Houve um tempo em que fingi não me importar. Achava até natural aquela pulguinha me cutucando o cérebro, indo e voltando a todo momento pra nunca me deixar de verdade. Falo sobre o que deve sentir um escritor ao menos um milhão de vezes durante a vida ao esquecer, num relance de distração, a história perfeita que começou a se formar em seu amâgo e morreu antes mesmo de ganhar nome.
Se o defunto tivesse lugar no cemitério da memória tudo bem, mas não! Insiste em virar fantasma para nos atormentar com seus resquícios do que podia ter sido um conto genial dos últimos tempos da última semana. Sempre pensamos isso ao amargar a perda. É impossível! Não acontece só comigo de perder aquela frase perfeita que quando chega até o papel, deixou verbos de ligação pelo caminho e ficou incrívelmente estranha. Sempre tem alguém pra dizer que ficou ótima, mas você sabe bem lá no fundo que quando pensou não era assim que soava.
Como pode ser possível tal castigo? E quando achamos a frase perfeita na boca de outro e pensamos de imediato que poderia ter sido nossa... Era nossa! Ele roubou... Enfim, amo o que faço com seus infernos e céus. Pois não escolhemos escrever, apenas acontece num belo dia, ao transformarmos ideias em frases, frases em histórias, histórias em cenas ou o processo contrário. Não importa, abençoado é o escritor com seus momentos de purgatório e graça, realizando secretamente desejos e visitas a mundos improváveis para os quais não fomos convidados, rompemos em invasão.
Por isso todos os dias neurótica, frustrada e abençoada eu acordo, levanto e observo... Sento, penso e escrevo um pouco mais.