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Terça-feira,
1/9/2015
Macarrão de Santa Casa
Anchieta Rocha
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Me chamou de Macarrão de Santa Casa e voei nele. Um fio de sangue desceu pra blusa do uniforme. Veio pra cima de mim e chutei pra longe a faquinha de arco de barril.
Cheguei em casa todo sujo, a bunda rasgada. Mamãe perguntou o que eu tinha aprontado daquela vez. Antes de abrir a boca me enfiou a chinela e apontou pro quarto.
Mais tarde mandou meu irmão levar o prato de comida.
O cara mexia comigo toda vez que me via. Além de branquelo, eu era ruivo. Canário Chapinha, Cabeça de Fogo, tinha muitos apelidos. O mecânico mal me via, assobiava imitando passarinho. As amigas das minhas irmãs invejavam o meu cabelo. Eu morria de raiva.
No dia seguinte na escola, a conversa foi uma só: eu tinha tirado sangue no cara e tomado a faca dele. Os meninos chegavam e perguntavam — me fizeram contar a história muitas vezes. Aproveitava e floreava mais ainda. Sua irmã, a menina mais bonita da sala, nunca mais olhou pra mim e ainda espalhou que eu ia ter com o irmão mais velho. Eu estava ferrado. Em casa, mamãe de cara fechada o tempo todo. Na escola a menina me dava gelo.
Fiquei muito tempo tentando me aproximar dela. No início, se estava no murinho do pátio, eu tentava sentar perto. Me via, levantava e corria pra junto das colegas, procurando refúgio. Na festa junina da escola no changer des dames segurava minha mão e nada de ficar suada como antes. No torneio de futebol, me arrebentando pra chamar sua atenção, torcia contra mim, gritando o nome do goleiro adversário.
O pior estava pra acontecer - e aconteceu. Foi numa tarde chuvosa e barrenta no fim da aula. O professor Licínio contava as façanhas de Alexandre, o Grande. Perto da janela, Coalhada fez um movimento com a cabeça indicando a rua. O irmão do cara estava a fim de me pegar, completou Lelé.
O sinal tocou. Do fundo da pasta tirei minha arma.
Alisando a ponta do compasso que sempre mantinha afiado, caminhei pro portão, o rosto pegando fogo, a veia do pescoço pulsando.
Foi do irmão mais velho o soco que me atirou no chão. O outro me encheu de pontapé. A pancadaria só parou quando ela chegou, começou a gritar e abaixando me protegeu.
Naquele dia mamãe não me bateu. Chorou comigo, pondo compressa no olho inchado.
Fiquei humilhado. Na hora do recreio procurava um canto ou ia pra biblioteca.
Tinha poucas chances, mesmo assim não queria que acabasse daquele jeito. Uma vingança - ela ia ver.
Uma semana antes das férias, me aproximei de sua amiga.
- Minha mãe vai me mandar pro seminário. Acha que assim é melhor pro meu futuro, pra minha formação - ouvido de não sei de quem e que achava que impressionava.
Enquanto falava, me passava pela cabeça um filme italiano preto e branco que tinha assistido no Cine Brasil, o pai e a mãe ficando pra trás na plataforma, na janela do trem o menino dando adeus, a chuva miúda, uma musiquinha triste.
Deu pra ver o estrago na cara da amiga.
Os dias passavam, os professores não paravam de falar, e eu aguardava o sinal do recreio e o fim da aula pra percorrer com o olhar inquieto todos os cantos do colégio. De noite só dormia depois de projetar durante muito tempo na tela branca do teto do meu quarto as imagens que enchiam a minha cabeça. Uma hora ela afastava a mecha do cabelo, e em seguida uma lágrima descia no rosto pela minha partida. E eu mais bobo ainda, acreditando que o que eu inventava era verdade, segurava o choro até não aguentar.
Postado por Anchieta Rocha
Em
1/9/2015 às 10h06
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