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Quinta-feira,
3/9/2015
Reflexões Abissais
Ayrton Pereira da Silva
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O Sanatório Geral informa: o esdrúxulo texto abaixo, fruto das lucubrações delirantes de um cérebro demente, é expressamente contraindicado para os portadores de hipersensibilidade, os impressionáveis, os hipocondríacos, os hipertensos, os depressivos, os cardiopatas e apenas, a rigor, permissível aos padecentes de extrema lucidez, aos nefelibatas, aos sem-futuro e aos loucos de todo gênero.
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Não lembro onde nem quando Saramago disse que ninguém, em sã consciência, poderia ser otimista. Em outras palavras, quis ele dizer que nenhum ser humano carrega consigo impunemente o fardo do conhecimento de que começa a morrer no exato instante de sua própria concepção.
Seria um pensamento autodestrutivo? Julgo que não, embora saiba das contestações que certamente me oporiam os que se consideram, por formação acadêmica, possuidores da chave mestra dos segredos da psique, além dos representantes da new generation dos futuristas que já projetam para meados deste século XXI a conquista da juventude eterna. Talvez não fosse justo tachá-los de alquimistas pós-modernos, nem referir-me a essa anacrônica ressurgência da procura da pedra filosofal. Não, definitivamente não seria digno de minha parte fazer tal afirmação...
A vida se me afigura uma espécie de jogo à vera de esconde-esconde, ao curso do qual fingimos ignorar a sombria realidade que a todos, sem exceção, espreita. E assim, após o breve interlúdio da infância e talvez até, vá lá, da pré-adolescência, entramos na raia onde se travará a corrida contra o tempo. E construiremos então a nossa história, não importa se de grandes ou pequenos feitos, porque, ao cabo das contas, a contabilização de tudo não nos caberá.
Claro que somos o que pensamos, e neste jogo que se chama vida todos jogamos por conta própria, sendo livre a estratégia adotada por cada qual. Há, por exemplo, os que consideram o jogo como um brinquedo, mesmo que só para uso externo, fazendo questão de ostentar o seu modo de viver, uns mediante a exibição de riqueza, outros alardeando seu descompromisso, ou ainda os que tornam a vida uma espécie de passarela para o desfile de fatuidades e vaidades vãs.
Existem, por outro lado, os que se apegam à crença na transcendência do destino humano, cujo desfecho estaria além da cruel realidade da extinção física. E tentam ou conseguem até jogar o jogo como um rito de passagem, ao fim do qual passariam, por assim dizer, de lagarta a borboleta. Trata-se de uma estratégia salvífica, buscando assegurar um paraquedas para o salto no escuro. A estes, salvos sejam!
Aos que, em contrapartida, pensam estar diante de um jogo de antemão perdido, restaria, ao que parece, a danação. Mas não sejamos tão trágicos assim. A vida, meus caros, é para ser vivida, ou mal ou bem vivida, mas vivida em toda a sua plenitude. Claro que se você, por exemplo, fosse um rato (sem conotações rebarbativas, por favor), repito, se fosse um reles rato, ou, se preferir, um cachorro ou um gato, quero dizer, um ser irracional, seria eterno, pois estaria longe das cogitações de seu limitado psiquismo a perspectiva da morte, apenas episodicamente sinalizada se, diante de uma ameaça concreta, seu instinto de autopreservação fosse acionado.
Mas não somos irracionais, embora, a rigor, até nem pareça. Por essa só e simples razão, fomos aquinhoados com a presciência da própria finitude, o que nos condena, quando menos, a cumprir pena perpétua na solitária metafísica de nós mesmos. A menos que você brinque de ser deus — e esta é mais uma das estratégias possíveis neste jogo sem regras que é a vida — à semelhança desses novos magos da cibernética com suas invenções maravilhosas, que acenam para um verdadeiro paraíso terreal. Ou que persiga a fórmula de um mundo novo de inesgotável fruição, como apregoam, com pompa e circunstância, os monopolistas de um venturoso porvir, apostando nas futuras descobertas das ciências e da tecnologia, em crescente e assustadora evolução.
Tudo são placebos, meros pretextos que revestimos para nos distanciar da dura verdade finalística. Existe também o trabalho com o qual ganhamos o pão, as roupas, a diversão e tudo mais que deve compor nossa paisagem pessoal, que se alicerça na segurança da rotina a cuja sombra amamos e procriamos. É na esteira do labor de cada dia que florescem os viciados no trabalho, os workaholics, com o perdão do estrangeirismo de péssimo gosto, que perseguem, como os drogados de qualquer genero, a rota escapista de um simulacro de nirvana artificial — o que também, forçoso é convir, não deixa de ser outro tipo de estratégia, tão "válido" quanto os demais.
Porém — e há sempre um porém — quando chegada a temida hora da perda gradual da vitalidade, a hora da doença grave, da velhice, ou da falência, do desgosto, ou simplesmente a hora h, porque esta sempre chegará, quem terá jogado melhor?
Esta a pergunta que me faço desde que me entendo por gente, e que agora, gentilmente, transfiro para vocês.
Ayrton Pereira da Silva
Postado por Ayrton Pereira da Silva
Em
3/9/2015 às 16h20
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