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Quarta-feira,
2/9/2015
Um tema, duas penas
Sonia Regina Rocha Rodrigues
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Pretendo comentar hoje dois magníficos textos de dois dos maiores nomes da literatura nacional.
De um lado, a flor: a beleza, o singelo, a pureza, o ideal. De outro, a água: sem forma, absorvente, destruidora.
Deste tema rico em interpretações, dois grandes nomes da poesia nacional extraem, do mesmo tema, dois textos aparentemente contraditórios, copiados ao fim do artigo.
Não me deixes, de Gonçalves Dias
A flor e a fonte, de Vicente de Carvalho
A aversão pela água, na poesia de Vicente de Carvalho, bem como seu anseio por ela, na de Gonçalves Dias, lembram-me um casal de namorados, o eterno descompasso em que homens e mulheres repetem século após século seu desencontro fatal, como duas raças alienígenas mutuamente estranhas. Podemos pensar no yin-yang, o feminino e o masculino; quando um quer, o outro não quer.
À primeira vista, contudo, já é evidente o caráter narcisista destes dois poemas, na imagem do espelho das águas. É o ser humano a mirar-se na realidade e a vislumbrar, de um lado, em Gonçalves Dias, um ideal, e em Vicente de Carvalho, a morte que o amedronta.
Frágil ser humano, tão belo, tão efêmero, tão à mercê da vida sob a qual sente-se com tão pouco controle, enfrentando a indiferença ou a oposição feroz.
De forma que estes dois poemas, que a princípio parecem opostos nos remetem à inexorabilidade do destino. A água é o inconsciente humano, a força desconhecida que controla nossa vida, e também, pela ausência de forma, a imagem do Deus devorador ou receptivo, que nos recolherá em seu seio após a morte inevitável.
Com que sensibilidade, com que agudeza trabalham estes dois mestres e quanta filosofia se esconde atrás de uma situação aparentemente banal: a flor... a fonte...
Deixemos agora de lado estes frios argumentos e deleitemo-nos com estas belas imagens. Afinal, quando escreveram estes versos, estou quase certa de que nossos poetas não pensaram em nada disso. Poetas não usam o raciocínio, usam a imaginação. A pensar, preferem sonhar.
Sonhemos, pois...
"Não Me Deixes!"
Gonçalves Dias
Debruçadas nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava ...
"Ai, não me deixes, não!"
"Comigo fica ou leva-me contigo
Dos mares à amplidão;
Límpido ou turvo, te amarei constante;
Mas não me deixes, não!"
E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"
E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Sempre dizia, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"
Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava ainda a corrente por dizer-lhe
Que não a deixasse, não.
A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"
A Flor e a Fonte
Vicente de Carvalho
"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar".
E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.
"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!...
Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria
Rolava levando a flor.
"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr do sol;
"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!..."
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
Em
2/9/2015 às 05h58
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