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Sexta-feira,
2/10/2015
À sombra da minha irmã
Luís Fernando Amâncio
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A julgar pela Bíblia, ter irmãos não é nada fácil. Os primeiros que habitaram a Terra foram os filhos de Adão e Eva. Caim foi possuído por ciúmes, uma vez que sua oferenda a Deus foi recusada e a de Abel, bem recebida. O rejeitado armou uma emboscada para o irmão mais novo e realizou o homicídio inaugural da humanidade. Também nas escrituras há ciúmes entre irmãos na Parábola do Filho Pródigo. Nela, o irmão caçula pede a herança do pai e extrapola na farra. Após torrar o dinheiro com bebida e mulheres, ele volta arrependido para casa e é recebido de braços abertos pelo pai. O irmão mais velho, porém, fica incomodado - por que o pai festejava o retorno do filho pródigo e para ele, disciplinado e presente, nem um brinde tinha?
Há outros exemplos, na Bíblia e na história contemporânea, vide a eterna desavença entre os irmãos Gallagher, do Oasis. Convenhamos, é uma situação que tende a ter seus incômodos. O primogênito sempre se queixará de dividir a atenção dos pais com o irmão que chega. Este, por sua vez, se sentirá prejudicado ao ser medido pelos êxitos e fracassos do mais velho.
Eu sou filho caçula e posso advogar pela causa da categoria: não é fácil. Sobretudo porque minha irmã veio ao mundo elevando os padrões e chamando o protagonismo para si. Na vida escolar, eu era acompanhado do rótulo "irmão da Maria Angélica". Minha irmã desenhava bem, escrevia melhor ainda, tinha notas altas nas disciplinas, era bonita e carismática. De mim, esperava-se o mesmo - exceto pela parte da beleza, pois era notório que essa batalha eu já havia perdido.
Meu erro talvez seja ter feito escolhas parecidas com as delas. Seria mais fácil ter sido uma antítese da irmã mais velha e evitado as inevitáveis comparações. Eu deveria ter focado na matemática ou encarnado a rebeldia do James Dean... Mas não. Eu também era estudioso (o que na nossa escola era um grande diferencial) e escrevia. Não por acaso fizemos cursos de graduação parecidos, ela Letras, eu, História. Mas o que era realmente frustrante era que, não importasse quão bom eu fosse, minha irmã havia impressionado primeiro.
Como o leitor pode ver, há ingredientes suficientes nessa história para fomentar uma acirrada rivalidade. O ki-suco ferveria na Bíblia por muito menos. Existe uma tendência em nossa cultura de transformar tudo em competição, como se ter um rival fosse o que nos impulsionasse para frente. Desde Senna e Prost, Beatles e Rolling Stones a Ash e Gary, de Pokémon.
Na minha casa, a situação foi outra. A fraternidade nos fez apoiar um ao outro. A rivalidade entre nós se resumia aos jogos entre São Paulo e Corinthians. Festejar os êxitos da minha irmã mais velha foi bem melhor do que invejá-los. Tem sido muitas festas ao longo dos anos. E, embora em alguns momentos crescer à sombra dela possa ter me incomodado um pouco, eu logo percebi que andar pela sombra é bem mais fresco.
A verdade é que eu tenho uma ótima irmã. Dialogar com ela desde que cheguei ao mundo foi fundamental em minha formação. Sinto muito, leitores, vocês não saberão o que é ser irmão da Angélica Amâncio (o "Maria" caiu após os tempos escolares). Mas vocês podem conhecê-la como poetiza. Amanhã, 03 de outubro, ela lançará o livro Adagio ma non troppo e outras canções sem palavras (Editora Multifoco, 2015). O evento será na Biblioteca Infantil e Juvenil de Belo Horizonte (Rua Carangola, 288), de 10h às 13h. Para quem não puder comparecer, fica o aviso de que o livro é muito bonito e está à venda AQUI
Postado por Luís Fernando Amâncio
Em
2/10/2015 às 12h40
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