Filme: Samba, de Eric Toledano e Olivier Nakache | Sobre as Artes, por Mauro Henrique

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Sexta-feira, 17/7/2015
Filme: Samba, de Eric Toledano e Olivier Nakache
Mauro Henrique Santos
+ de 3100 Acessos

Divulgação



Em recente lançamento do Festival Varilux, no Rio de Janeiro, a dupla de diretores afirmou que gostariam de fazer um filme sobre imigração. O sucesso estrondoso da produção anterior, Os Intocáveis, que levou 20 milhões de franceses - um milhão apenas no Brasil -, possibilitava essa escolha.

A eles foi sugerido Samba pour la France, de Delphine Coulin, livro lançado aqui no país com o nome de Samba, do qual fizeram uma adaptação livre, inserindo ações e personagens ausentes do volume. O tomo serviria principalmente para estruturar uma pesquisa sobre a condição dos imigrantes. No entanto, engana-se quem pensa que este seja o tema principal do longa-metragem.

O filme se inicia em uma luxuosa festa de casamento, representada como um espetáculo mais midiático, com ares de superprodução, e menos uma celebração entre pessoas, cara atual de boa parte destes eventos - uma mostra bem desenvolvida e realizada pode ser encontrada no último episódio do recente Relatos Selvagens, de Damien Szifrón. Logo após, temos um plano-sequência que seguindo o bolo carregado, no início, em trajeto para a cozinha do buffet, passando pelo chef, cozinheiros, garçons, perambulando até chegar ao final de um dos corredores onde um trabalhador, quase solitário, que contrasta não apenas na cor, mas no lugar imensamente mais silencioso do que no início do plano, lava pratos: Samba.

Samba Cissé (Omar Sy), senegalês, vive na França há dez anos com o tio. Temos a situação clássica do imigrante retratada. Burocracia enorme para conseguir documentos que garantiriam a sua permanência. Samba é um sem papel ou 'sans papiers' como são conhecidos naquele país.

Divulgação



A 'mise in scene' privilegia momentos que ressaltam a conjuntura do imigrante precarizado. Após a festa, fica com restos de comida. Procura incessantemente por qualquer tipo de trabalho, com um grupo que se amontoa, em cenas que o empregador escolhe no olhar os mais 'aptos' ao que precisam. Algumas ocupações são muito insalubres e mal pagas. As fugas das autoridades policiais no chão, casas e no mar são bem conduzidas e verossímeis, chegando a deixar o espectador em estado de tensão. Assim como, os trechos em que o africano, aflito com a sensação de estar sendo observado o tempo todo e que qualquer pessoa é um possível delator, deixa outra sensação de dualidade no ar. Necessita sair à procura de emprego, no entanto, estar fora de casa é estar em constante alerta.

Por conta disso, seu tio, que por sua vez era legalizado, reprova o seu comportamento e o impõe um código de conduta mais severo, roupa menos coloridas, andar em lugares pouco movimentados, com roupa de executivo, não trapacear no metro.

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Estas orientações fazem Samba não apenas perder a cor, mais que isso, principalmente, a identidade. Penso ser isso, fundamentalmente, o que o filme tematiza. A perda, no mundo moderno, da nossa individualidade, ou ainda, dos aspectos que nos tornariam únicos, num mundo em que a alteridade, cada vez mais tem pautado as nossas interações sociais.

Este é o tema principal do filme, a sublimação dos traços que nos diferencia de alguma maneira, em que a ausência deles nos deixa cada vez mais homogêneos. Alice, representada por Charlote Guisbourg - em mais uma bela interpretação, é uma executiva que após ter uma crise nervosa, precisou ser internada e medicalizada. Com a bolsa repleta de remédios, o olhar vago, distração, desconexão com tudo em sua volta, parte do seu tratamento é ajudar uma organização não governamental que presta assessoria jurídica aos forasteiros detidos. Não sabemos nada sobre a sua vida em boa parte do filme, a não ser o que Samba arranca da personagem. Não tem nem uma história própria. O trabalho que faz qualquer um faria. Assim como o trabalho realizado por todos os outros imigrantes. De fato, ela nem sabe de início cumprir o seu ofício e, como Samba, comete imperícias.

Seu amigo, Wilson (Tahar Rahim), autoproclamado brasileiro, na verdade, possui outras referencias, comprava vários documentos falsos na tentativa continuar na França. Manu (Izïa Higelin), também funcionária da ONG, que se caracteriza por alertar a colega diversas vezes para não se envolver com os imigrantes, trai sua própria recomendação. O tio dá o seu cartão de identificação ao sobrinho, sintomaticamente como se isto não fizesse diferença. Após a polícia descobrir a falsidade dele e de Lamouna, recomendam que deixem o país imediatamente. Em um apelo tocante, Samba chega a temer que perca a sua identidade. Receia esquecer o próprio nome, de tantos documentos diferentes que usou e comprou neste período.

Mesmo que os personagens estejam perdendo seus caracteres mais marcantes, os personagens não são tratados de maneira unidimensional. O protagonista ainda que tenha salvado o companheiro de prisão Jonas, ao sair relaciona-se com a namorada deste. Alice, comedida no trato com todos, tem alguns rompantes de raiva e revela ter agredido e arrancado cabelos de uma pessoa no trabalho. Outra personagem complexa é Wilson, que a despeito de sabermos a maneira fraudulenta que conduz sua vida, se não compactuamos com a atitude ao menos a compreendemos. Ajuda o amigo e intercede para que ele consiga emprego.

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Aliás, o 'brasileiro' desde o início revela índices de que é fake. O cabelo longo, juntamente com a maneira de dançar e o relacionamento com as mulheres são muito mais afeitos ao universo do 'latin lover'. Seu bailado se assemelha muito mais a um traquejo caribenho do que tupiniquim.

Aliás, já percebemos isso na cena hilária em que dança Palco, de Gilberto Gil, do disco Realce.

Álbum curiosamente gravado nos Estados Unidos, em 1979, com maioria de músicos americanos como Steve Lukather, da banda Toto e Jerry Hey do grupo Earth, Wind and Fire. O rumo tomado por Gil neste período não agradou Caetano Veloso, entre outros, por ele, supostamente, se afastar genuinamente da música brasileira. A outra música, de Jorge Ben, Take It Easy, My Brother Charles, tem título em inglês. Estariam os diretores, que declararam no Brasil gostar da música brasileira, aprofundando o debate até nas questões musicais? Por conhecerem a música nacional, podemos afirmar positivamente. Ainda mais com o nome do personagem título. "Nossos ilegais, como ocorre na vida, vivem fugindo da polícia. O samba, na verdade, é esse movimento permanente de dançar conforme o ritmo e escapar quando o cerco se forma". Pela direção; composição dos personagens; exposição dos seus universos e angustias, temperados com a leveza do tratamento do tema, em geral, bem humorado, parecem entender do riscado.

Bom filme!

Mauro Henrique. Email ou Twitter .

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Postado por Mauro Henrique Santos
Em 17/7/2015 às 13h14

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