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Sábado,
31/10/2015
No final do telejornal tinha um poeta...
Cassionei Niches Petry
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(Texto publicado originalmente em 2012)
Nos primeiros dias das minhas aulas de literatura, trabalho com os alunos a leitura e interpretação de um poema de Carlos Drummond de Andrade, o "Cota Zero", publicado no seu primeiro livro. Lembro a eles a importância desse poeta, o maior da nossa literatura, o que é comprovado pelo espaço que lhe foi dado no Jornal Nacional quando do seu falecimento em 1987. O burocrático programa, bem diferente do que é hoje, não foi encerrado com o famoso "boa noite" de Cid Moreira, mas com uma declamação do poema "José", na voz peculiar do então âncora do telejornal.
A obra do autor dos versos "No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho" está sendo reeditada pela Companhia das Letras. Vamos nos deter em dois de seus livros de poemas.
A rosa do povo, de 1945, é um livro de temática social bastante acentuada, sem ser, no entanto, panfletário. Escrito durante a Segunda Grande Guerra, expressa as angústias do homem e a posição do poeta frente aos problemas do mundo: "O mundo não acabou, pois que entre as ruínas/outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora". Em "Consideração do poema", que abre o livro, o eu lírico (a voz do texto poético, o equivalente ao narrador na prosa) diz que seu canto quer atingir as pessoas comuns ("Tal uma lâmina,/o povo, meu poema te atravessa"), não os eruditos, como expressado em "Carta a Stalingrado" ("A poesia fugiu dos livros e está agora nos jornais"). O livro aborda um tempo em que os homens se dividiam em ideologias ("Este é tempo de partido/tempo de homens partidos"), numa possível crítica à ditadura de Vargas e ao nazifascismo da época. No entanto, não são apenas as inquietações sociais que são abordadas, mas também, como lembra Francisco Ashcar, há outros temas presentes no livro, assim como em toda a obra de Drummond: a existência e a própria poesia.
Claro enigma, de 1951, deixa de lado as preocupações com a atualidade vistas em A rosa do povo. "O poeta cruza os braços", escreveu Salviano Santiago. Aqui, são as questões existenciais que prevalecem, principalmente as contradições inerentes ao humano, como bem denota o título. Seriam os enigmas da vida tão claros, mas não os percebemos, ou seriam as coisas simples da vida tão claras que se tornam enigmáticas? Aqui, o eu lírico reflete sobre o amor ("Que pode uma criatura senão/entre criaturas, amar?), sobre a culpa ("Não amei bastante o meu semelhante/não catei o verme nem curei a sarna"), sobre a morte ("As paredes/que viram morrer os homens, /... /que viram, reviram, viram/já não veem. Também morrem") e sobre o ser e o tempo ("enquanto o tempo, em suas formas breves /ou longas que sutil interpretavas/se evapora no fundo de teu ser?"). O que parece tão simples na nossa vida são mistérios que o poeta quer desvendar. A poesia, porém, mais pergunta do que responde. O eu lírico somente questiona. Cabe ao leitor a resposta, se a tiver.
Dois livros aparentemente tão contraditórios mostram um poeta insatisfeito, inquieto — não por acaso um ensaio do crítico Antonio Candido sobre o poeta de Itabira chama-se "As Inquietudes da Poesia de Drummond". São, por isso mesmo, um convite para conhecer a obra poética do autor, convite impresso numa das estrofes de "Procura da poesia", com um alerta, no entanto, de que a chave para a interpretação está com quem lê: "Chega mais perto e contempla as palavras./Cada uma/tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/pobre ou terrível, que lhe deres:/Trouxeste a chave?"
Postado por Cassionei Niches Petry
Em
31/10/2015 às 09h18
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