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Sexta-feira,
23/10/2015
No sinal fechado
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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No cruzamento da avenida, o enorme painel marcava 35 graus. Dava para ver a bruma de calor que subia entre os vãos do asfalto. De repente o sinal fechou e um motoqueiro parou ao meu lado. Trazia na garupa uma moça magra. Danaram a falar tão alto que dava para ouvir de dentro do carro. Quanto tempo dura um sinal fechado? Firmei o rosto para frente e encarnei Simeão Estilita, aquele santo que viveu meditando, imóvel e calado, no cimo de uma coluna de pedra. Mas meus ouvidos permaneceram atentos. Nunca gostei de ouvir conversas alheias, mas não tive escolhas, era como se o casal estivesse sentado no banco traseiro do meu carro. Discutiam a relação. Sinal fechado lá é lugar de discutir a relação? Tenho a habilidade nata da visão lateral, consigo enxergar as coisas do meu lado como se estivessem de frente. Pude perceber que a moça tinha os olhos amendoados e os cabelos finos, ligeiramente castanhos, que escapavam na testa e desfilavam no sopro do vento. Dele só percebi a gota de suor escorrendo pela testa ampla. A moça reclamava de traição, enquanto ele retrucava, a chamando de ciumenta. Num dado instante, ela ameaçou descer da moto. Conteve-se, ergueu a cintura, ajustou o corpo para trás e mordeu o dedinho róseo; meio brejeira, encabulada. Depois prendeu as pernas perto do escapamento e se segurou no banco da moto. Os braços finos e frágeis, ganharam um estranho vigor. O vento bateu mais forte e ela soprou com raiva a mecha de cabelo do canto da boca. Manteve o corpo ligeiramente jogado para trás, não queria mais abraçar o companheiro. E nada do sinal abrir. Retomaram a discussão no exato instante que uma chuva repentina caiu de fininho, e eu, que nunca rezo, rezei para chuva aumentar, no desejo de mais nada ouvir que não fosse o barulho da chuva. Para meu desalento, era nuvem passageira e logo a discussão retornou. Um malabarista passou perto deles jogando ao ar sete bolas coloridas e tentei prestar atenção apenas no malabarista, mas o motoqueiro estava tão enfezado, que gritou um impropério, fazendo o malabarista perder a concentração. As bolas se esparramaram pelo asfalto. "Ciumenta!" gritou em meio a gestos descompassados. Depois respirou fundo, afrouxou os ombros e num ato repentino, acelerou a moto sem sair do lugar. O semáforo prosseguia fechado. Os olhos crispados da moça ganharam um vermelho de cólera. A luz do sol brilhou, mostrando parte do rosto do rapaz zangado, a barba fina que se deixou mostrar levemente, enquanto mantinha o pé apoiado no asfalto, de novo acelerando sem sair do lugar. Dela só se ouvia murmúrio, salgado feito a lágrima que ela se esforçava reter, perdida na imaginação de atitudes e decisões que não poderia adiar. Então olharam para mim, os dois, ao mesmo tempo. Congelei por instantes. O sinal abriu. Apertei o acelerador permitindo que um som imaginário, bem próximo da quinta sinfonia de Beethoven, me invadisse como se fosse a trilha sonora de um filme de suspense. Sina de escritor: O sinal verde foi a deixa para que na minha cabeça personagens começassem a caminhar: a moça ciumenta, o jovem enfezado que acelera a moto sem sair do lugar, fazendo marcas no asfalto, ligeiramente molhado por águas de uma chuvinha passageira, espalhando no ar luzes coloridas, que formaram um pequeno arco-íris. Virei na outra esquina, o casal seguiu em frente. Restaram as luzes do arco-íris, formando um mosaico de cores, tão fantasticamente belo que nem toda a ira do mundo foi capaz de apagar.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
23/10/2015 às 18h26
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