Orestes Barbosa caminhava pelo Rio de Janeiro. Arranha-céus. Morros. Lua acesa. Estrelas no chão. Samba, valsa e fox pelos bares musicais do Centro. Nos idos de 1956, sobre Orestes diria Manuel Bandeira: "Se se fizesse aqui um concurso para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: Tu pisavas os astros distraída". Talvez eu votasse? Talvez?
Entanto, posso imaginar a indecisão do poeta. Como escolher o mais belo verso de Orestes em meio a uma obra poética irretocável? Difícil, não é? No meu tempo de estudante, assisti a conferências de Manuel Bandeira. E sua dúvida aumentou quando, num pequeno texto, lhe lembrei outros belos versos de Orestes: "Lua ─ freira do céu, irmã das dores ─ (...)"; "Um vestido ligeiro que passou"; "Na serpente de seda dos teus braços (...)"; "Dorme, fecha este olhar entardescente, (...)"; "E, à noite, és Lua em flor despetalada, (...)."
E a mais bela estrofe de Orestes? Mais difícil ainda! Lembro como se fosse hoje, Bandeira ficou pensativo ante o terceto:
"Porque a canção mais aflita
É a forma que há mais bonita
Da gente poder chorar...".
Das sextilhas registradas por mim, ora transcrevo duas. A primeira, da canção Dona da minha vontade:
"Coração ─ ninho de penas ─,
No arminho das almas serenas,
Tem perfume e tem calor...
Pobre de mim, ave tonta...
A Lua, triste, desponta,
E eu vou ficar sem amor (...)."
A segunda, da canção Torturante ironia:
"Ó coração, chama oculta,
Que a iluminar, mais avulta,
No altar da minha paixão,
A santa dos meus amores ─
Nossa Senhora das Dores
Da minha desilusão!"
A indecisão permanecia. Bandeira continuava pensativo quanto ao mais belo verso. Tentando amenizar sua dúvida, lembrei-lhe aquela charge do Nássara: "Noël, eu te dou esse verso Tu pisavas os astros distraída em troca do é brasileiro já passou de português. Tá?". E então me ocorreu o famoso soneto de Camões:
"Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer. (...)".
Naquele momento me lancei a um paralelo entre o amor na poesia de Orestes e na de Camões nos meandros da ansiedade amorosa. E, inspirada em Nássara, transcrevo imaginária fala que eu atribuiria a Orestes: Olá, Camões, te dou esta estrofe:
"Amor é ânsia incontida,
É sonho, é sol, é luar,
É o claro-escuro da vida.
É borboleta a voar.
É beija-flor que não sabe
Quantas traições tem a flor,
É beija-flor da saudade,
Pensa que beija o amor! (...)".
Ante o inefável capturado pela voz de Orestes na Valsa do amor, posso afirmar que, jubiloso, Camões aceitaria o presente. E posso imaginar a alegria de Bandeira se recebesse um bilhetinho de Orestes: "Agradecido pelo "talvez" à escolha do mais belo verso da nossa língua, venho te ofertar este mimo:E, hoje, quando me vejo, no espelho, / Contemplo a minha face e não sou eu...".
Certamente, Manuel Bandeira se orgulharia de ter agregado esses dois versos à sua obra poética.