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Quinta-feira,
23/7/2015
Morar só, sinônimo de status
Ezequiel Sena
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"No livro de Gênesis diz que Adão foi incapaz de desfrutar do paraíso sozinho. Foi preciso dividir com alguém o que tinha ao seu redor. O Criador percebendo que lhe faltava algo, resolveu então dar-lhe uma companheira, porque a solidão seria a pior das experiências".
Com base nessa percepção, criou-se, ao longo dos séculos, uma imagem profundamente negativa das pessoas que vivem sozinhas. Será castigo ou sinal de fracasso? Felizmente, esse pensamento foi sepultado, adágio ultrapassado, carta fora do baralho.
O tradicionalismo desapareceu. Os sinais estão por aí. Atravessamos um momento de transformação na maneira de viver, radical e até turbulento sobre vários aspectos.
As novas tecnologias abriram portas nunca vistas. "Eu não sou um solitário, mas gosto da solidão", esta espontânea expressão dum amigo, fez-me pensar na atitude do ator Walmor Chagas que deliberadamente foi viver numa chácara em Guaratinguetá, onde recentemente se suicidou.
Viver só, para o intelectual, passa a ser uma opção ou, no mínimo, uma imposição da idade, como no caso do ator e desse meu amigo, mesmo de gerações diferentes, no entanto, portadores de dotes e opiniões similares perante a vida, ambos decidiram morar sozinhos.
Engana-se quem pensa que a solidão é um fenômeno do homem contemporâneo. Os textos sagrados são recheados de exemplos de profetas que, em determinado momento de suas vidas, sentiram necessidade de se isolarem para refletir ao mesmo tempo em que recebiam mensagens divinas, como Moisés: as Leis Mosaicas; e o profeta Maomé: o Alcorão; sem contar os inúmeros personagens da história que não se tornaram apenas solitários.
Muitos até eremitas por vontade própria; motivados por desilusões do mundo e das pessoas; perseguições religiosas e exílios políticos, como Dante Alighieri: "Divina Comédia"; ou por doença infectocontagiosa: a lepra. De outro modo: simples filosofia de vida, ou, como se diz no popular, por estar de miolo mole.
Dentro do próprio cristianismo, temos ordens religiosas que fazem da clausura a sua opção. Não sendo propriamente viver na solidão, uma vez que convivem e comungam a sua religiosidade em grupo, isolados por muros dos prazeres mundanos; um típico exemplo de fé exaltada ao extremo, de autopunição religiosa para uns, uma opção voluntária para outros.
Não há dúvida de que, por trás, o leitmotiv tem que existir não obrigatoriamente espontâneo ou forçado; mas tem que existir.
Por sinal, o delinear desta breve crônica não deixa de ser um ato de solidão, pois tive que me isolar por alguns instantes para escrevê-la. "Escrever é um ato solitário que o faz conviver com seus demônios", mais ou menos assim disse Santo Tomás de Aquino. Todavia, morar sozinho não significa solidão. Sozinha viverá grande parcela da população mundial nas próximas décadas - estimativa do IBGE, através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Para ser mais preciso, entre 2009 e 2011, oitocentas mil brasileiros passaram a viver sozinhos (ISTOÉ ¬- 2251). Morar sozinho virou sinônimo de status. O fenômeno avança. Dizem, inclusive, que o Brasil já pode ser considerado um país de solteirões.
Especialistas em tendências afirmam que há três explicações para essa realidade comportamental. Primeira: a independência feminina. Segunda: a estabilidade econômica, e terceira: a revolução da comunicação. Não há duvida, as novas tecnologias facilitaram a convivência, evitou que os sozinhos se tornassem ainda mais solitários.
Aquele velho ditado "antes só do que mal acompanhado" está cada vez mais em evidência definindo a privacidade dessa nova geração. Em entrevista à Revista ISTOÉ, engrossando a lista dos sozinhos, o engenheiro Frederico Lainer, 30 anos, de Porto Alegre, afirma: "moro só por opção e nem bicho de estimação tenho, pois passo quase o dia todo fora de casa".
Obviamente que o dinamismo dessas transformações tem a força das redes sociais. Antes, a vida social condicionada à presença física em aulas, conferências, e/ou encontros, agora está cada vez mais afeita ao mundo virtual. Mas será que toda essa facilidade tira a pessoa do isolamento? Os mais entusiasmados acham que "estar nas redes sociais é pertencer a um grupo cada vez maior e mais influente", pontua Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Estar ligado às pessoas virtualmente não quer dizer rodeado de amigos. Para eu ter um amigo é necessário o contato físico, escutar sua voz, não a voz distorcida do webcam, mas o som real, o olhar no olho, não apenas o olhar furtivo apresentado na tela do computador. Acho que as redes sociais podem até aproximar os indivíduos, mas, se não existir contato e convívio, jamais teremos um amigo de verdade.
(texto publicado originalmente 31.01.2013)
Postado por Ezequiel Sena
Em
23/7/2015 às 09h16
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