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Quinta-feira, 22/10/2015
Ecletismo Musical
Guilherme Carvalhal
+ de 1700 Acessos

Dia desses ouvi uma pessoa fazer o seguinte comentário sobre música

- Sou eclética. Gosto de tudo. De funk, de pagode, de sertanejo, de pop rock.

Achei curiosa essa autoafirmação de ecletismo, principalmente pelos gostos afirmados. É uma listagem bem convencional, sustentando uma cultura musical ditada por meios de comunicação de massa e que por princípio deixa de fora uma grande quantidade de estilos que não se encaixam nos padrões comerciais. Acaba sendo algo como "gosto de tudo, excetuando as coisas de que não gosto".

Esse tipo de posicionamento tende a evidenciar algumas construções que temos, principalmente, a tentativa de almejar um gosto vasto, mas que apenas demonstra o quanto estamos distantes de conhecer aquilo que esteja um tanto mais além do nosso alcance. Fomos acostumados a um modelo musical peculiar, normalmente tendendo para o mais simplório e facilmente absorvível, e dificilmente aquilo que fuja desse lugar comum consegue se tornar palatável.

Estamos aptos a absorver uma produção musical culturalmente distante? Temos disposição para ouvir highlife da Nigéria, a orquestra Marimba de Concierto de Bellas Artes da Guatemala ou música tradicional japonesa? Ou nossos ouvidos apenas se manterão restritos a uma pequena parcela de tudo que a humanidade consegue ser capaz de produzir?

Nosso modelo de divulgação musical, que ganhou enorme propulsão após a criação de tecnologias que a alçaram mais longe juntamente a um esforço dos meios de comunicação na modelagem de gostos, não criou uma capacidade de capilarização, mas apenas de limitação. Esse novo modelo, que poderia parecer promissor, não se desvinculou do estilo imperialista reinante, criando uma globalização onde há poucos globalizadores e muitos globalizados.

Atualmente recebemos uma enxurrada de conteúdo estrangeiro, que afeta diretamente nossa percepção sobre nós mesmos enquanto nação e sociedade. O espaço da música brasileira acabou influenciado, tanto recebendo influências positivas quanto negativas. Podemos nos orgulhar de música de boa qualidade influenciada pelo jazz e pelo rock ou podemos esconder a cara de vergonha diante da tentativa de reproduzir em terra brasileira determinadas expressões artísticas que são bastante sofríveis. É até curioso pensar que houve cantores brasileiros atendendo por nomes como Michael Sullivan, Mark Davis e Tony Stevens.

Não podemos deixar de pensar que toda essa situação é fruto de uma relação mercadológica. Essa via é dupla, na qual a indústria compreende o que o público espera e ao mesmo tempo influencia suas expectativas. O indivíduo influencia e é influenciado, não se podendo precisar se ele é mais uma marionete de uma estrutura maior que ele próprio ou se é gerador dos próprios gostos.

Se imaginarmos uma pessoa brasileira de 70 anos atrás, suas preferências musicais provavelmente seriam vinculadas a uma tradição musical brasileira, com algumas influências externas que permeiam o Brasil desde tempo anteriores, como valsa ou polca. À medida em que começou o processo de globalização, esse panorama começou a mudar e mais e mais nos vemos envolvidos por influências de fora.

Certa vez li sobre uma pesquisa que apontava que apenas 1% da população do Brasil já havia assistido a um concerto de música de câmara (ou música clássica, apesar de eu achar esse termo sofrível). Comentei isso com um amigo estudioso de cultura popular e ele falou quanto seria se contabilizássemos o contato com expressões culturais nacionais. Quantos de nós já assistiram a uma apresentação de baião ou de música gauchesca? O quanto conhecemos de música indígena ou de viola caipira?

Vivemos um modelo social em que a própria concepção de nação se tornou difusa, e isso falando de um país construído em um processo que nunca deixou claramente definido o que vem a ser povo brasileiro. Essa fragilidade de laços que nos unem gera uma incapacidade de valorizar a própria cultura e cria um tereno fértil para perda da própria identidade.

Ecletismo em um mundo de tanta variedade cultural é mais uma cenoura à frente do burro a instigar uma movimentação do que algo que se possa realmente alcançar. Há mais do que uma vida inteira possa conseguir alcançar e apenas uma mínima parcela do todo nos é ofertada no cotidiano. Talvez nos considerarmos eclético possa mostrar apenas o outro lado, o tanto que nós ainda não conhecemos.


Postado por Guilherme Carvalhal
Em 22/10/2015 às 16h24

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