Assim, desassistido de tudo, pus-me a caminho. Os deuses haviam morrido na antevéspera. Carregava comigo, como sempre, a inseparável provisão de sombras e augúrios que tinha colhido em sonhos e presságios, mas que agora de pouco ou nada serviria, já que andava por um mundo órfão de crenças.
As catedrais vazias viraram mausoléus de divindades mortas, para quem os raros fiéis, que insistiam em sua fé, entoavam réquiens que rebatiam nas paredes altas das imensas naves e se perdiam, através dos vitrais, pelos espaços infindos de um céu desabitado de potestades.
Era um tempo à deriva, um fim de era ou talvez um princípio de outra, onde cansados peregrinos vagueavam em busca de novos signos. E os rumores e boatos fervilhavam em surdina, sussurrados a medo, num mundo em que os humanos indefesos não tinham a quem pedir em preces proteção contra os azares da fortuna e os perigos do caminho.
Tempo de profetas e arúspices que, pela boca e nas entranhas dos pássaros, prediziam o advento de uma noite eterna. Tempo de estranhezas e de bizarros cultos.
Em sua solidão, filósofos pensavam talvez um novo mundo, a que faltava a esperança da iluminação. E a só lógica da razão afigurava-se a uma lamparina a que faltasse a chama.
Nada, além disso, o homem produzia. E pela paisagem esmaecida, aqui e ali um canto esparso, talvez de alguma ave desgarrada, talvez a voz de um vento póstumo entre galhos desnudos de espectros de árvores desfolhadas.
Assim caminho eu agora neste vale de sombras, imerso em pensamentos sobre a extinta civilização, morta anteontem. E como a sombra talvez de minha sombra, levo a certeza jamais expressa e nunca confessada dos peregrinos que transitam em busca de um horizonte inalcançável.
Ayrton Pereira da Silva