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Sexta-feira,
14/8/2015
A morte do professor de literatura
Renato Alessandro dos Santos
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"O Captain! My Captain". A morte de Robin Williams deixou o mundo todo comovido e estarrecido. Como pode morrer o palhaço mais triste de Hollywood? Da tragicomédia humana ninguém escapa, até porque os limites entre comédia e drama fazem parte de nossa vida diariamente. Williams sorria por fora, mas por dentro estava despedaçado. O diagnóstico de Mal de Parkinson talvez não tenha sido tão destruidor quanto a dor pela morte recente do amigo Jonathan Winters, comediante morto em abril de 2014 aos 87. E agora Robin Williams está morto. Morreu aquele que deu corpo, voz e alma a John Keating, o predileto e genial professor de literatura de muitos e muitos por aí; não de todos, certamente, mas de muitos. Muitos.
Todo aluno de Letras e todo professor de literatura têm de ver Sociedade dos poetas mortos. Parece incrível, mas nem todos que pertencem à geração que nasceu nos 1990 viu o filme ainda. Precisam ver. O que Robin Williams faz é mostrar que, num colégio tradicional norte-americano de meados dos anos 1950, conservador, elitista, burocrático, é possível ser Dionísio em um mundo cercado de Apolos. O professor John Keating é poesia, liberdade, alma, enquanto a sociedade daquele tempo é certinha e previsível. John Keating não; John Keating é aquela vela acesa lá do início do filme; aquele que anseia pela vida soprando forte nas madeixas, balançando as franjas freneticamente, conforme a direção do vento aponta. John Keating é o biruta, e seus alunos passam por ele, absorvendo-o. É o que vemos em Sociedade dos poetas mortos, quando aqueles meninos resolvem adotar o estilo de vida libertário contido na expressão latina carpe diem. Aproveitar a vida, eis o porquê de tudo. Estamos aqui para ficar amarrados a uma árvore de nosso jardim ou devemos pôr o pé na rua e sentir o sol bater no rosto, correndo o risco de sermos atropelados, abduzidos ou flechados pelo Cupido? Muitos ficam em casa e não se arrependem. Mas têm dificuldade para descobrir o que é ser razoavelmente livre. De espírito. É o que faz Keating: como professor, abre o caminho, como os birutas que, nos aeroportos, apontam a quem estiver interessado a direção do vento.
Keating é quem liberta o espírito de seus alunos. Com poesia. Com literatura. Com literatura de gente como Walt Whitman e Henry David Thoreau, dois clássicos rebeldes norte-americanos. Vem de Thoreau a constatação de que sorrimos por fora, enquanto por dentro estamos despedaçados. Ninguém pensou que Robin Williams estivesse tão despedaçado. Mas estava. A notícia de sua morte coloca um ponto-final à vida do homem que representou o professor de literatura mais querido do mundo.
E assim, com Sociedade dos poetas mortos, por meio da etérea e flamejante escuridão da qual o cinema se serve, a literatura sempre estará presente; já o ser humano que morreu asfixiado e que deu vida àquele professor inesquecível, paradoxalmente como o corvo de Poe, nos lembrará de que a vida é triste, cheia de dor e sofrimento, enquanto grita "Carpe Diem" a si mesmo, mas agora sem acreditar que, ao final, tudo dará certo. Infelizmente.
Texto publicado originalmente no Blog do curso de Letras do Moura Lacerda.
Renato Alessandro dos Santos é professor e editor do site Tertúlia.
Postado por Renato Alessandro dos Santos
Em
14/8/2015 às 16h23
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