BLOGS
>>> Posts
Domingo,
2/8/2015
No fundo bem no fundo
Anchieta Rocha
+ de 1800 Acessos
Abre as pernas — eu disse encostando o revólver na cabeça dela.
Tinha planejado pra quando voltasse do serviço. Ia obedecer do jeito que eu queria.
Naquela noite, saí do bar mais cedo. O movimento tinha sido fraco por causa da chuva. Foi até bom que assim eu pude sossegar no pensamento. O colega notou o meu arredio. Contas pra pagar, eu disse.
Lavando os copos, o olhar perdido na televisão, ela vinha na minha cabeça, rindo, jogando o cabelo pra trás. Eu dizia coisas sem sentido pros fregueses, empurrando o tempo, as ideias insistindo, igual a chuva no teto do bar. Enfiava a mão debaixo da blusa fora da calça, alisava o cano do revólver e as coxas dela Nas vezes que passava por mim, meus olhos corriam seu corpo da cabeça aos pés. Falava entre os dentes que um dia ainda ia meter naquela gostosura.
Aquela noite eu arrebentava com tudo. Fiquei tão agitado que depois do serviço entrei no primeiro bar.
O conhaque bateu na barriga e na cabeça.
Toda vez que bebo, as ideias embaralham. Aí começo. É como mergulhar num poço e buscar alguma coisa perdida no fundo, bem no fundo. Sem mais nem menos, um negócio agarrado na infância veio na cabeça.
Nunca contei pra ninguém, nem pro meu irmão, nem pro melhor amigo. Sempre que acontecia uma coisa diferente, eu corria pro quintal e ficava conversando com as formigas até não poder mais.
Meu pai falou que ia viajar. Pôs o revólver na cintura por dentro da blusa e saiu. De noite, quase dormindo, ouvi um barulho na sala. Levantei e pela greta da porta vi o Tio Tonho entrando. O Tio Tonho era o tio que eu mais gostava. Brincava comigo de jogar pra cima.
No meio da sala, ele e a minha mãe beijando na boca. Não vi mais nada. Voltei pra cama e enfiei a cabeça debaixo da coberta. Logo em seguida os gemidos vindo da cama de casal.
Jurei por Deus que quando o pai chegasse eu ia contar tudo. Mas depois arrependi, ele era capaz de qualquer coisa. Mesmo morrendo de raiva eu não queria que nada acontecesse.
No dia seguinte, na hora do café, mexendo no fogão, virou e me olhou diferente. Perguntou se eu queria leite. Não respondi. Apanhei um biscoito no prato e saí com a pasta debaixo do braço.
Fiz que ia pra aula, dei volta na frente da casa, atravessei o beco e fui pro quintal - pro fundo, bem pro fundo.
Sentei na porta de cabana feita de bambu e telhado de folha de coqueiro, igual tinha visto num livro do Robson Crusuê.
Passado um pouco, vi que uma fileira de formiga atravessava um galho tombado sobre um fio de água. Fiz uma ponte com dois pedaços de bambu e barro alisado. Ainda assim preferiam dar a volta longe de onde eu estava. Cerquei todas até que aprenderam o novo caminho.
Não demorou, já conversava com elas. Perguntei uma porção de coisa. Mexia com uma e com outra. Cheguei a fazer uma musiquinha:
Passa, passa, formiguinha Passa, passa sem parar
Se não travessar pinguela,
Tamanduá vai te jantar
Fiquei muito tempo na cabana. Contei tudo da minha vida. Só não contei por que eu não tinha ido à aula.
***
Paguei a bebida e saí. Eu não estava tonto, mas minha cabeça era uma confusão danada. Acariciava o revólver debaixo da blusa o tempo todo. Atravessei a rua alisando as coxas dela até em cima. Úmida e quente a cidade.
Deitei ao seu lado e senti o calor no lençol. Encostei o revólver no rosto suave. Desci a mão, fiz a curva da cintura, forcei as coxas resistentes. Tirei o dedo e cheirei. Esfreguei no nariz dela e perguntei de quem era.
Apoiou o queixo no peito e ficou calada. Peguei o revólver com força, enfiei fundo, bem no fundo.
- É dele?
Não falou nada.
Fiquei esperando até a última gota de sangue escorrer pro lençol.
Postado por Anchieta Rocha
Em
2/8/2015 às 10h21
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|