Quanta saudade sinto daquela época!
Foi no interior que produzi o segundo trabalho publicado. Por iniciativa do Jornal O POVO e da UnB, semanalmente era lançado um caderno com o título "Universidade Aberta" sobre vários assuntos e que abria um concurso para as melhores monografias sobre cada assunto abordado. Escrevi, então, QUAL A DIFERENÇA ENTRE MORAL E POLÍTICA PARA MAQUIAVEL? que logrou a segunda colocação e um prêmio em dinheiro.
Voltei como Gerente Geral para Fortaleza e iniciei o Curso de Direito. Foram mais livros e livros. E havia outros assuntos que me interessavam na época, principalmente para-normalidade e mediunidade. E, assim, mais livros foram sendo adquiridos. Às vezes, acho que se tornou uma obsessão. Não estou mencionando aqui as coleções completas de Jorge Amado, Erico Veríssimo, Prêmios Nobel de Literatura, A.J.Cronin e outros. Eu me considerava ateu, e logo, livros de Bertrand Russell, Arthur Schopenhauer, André Comte-Sponville, Nietzsche e mais outros vieram povoar a biblioteca. Iniciei o Curso de Filosofia e haja livros. Eu comprava, lia alguma coisa e mudava para outro. Mas eu, mentalmente, já começava a expandir meu sonho para pessoas que sequer existiam: meus netos. Passei a comprar livros infantis e juvenis. Meus filhos já não faziam parte da comunidade: liam o absolutamente necessário, não dividiam meu sonho.
Larguei o Curso de Filosofia. Os professores não se interessavam pelas aulas: quando ministravam eram de péssima qualidade. Mas eu já tinha tudo sobre o assunto, incluindo Grécia e Roma antigas. Foi aí que uma das minhas filhas convidou a mim e minha esposa para fazer um Seminário do Espírito Santo. Foi um final de semana inteiro e saí de lá transformado. Não vou falar sobre a experiência pois me estenderia por páginas. Livros e livros vieram acrescer a biblioteca. Apaixonei-me por Paulo de Tarso e Santo Agostinho, sobre os quais tenho muita informação.
Nasceram minhas primeiras netinhas. Uma delas fará dois anos agora em julho e a outra em novembro. Já há dezenas de livros separados para elas. Mas anos atrás fui diagnosticado com uma doença incurável e progressiva. Tenho uma prima, irmã de criação, pois também foi criada por nossa avó, que foi diagnosticada com o mesmo mal e já não segura a cabeça, não engole direito, anda amparada por pessoas e a fala é por demais arrastada. Deus está me dando um tempo o qual devo aproveitar ao máximo, pois meu diagnóstico ocorreu dez anos antes do dela. E o que fazer com tantos livros? E os sonhos de escrever sobre Constantino, Atanásio, Paulo e Agostinho? E meus queridos escritores russos, aqueles que vão ao mais profundo da alma humana, aqueles que transmitiram de uma forma única os sofrimentos da vida porque conviveram com eles? Os netos? Terão lap-tops e tablets. E o sonho voltou a ser somente meu, mesmo porque ele nunca foi dividido, sempre foi vivido de uma maneira solitária. Meus amigos, os únicos com os quais, às vezes, dividi certos assuntos, meus livros, eu os estou vendendo; às vezes reluto em fazê-lo mas reconheço a impossibilidade física de lê-los e, se alguém deseja comprá-los, é porque há nele algum sonho parecido com o meu. Que os sonhos solitários sobrevivam através dos meus amigos, os livros.
Postado por Expedito Aníbal de Castro
Em
27/6/2015 às 13h31
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