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Quinta-feira,
5/11/2015
O homem que cochila
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Na sala de espera da oficina mecânica, me vejo sentado de frente a um casal. A mulher está aflita. É o que dizem os joelhos que tremem e as mãos que a cada minuto passeiam pelo rosto de pele clara. O marido, ao contrário, é daqueles que sabem esperar. Consigo perceber toda a calma do mundo em seu rosto redondo. Depois de me lançar um breve olhar de aceno, ele ajeitou o corpo obeso no sofá e no instante seguinte já estava cochilando. Sou uma pessoa de invejas tolas, de coisas sem muita importância, como essa capacidade que algumas pessoas têm de simplesmente fechar os olhos e cair num sono leve. Sou incapaz disso. Só consigo dormir com o corpo esticado e a cabeça pousada num travesseiro, se tiver outro travesseiro que eu possa colocar em meio às pernas, melhor. Indiferente ao meu pensamento navegante, o homem consegue roncar, para desassossego da mulher, que olha para ele de um jeito sem palavras, acostumada com a cena. Ela balança a cabeça negativamente, como se para aquele mal, não houvesse solução que não fosse se conformar. O cochilo foi breve, de repente ele acordou, olhou para os lados, com olhos murchos dos recém acordados e baixou a cabeça ao perceber que tinha dormido sem sentir e que o sono breve lhe trouxe o conforto do sonho leve, daqueles que desejamos a todo custo dormir novamente e retornar no exato ponto onde parou. O barulho do ronco dá uma esticada no exato instante que a mulher lhe deu um cutucão de desaprovação. Os olhos se abrem lentamente, caindo aos poucos da pestana pesada. Ele novamente não se mostrou nem um pouco incomodado, já ajeitando novamente o corpanzil no sofá. Bocejou, olhou para mim e logo depois desviou o olhar. Retirou do bolso o frasco de um colírio. Não se incomodando com as pessoas à sua volta, muito menos com meu olhar de surpresa, arregalou os olhos vermelhos o quanto pode e neles pingou diversas gotas do colírio. Sem perceber, acabara de executar outra tarefa que sou incapaz de realizar: jamais consegui usar colírio sem o auxílio de outra pessoa, e sempre pisco na hora que a gota está prestes a cair. E desabou para o lado num novo cochilo, dessa vez completamente relaxado, as pernas esticadas, a barriga que tentava escapar entre os botões da camisa. A mulher ficou minutos olhando para ele, sem mexer sequer um músculo do rosto. Quando olhou para mim, fez sinais de desaprovação com a cabeça e se levantou para se servir de café. O sujeito que cochilava percebeu o caminhar da mulher. Era uma espécie de sinal de alerta, assim que ela deu os primeiros passos, ele acordou, dessa vez disposto a abandonar o cochilo. Sorriu para mim, despachado. Era um rosto inchado, repleto de riscos de cansaço. A mulher colocou algumas gotas de adoçante no café que bebeu, em seguida, num gesto automático, encheu outro copo com açúcar e café e trouxe até o marido, que bebeu tudo em poucos segundos. Era a terceira tarefa que o homem que cochilava realizara e que eu não posso fazer, já que açúcar é, para mim, sinônimo de veneno. O atendente chamou meu nome e fui buscar meu carro. Ao sair, voltei meus olhos para a sala de espera, só para constatar, só para ter certeza: com os braços cruzados sobre a barriga, o homem novamente cochilava num descabido impudor.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
5/11/2015 às 10h12
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