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Terça-feira,
3/11/2015
Comentaristas de Seriados
Guilherme Carvalhal
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Uma máxima popular sempre disse que futebol, religião e política não se discutem. Contrariando essa sabedoria, as redes sociais contam com debates acalorados sobre esses três temas e não é raro que o debate se torne uma verdadeira briga.
O modelo de redes sociais gera uma relação diferenciada no que diz respeito a manifestação de opiniões. Opinar acaba se tornando algo quase sagrado e um comentário despretensioso pode render debates e até gerar desafetos. Isso é fruto dessa nova vida de mão dupla, a de pessoas que nunca opinaram e conseguem colocar seu ponto de vista em uma plataforma capaz de repercutir e de leitores que se deparam com visões diferentes e que muitas vezes não possuem uma estrutura adequada para compreender o outro. Vale lembrar que uma opinião que entre em um ciclo privado é aceitável, fora de contexto pode ganhar conotações. Chamar aquele amigo de gordo, que ele próprio leva na brincadeira, pode se tornar ofensivo ao ser visto por pessoas fora desse ciclo.
Uma nova modalidade que surge nesse meio de comunicações virtuais é a do comentarista de séries. Nunca dar palpites sobre essas obras se tornou tão relevante, ganhando conotações mais elaboradas e até dando origem a jornalistas especialistas em séries. Uma série de televisivo não é meramente encarada apenas como um da indústria cultural. Ganhou status de algo mais nobre e denso, até reflexivo.
Assistir e ser fã de série não é uma novidade. Twin Peaks e Star Trek contou com seus grupos de fanáticos antes mesmo que a possibilidade de emitir comentários online existisse. O diferencial hoje em dia está na ampla repercussão de seriados, havendo uma possibilidade muito maior de se captar fãs e de se gerar repercussão com o que se apresenta ao espectador.
Um ponto fundamental foi a melhoria de padrão de qualidade que elas tem recebido nos últimos anos. Se em tempos passados seriados eram chamados de enlatados por causa dos roteiros repetitivos e do eterno mais do mesmo, nos últimos anos o padrão tem mudado. Uma qualidade digna de cinema tem sido dada a muitas profissões e o nível de roteiros tem sido alto, com direito até a adaptações de livros para as telinhas.
Aos poucos temos notado que a indústria de seriados tem atropelado a de cinema (obviamente no que se refere à indústria cinematográfica e televisiva dos Estados Unidos). Poucos filmes tem tido uma repercussão tão grandiosa como em alguns tempos atrás e até mesmo as obras de cinema tem tido seu enfoque no formato seriado (vide a Marvel que incluiu suas séries na cronologia dos filmes). A atuação de Matthew McConaughey em True Detective superou a de muitos filmes e o desfecho de Breaking Bad foi digno de obras marcantes.
Pelas redes sociais, temos notado que, assim como em dias de jogo da Seleção todo mundo tem um pouco de técnico, com relação a séries muita gente tem mostrado seu lado Rubens Ewald Filho. Foram as brincadeiras com o portunhol de Wagner Moura em Narcos ou então a repercussão sobre a morte de John Snow em Game of Thrones. Aliás, boa parte dos seriados nem tem mais seus títulos traduzidos para o português. Coisas da modernidade.
O comentarista de seriado tem se tornado um dos mais relevantes nas mídias sociais. É um pouco a ideia da Inteligência Coletiva que Pierre Levy aborda em seus livros, uma capacidade de se fomentar ideias e opiniões através da interação pela via digital. Tanto que informações de seriados estão disponíveis aos montes pelas redes: se fosse duas décadas atrás, teríamos uma revista impressa apenas falando sobre séries de TV. Ou talvez o nível de aficionados não atingisse tal nível sem a internet.
Pesquisas por algumas plataformas mostram bastante isso. No Twitter os fins de temporada sempre entram para os assuntos do momento. Blogs sobre esse tema surgem aos montes e em conversas do dia a dia chavões de seriados se tornam comum. Até mesmo a grande imprensa tem rendido parte de suas publicações a essas produções.
Mesmo que o aumento da qualidade tenha levado os padrões a um patamar elevado, é preciso lembrar que, mesmo que possamos colocar séries como uma produção cultural, sua produção atende a interesses financeiros de grandes empresas, e isso afeta diretamente no conteúdo. Tanto é que boa parte dos seriados tem enredos repetitivos: policiais caçando bandidos, comédia românticas, elementos sobrenaturais, etc. Então o apreço está correlacionado com uma ótica de mercado? O interesse por seriados é semelhante à apreciação de um texto de Shakespeare ou ao frissom quando a Nike lança um novo tênis?
O Brasil começa a ter uma geração que majoritariamente cresceu em um ambiente globalizado. Temos um sociedade que se acostumou a viver em sociedades urbanas e para quem as tecnologias da informação fazem parte do cotidiano. Os nativos digitais, que passaram a infância na companhia de celulares, computadores e video-game chegam à vida adulta e se tornam voz ativa. Então temos um grupo que foi moldado por um regionalismo/nacionalismo menos presente e que absorve com muita naturalidade cultural exterior (e eu mesmo faço parte dessa geração).
Os comentaristas de seriados são um viés de bastante volume dessa situação social, de um grupo conectado pelas redes sociais que expressa um interesse comum e seus pontos de vista. São um fruto de um mundo globalizado, no qual os Estados Unidos são o principal produtor cultural e estabelecem os gostos a serem seguidos pelos demais países. O recebimento e a absorção desse conteúdo não é novidade. O que temos de novo é o espaço de interação, que gera mais e mais interesse através da troca de informação entre os usuários.
Postado por Guilherme Carvalhal
Em
3/11/2015 às 14h19
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