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Terça-feira,
17/11/2015
Ode ao indivíduo, ódio ao coletivo
Cassionei Niches Petry
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Ayn Rand (1905-1982), filósofa norte-americana de origem russa, escreveu toda obra literária — que inclui A nascente e A revolta de Atlas — para propagar sua filosofia, que se destaca, entre outros temas, pela crítica ao comunismo. Talvez por isso ela tenha se tornado mentora dos neoliberais e sua obra é desprezada pela intelectualidade, cuja maioria é de esquerda.
O romance Cântico, publicado em 1938 e recém-lançado por aqui pela Vide Editorial (com tradução de André Assi Barreto), é ambientado numa sociedade no futuro em que foram abolidas as palavras "eu" e "tu", bem como tudo que se refere à primeira e à segunda pessoa do singular. Em quase todo o romance, menos nos capítulos finais, os personagens falam no plural. Diz o protagonista no seu diário: "Nosso nome é Igualdade 7-2521, como está escrito no bracelete de ferro que todos os homens usam em seus pulsos esquerdos. Temos vinte e um anos." Tudo é decidido pelos conselhos e o lema é: "Somos um em todos e todos em um. Não há homens, mas somente o grande NÓS. Uno, indivisível e para sempre." Nesse ponto, há semelhanças com uma das obras fundadoras da literatura distópica, o romance Nós, do também russo Yevgeny Zamyatin, que certamente deve ter inspirado a escritora.
Trabalhando como varredor, de acordo com a ordem do Conselho de Vocações, Igualdade 7-2521 encontra um túnel onde há objetos abandonados, entre os quais lápis e papéis que o permitem escrever o diário. Por acaso, descobre a eletricidade e consegue acender uma lâmpada. Notem que ele não conhecia esse processo, visto que na sociedade em que vive a luz é proporcionada apenas por vela. Seria a luz na escuridão do túnel a metáfora da busca pelo conhecimento? Ele leva a lâmpada para o Conselho dos Estudiosos, mas é condenado por ter feito uma descoberta sozinho, pois nada realizado fora do coletivo deve ser aceito. Ao tentarem prendê-lo, ele escapa para um bosque, junto com Liberdade 5-3000, uma campesina por quem era apaixonado.
Um dos momentos mais interessantes acontece quando os dois encontram uma casa no final do bosque. Acham-na diferente de todas as outras: é pequena, com apenas uma cama em um quarto, visto que estavam acostumados com dormitórios coletivos. Uma das salas, porém, mudaria suas vidas: "Encontramos uma habitação com paredes feitas de estantes, que continham fileiras de manuscritos desde o piso até o teto. Nunca havíamos visto tal quantidade, nem de uma forma tão estranha. Não eram leves nem estavam enrolados, tinham capas duras de tecido ou coro; as letras de suas páginas eram tão pequenas e parelhas que ficamos assombrados com estes homens que tinham tal caligrafia. Demos uma olhada e vimos que estavam escritos em nossa língua, mas encontramos muitas palavras que não podíamos entender. Amanhã começaremos a ler estes escritos."
Eles desconheciam os livros, mas não a língua. E na leitura encontraram a palavra proibida: EU. Os capítulos finais justificam o título, pois o protagonista, que passa a se chamar Prometeu — o mortal que na mitologia grega roubou o fogo dos deuses e o entregou aos homens, causando a fúria de Zeus — escreve, agora na primeira pessoa do singular, um hino ao indivíduo. Eis um trecho: "Qualquer que seja o caminho que tome, a estrela que me guia está em mim; a estrela e a bússola que assinalam o caminho apontam somente em uma direção. Apontam até mim."
Nossa sociedade não é muito diferente da descrita por Ayn Rand: ouvimos frases como "tudo pelo social" ou "temos que pensar no coletivo"; os governos criam conselhos reguladores; os livros como fonte de conhecimento estão sendo abandonados; falar em nome de uma coletividade é visto como atitude de grandeza; e em uma dissertação de mestrado, por exemplo, não é aconselhável o uso da primeira pessoa do singular. Pelo menos nós ainda temos liberdade de nos expressarmos individualmente, mesmo correndo o risco de sermos taxados de reacionários ou insensíveis. Não concordam CONOSCO?
Postado por Cassionei Niches Petry
Em
17/11/2015 às 17h04
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