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Sábado,
14/11/2015
As duas facetas da eternidade
Sonia Regina Rocha Rodrigues
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A mulher mais velha do mundo completou 117 anos. Ela mora em um asilo e precisa de ajuda para levar o alimento à boca e, mesmo assim, afirma que a vida é muito curta, segundo informa o jornal. Fico desconfortável com a notícia e descubro que não quero viver até depois dos cem anos. Mais quarenta anos de solidão, em um mundo onde estão no comando idiotas e equivocados, e onde os que lutam pela justiça são, com frequencia, silenciados pelo assassinato? Não mesmo!
Sócrates, aos 80 anos, dizia estar feliz por morrer entre amigos, como um homem justo e honrado, e que não via sentido em fugir, para levar uma vida em que não houvesse mérito e honra.
Swift, em seu livro Viagens de Gulliver, descreveu uma terra onde, vez por outra, nascia um imortal. Esse ser infeliz era afastado da sociedade ao envelhecer para viver em cavernas distantes, assolado por doenças degenerativas e dores excruciantes.
Aquiles, aos 18 anos, confrontado com a escolha entre uma morte gloriosa e uma vida covarde nem pestanejou: preferiu viver e morrer como um herói,
Enfim, cada um faz da vida o que melhor lhe apetece. O mesmo não se pode dizer da morte, que muitas vezes acontece entre tubos e fios das UTIs,, esses infernos modernos, dignos da pena de um Dante. Nossos hospitais teriam causado delírios em Swift, que neles colocaria ses sofredores imortais para serem ali torturados.
Para a boa morte não encontro outra definição que a de morrer dormindo. Imagino Maria José Aranha de Resende, abençoada em seu sono, despertando em um jardim cheio de rosas e rodeada por poetas a dar-lhe as boas vindas.
- Estou sonhando, que sonho bom - diria ela.
- Nada, agora é que estás acordada. - diria Vicente de Carvalho - O sonho acabou.
Assim eu vejo a vida: um sonho. No Brasil, muitas vezes, um pesadelo. Não compreenderei jamais o desespero com que se agarram à vida os mais desgraçados e mais desamparados seres desse planeta.
Nos leitos hospitalares contemplei muitos moribundos. Nos olhos do quase morto há ou terror ou alegria. Há os que se agarram à matéria, há os que antecipam a recompensa dos justos, há os que serenamente aguardam que se desvende o mistério, a respeito do qual a neurociência prudentemente hesita em se manifestar.
Tenho de concordar com Alarcón, quando coloca, em seu O amigo da morte, essas palavras na boca da Indesejada: "Se os homens sofrem, não é por mim, é antes pela minha inimiga, a vida, que os transtorna. Eu trago a paz."
Peço a Deus, diariamente, que me contemple com a boa morte. Se um dia meu nome constar do Livro dos Recordes, que não seja por ser a mulher mais velha do planeta, confinada a um asilo, comendo pelas mãos de outro.
Trato de aproveitar sabiamente a vida, ao modo de Salomão, que optou pelo conhecimento. Só lamento não ter sido, como o rei, contemplada com tudo o mais "por acréscimo". Uns milhõeszinhos a mais e um companheiro de jornada tornariam o caminho mais divertido.
Não tenho a ilusão de deixar algo para a posteridade. Ideia de gente vaidosa, já que o destino do sistema solar é ser engolido por um buraco negro.
Uma vida digna coroada por uma morte igualmente digna, esse é o meu desejo. Depois, tudo será uma festa. Ou nada.
Texto classificado em primeiro lugar em Crônica no Concurso Contemporânea de Literatura 2015.
Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
Em
14/11/2015 às 18h39
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