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Sexta-feira,
9/10/2015
Por trás das sombras
Cassionei Niches Petry
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Ser invisível é uma arte, principalmente para quem escreve. O escritor pratica a literatura para tirar as pessoas da letargia, mas, muitas vezes, não encontra leitores que o leiam, tampouco vê suas ideias repercutirem. Por conseguinte, ele se fecha no seu mundo, tornando-se mais invisível ainda. Não é o caso de Paul Auster, escritor de renome, cuja obra sempre desperta interesse, seja através de comentários favoráveis, seja através de críticas severas. Seus livros não deixam ninguém indiferente.
Ele sentiu também, no início da carreira, a sensação de que ninguém o lia, como retratou em Da mão para a boca, sua autobiografia, e colocou um pouco disso no personagem do romance Invisível (Companhia das Letras, tradução de Rubens Figueiredo, 280 páginas). Adam Walker é um aspirante a escritor e tradutor de poetas franceses, assim como foi Auster. No início da narrativa, o vemos em Nova York, na primavera de 1967, mais precisamente na universidade de Columbia, onde estuda Literatura. Lá, encontra o professor francês Rudolf Born e sua namorada Margot. Ansioso por alavancar sua carreira, aceita a proposta de Born para criar uma revista literária bancada por este, não sem antes se envolver com sua mulher. É o inicio da caminhada, como denota seu nome (walker é andarilho, em inglês), em direção ao inferno pessoal. Assim como Dante, que tentou encontrar Beatriz no Inferno da Divina Comédia (aliás, Born é sobrenome de um poeta que aparece, na obra de Dante, segurando sua própria cabeça decepada ) ou Orfeu, que buscou Eurídice no mundo dos mortos, Walker não mede esforços para ser alguém.
Essa descida ao inferno é narrada em um manuscrito inacabado que chega, 40 anos depois, às mãos do escritor James Freeman, ex-colega de Adam na universidade. Nesse inferno, aparece o assassinato cometido por Born, que ficou impune. O episódio afastou Walker do professor e incutiu-lhe o desejo de lutar contra as injustiças, levando-o a estudar Direito ("Adeus, literatura. Bem-vinda a realidade sensível.") É doloroso para ele também lembrar o caso incestuoso com sua irmã, Gwin, aliás, um dos momentos mais bem escritos por Auster, ao descrever com sensibilidade a cena de sexo entre os dois. O relato autobiográfico é uma tentativa de prestar contas com esse passado e com ele próprio, pois pior do que ser invisível para os outros é ser invisível para si mesmo.
Os ingredientes costumeiros da literatura de Paul Auster estão mais uma vez no cardápio: personagens escritores, o acaso, Nova York, Paris e narrativas dentro de outra narrativas. O cinema, da mesma forma, marca presença (lembrando que Auster é roteirista e diretor também). As citações cinematográficas, além de contribuir para a interpretação das histórias, instigam o leitor a procurar apreciar as obras mencionadas. No caso de Invisível, o filme A palavra, de Carl Dreyer, assistido pelos irmãos num dado momento, é uma ótima sobremesa. Como na película de Dreyer, o romance de Paul Auster é um jogo de claro e escuro, pois deixa para o leitor a tarefa de procurar a luz e desvendar, através das sombras, o que está invisível no enredo.
Postado por Cassionei Niches Petry
Em
9/10/2015 às 14h50
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