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Quinta-feira,
21/1/2016
Fortaleza e suas pedras no caminho
Marco Garcia
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Falar sobre o crack. Estar disposto a abrir o leque de dependências, abstinências, neuroses, perdas, doenças e outro punhado de nuances que conferem uma espinha dorsal a uma das drogas mais letais que existem.
Descrever sua trágica história pelo viés de quem padece com tamanha agressividade física e mental: os usuários. Traçar diretrizes do caminho até a pedra. O que permeou o conjunto de coisas para atingir esse cenário do caos.
Desvendar o nefasto enredo – sem equivalência moral – ao qual submetem o cotidiano. Visitar as paranoias, fissuras e impactos. A dor brutal da família. A luta sem fim para sair desse corredor da morte invisível, obstáculo quase sempre inescapável.
Isso tudo sem apontar os culpados e nem querer ser o solucionador de problemas. Mas, também, longe de entregar a alma à teoria, trazendo ao debate doses reais desse submundo, as fraturas raciais e sociais de uma cidade como Fortaleza, que todos sabem que existem, mas se esquivam de ultrapassar tal fronteira.
Essa é a proposta do livro ‘Selva de Pedra – a Fortaleza Noiada’, de José Pereira Lima, o Preto Zezé, presidente da Cufa Global, lançado em 2013.
Inspirada no livro ‘Cabeça de Porco’, escrito por Celso Athayde e MV Bill (recorte do documentário ‘Falcão Meninos do Tráfico’) e sobreposta ao discurso político rasteiro, a obra estapeia a face da sociedade e do poder público com depoimentos chocantes de pessoas que chegaram ao fundo do poço por meio do perpétuo movimento entre a lata, o cachimbo e muitas “pauladas”.
Suicídio
Sob uma narrativa sucinta, de fácil leitura, o autor dá voz aos que sofrem, ou sofreram, com o terrível vício da pedra. Expõe o estado de desumanização dos personagens que, diante de uma situação extrema, o suicídio surge como a única saída que encontram para dar cabo ao sofrimento de anos, delineado pelo crack.
‘Selva de Pedra’ apresenta a democracia do vício. A pedra não faz distinção, não escolhe seus adoradores. Eles saem do asfalto de bairros chiques e das ruas de terras de comunidades fora do alcance da vista do Estado. Este é um assunto sem rivalidade.
São jovens, adultos, homens, mulheres, casados, solteiros, com filhos, sem filhos, empresários, sem teto, católicos, evangélicos, umbandistas, ateus, budistas – todos envoltos numa sistêmica redoma da seita chamada crack.
Chegar à última página deixa a sensação de proximidade com os envolvidos. Tanto com quem passou dias sem dormir e arriscou a vida para se embrenhar em ambientes nervosos e alucinantes, em que o grito “a casa caiu” era a senha para correr, fugir sem olhar para trás – quanto dos dependentes e suas inaudíveis angústias.
Marco Garcia é jornalista paulistano. Mora em Fortaleza.
Postado por Marco Garcia
Em
21/1/2016 às 22h41
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