Sou engenheiro do nada
a construir no silêncio
lanço mil pontes no vento
construo contos de fada.
Não edifico no espaço
trabalho no vão do tempo
a obra feita de sonho
concreto de pensamento.
Meu labor é organizado
nos moldes tecnicistas
da moderna engenharia.
O bate-estacas martela
em seu compasso pausado
os alicerces da terra
dos sonhos jamais sonhados.
Construo assim meus castelos
de fantasmas povoados
com blocos de fantasia
da pedreira do passado.
A casa de minha infância
perdida de muitos anos
reconstruí na lembrança.
Sou artesão sem enganos.
Ergui a sua estrutura
com artes de arquitetura
de quem refaz raro quadro.
Atento a todo detalhe
fiz-me pintor e pedreiro
e carapina de entalhe.
Edifiquei na memória
fronteira cá dos meus pagos
moldando matéria-prima
das jazidas do passado.
Plantei no meio da sala
um girassol matizado
que marca o tempo sem horas
de um calendário parado.
O cuco é um pardal morto
por estilingue mirim.
Hoje ele guarda em seu posto
O girassol sem jardim.
Na casa de meu segredo
o arvoredo ensombrado
revive na terra o enredo
de seus troncos decepados.
Na casa de minha infância
tudo agora é floração.
Lá outrora fiz meu mundo
para o qual ainda hoje fujo
clandestino no porão.
Então revivo o menino
mago santo peregrino
nos caminhos sem destino
de um reino sem dimensão.
Que importa se na verdade
não mais ela exista não
se foi vendida e ferida
de morte e destruição
mais vale tê-la intangida
no solo da evocação.
Não edifico no espaço
trabalho no vão do tempo
a obra feita de sonho
concreto de pensamento.
Ayrton Pereira da Silva
in Corpo de delito & prosipoemas
Livraria José Olympio Editora, 1982