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Sábado,
10/10/2015
Mês de outubro - vamos refletir sobre paternidade?
Sonia Regina Rocha Rodrigues
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Um litro de continental
(conto integrante do livro
É suave a noite)
- Afinal, o que é que vai levar?
_Já disse, um litro de Continental.
_- Freguês, decida-se. Vai o leite ou vai o cigarro?
- Acho que arregalei os olhos de surpresa. Desde a tarde anterior eu estava doido por uma tragada.
Naquela manhã eu estava tão desesperado para fumar que nem café tomei. Empurrei Míriam com brutalidade quando ela veio dizer que acabara o leite e pedir para inteirar uns trocados para a mamadeira. Virei bicho.
Nosso dinheiro é guardado em uma caixa, cada centavo cuidadosamente separado: para aluguel, luz, condução, meus cigarros, feira, gás, o leite do bebê e o resto sai do salário dela. Nada mais justo, já que o moleque é dela. Quando ela veio morar comigo, já estava de barriga.
Eu disse a ela que se virasse, pois se o dinheiro do leite acabara, ela o gastar em alguma outra coisa. Se ela não sabe cuidar do dinheiro, azar dela.
Eu era assim, grosso, estúpido - um ignorantão. Mas eu estava cheio de razão. Levanto de madrugada, me ralo de trabalhar, tenho direito a meu prazer, não é certo?
Assim convencido, e doido para fumar, respondi ao homem no balcão:
_Vai o leite.
_E o cigarro?
_Parei.
Minha voz estava baixa e triste. Que diabos! Eu queria e muito uma boa tragada!
Voltei para casa confuso, sentindo-me leve. Entrei na cozinha e falei:
_Taí o leite do menino.
Então pequei o bacorinho no colo e foi como se o visse pela primeira vez.
A voz da companheira saiu engasgada e tímida:
_Não carecia. O menino não é teu.
_Deixe de falar bobagem, mulher. Pai não é quem faz, não, é quem cria.
Deitei o menino no berço e fui buscar o resto do dinheiro do cigarro. Coloquei o rolo de notas em cima da mesa e expliquei:
_Este dinheiro aqui é para leite, fruta e alguma coisinha de que nosso filho precise.
Míriam mexia o mingau no fogão muito quieta, de olhos fixos na colher de pau.
_Sabe como é, mulher, já que eu vou fazer isso, é melhor fazer direito. - eu estava gaguejando, e aí saí-me com esta doideira - Eu faço questão de dar bom exemplo, e comecei hoje, parando de fumar.
Já se passaram três anos e eu nunca mais fumei. E quer saber? Foi a partir desse dia que eu acertei na vida.
Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
Em
10/10/2015 às 20h24
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