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Domingo,
16/8/2015
Uma História da Tecnologia da Informação- Parte 10
Claudio Spiguel
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Parte 10: Lembro aos leitores e leitoras que não leram Partes 1 - 9, que vocês podem acessá-las "clicando" no Mais Claudio Spiguel aí embaixo no rodapé do texto.
E lá estava eu, então, às voltas com como evitar a chateação e o custo de ter de usar um(a) datilógrafo(a) profissional para colocar minha dissertação de Doutorado no formato apropriado e aceitável para a Escola RACKHAM de Estudos de Pós-Graduação da Universidade de Michigan.
Escrevi na Parte 9 que o formato prescrito para dissertações de Doutorado é rígido. De fato, margens, fontes, sequência de páginas, numeração de páginas, índices, subtítulos, fórmulas, etc. são todos precisamente definidos (há manuais que contém essas definições), e qualquer desvio dessas normas pode fazer com que uma dissertação não seja aceita para defesa, e obtenção do título acadêmico. O conteúdo da dissertação é avaliado pelos professores da banca examinadora, mas o formato era verificado da maneira mais tradicional possível: entrava-se em uma sala na RACKHAM onde em duas mesas lado-a-lado estavam duas bibliotecárias especialmente treinadas nos tais manuais de formato. As duas se vestiam em estilo extremamente formal e conservador, óculos de leitura acomodados na ponta do nariz, e dedeira de borracha no dedo indicador da mão direita para virar as páginas dos dois, assim chamados, bonecos idênticos da dissertação (todas as páginas antes de serem encadernadas) que eram levados pelo autor à reunião. Em frente às mesas UMA cadeira, de onde o autor contemplava o virar ritmado das páginas pelas dedeiras de borracha; desvios das normas eram reportados em voz alta e anotados pelo autor para correção (possivelmente nova datilografia de grande parte da dissertação - ver Parte 9) e nova verificação em data posterior.
O motivo de haver DUAS bibliotecárias era que algo que escapasse a uma delas, muito provavelmente não escaparia à outra, garantindo assim o formato perfeito. E havia uma grande pressão, pois a cada candidato era facultado agendar apenas DUAS dessas reuniões, e se falhas fossem identificadas em ambas, o professor orientador era informado, e apenas mais uma reunião poderia ser marcada onde o candidato E o orientador deviam comparecer para verificação do formato. Falha nessa terceira reunião causava a NÃO-aceitação da dissertação e perda do título. Isso colocava os datilógrafos, também treinados no formato rígido, no caminho crítico de obtenção do título de Doutor pelo candidato, e obviamente havia uma comunicação velada entre a comunidade de datilógrafos da cidade, e as bibliotecárias da RACKHAM.
Conforme comentei anteriormente, a distribuição da capacidade de processamento, fruto da miniaturização dos componentes de processamento de dados por computadores, tendia a popularizar o uso do computador, e um dos primeiros usos a serem popularizados foi a edição de textos. Em particular, já dentro do MTS (ver Parte 5), um programa chamado TEXTEDIT foi desenvolvido exatamente para impor em um texto a formatação rígida de uma dissertação de Doutorado (rígida, porém totalmente mecânica, paginação automática, etc.). Os datilógrafos de início boicotaram o uso do programa, pois ele retirava uma das especialidades do serviço deles, paga a preço de ouro. Alguns, no entanto, aprenderam o uso do programa, e o utilizavam para gerar os tais bonecos para verificação, sabendo que isso não eliminava a datilografia do original final, pois as impressoras ligadas ao computador apenas imprimiam em formulários contínuos (ver Parte 9), e a qualidade do papel disponível nesses formulários não era aceita como original final. Apenas a primeira (mais horas pagas...) datilografia ocorria no teclado de um terminal burro IBM3270 (ver Parte 6) ao invés de em uma máquina-de-escrever. Até isso criava ainda mais uma exclusividade para os datilógrafos, pois lembrem-se que mesmo em "time-sharing" , o tempo de uso do computador "mainframe" era caríssimo (ver Partes 4 e 5), e catar milho com dois dedos no teclado dos terminais tornava o custo proibitivo.
Enquanto eu observava essa dança dos datilógrafos, eu estudei o uso das duas máquinas novas às quais eu tinha acesso como consultor do Centro de Computação da Universidade: o computador pessoal IBM PC e a impressora XEROX 9700 (ver Parte 9). Divisei então o seguinte processo: tendo já naquela época uma certa destreza em datilografia (hoje absolutamente necessária!), datilografei a minha dissertação diretamente no computador pessoal IBM PC (estanque, sem comunicação com o "mainframe" Amdahl, portanto sem custo), incluindo no arquivo os comandos para formatação do texto pelo programa TEXTEDIT, e no texto a ser impresso os comandos para a impressora XEROX 9700 (controle de fontes, inserção de letras gregas para fórmulas matemáticas, etc.). Com o arquivo pronto e conferido por mim mesmo, liguei o computador pessoal IBM PC como terminal remoto do computador "mainframe" Amdahl, exatamente como havia feito com a gambiarra descrita na Parte 7, e transferi o arquivo para o computador "mainframe" Amdahl para ser formatado pelo programa TEXTEDIT, e depois impresso na impressora XEROX 9700 em papel normal, de qualidade para impressão do original final. O resultado é que todas as alterações sugeridas pela banca examinadora eram feitas no arquivo original dentro do IBM PC (sem custo), e aí, com ele conectado remotamente ao Amdahl, eu pressionava UMA tecla no teclado do IBM PC, e da XEROX 9700 saia um original completo da dissertação, propriamente repaginado e formatado, pronto para encadernação. Notem que isso é exatamente o que acontece hoje quando usamos o programa WORD (ao invés do programa TEXTEDIT) para formatar um texto, e imprimi-lo nas impressoras a laser ou jato de tinta que temos em nossas casas acopladas aos nossos computadores pessoais!
Assim, munido de dois bonecos da dissertação gerados como descrito, lá fui eu encontrar as bibliotecárias da RACKHAM; as duas chegaram à última página sem qualquer desvio das normas de formato, mas a máfia dos datilógrafos estava alerta: uma delas disse: "Sabemos que o Sr. não usou um datilógrafo profissional, portanto não podemos aceitar a dissertação desde que o Sr. usou tecnologia que não está disponível a outros candidatos ao título de Doutor". Na semana seguinte, meu orientador e eu comparecemos a uma audiência com a Diretoria da RACKHAM, e conseguimos convencê-los de que uma Universidade devia encorajar, e não punir, o uso de tecnologia moderna (para aquela época...).
E foi assim que foi aceita na Universidade de Michigan, fundada em 1817, a PRIMEIRA dissertação de Doutorado que não passou pelas mãos de um datilógrafo profissional.
Vocês devem estar notando que estamos nos aproximando das estações finais desta nossa viagem fantástica. Na Parte 11 falaremos da conexão entre computadores, os primórdios do conceito de REDES, como a INTERNET, a qual nasceu e se estabeleceu como um serviço global. Vocês estão gostando da viagem...?
Postado por Claudio Spiguel
Em
16/8/2015 às 22h13
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