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Quinta-feira,
25/2/2016
A imposição da fé
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Começo a escrever esse texto com o cuidado de quem dirige por uma estrada íngreme em dia de chuva.
Pretendo confessar: detesto música gospel, que considero insuportável e enfadonha.
Também não gosto de cebola, só que ninguém me obriga a comer cebola, enquanto a música gospel sou obrigado a ouvir em diversos locais públicos. Um amigo reclamou dias atrás: “nos coletivos urbanos tem sempre um chato com o rádio no último volume”.
Eu já disse, mas não custa repetir: não tenho nada contra quem é religioso, até os invejo um tantinho, eles que saem de casa aos domingos à noite no intuito de louvação, enquanto eu mantenho meu corpo esticado no sofá, vendo futebol e bebendo cerveja.
Noves fora os exploradores da fé, claro que percebo que a maioria das pessoas religiosas são bem intencionadas, pratica a caridade aliada à fé e isso eu respeito.
O que me incomoda é o excesso de alguns, a insistência em querer demonstrar, inclusive através dessa música insuportável, a salvação, mesmo para quem, como eu, está se lixando para ela.
Conheço um bocado de gente estranha que afirma possuir assento cativo no paraíso, e se elas vão para lá, prefiro ficar por aqui.
Tenho o mau hábito de encontrar absurdos onde outros enxergam normalidade. Como explicar à minha razão esses excessos de reza sem caminhar pelos campos da histeria coletiva?
E se estou errado, me perdoe setenta vezes sete, como Jesus ensinou, desculpe a minha falta de jeito com as coisas do divino e entenda que nunca fui apegado à religião.
Meu nome é espírita, minha mãe que escolheu, mas dona Dalva nunca se firmou num único segmento religioso, e ainda hoje carrega aquelas lágrimas finas nos olhos que se têm quando a fé é maior do que dogmas. Assim, ela crê em todas as crenças, por mais paradoxal que isso possa parecer: oxalá, namastê, amém, ela sempre diz.
Quando criança, ficava encantado com aquelas manchinhas flutuantes que desfilam na vista quando esfregamos os olhos, e no assombro infantil, imaginava que fossem anjos.
Foi o mais próximo que cheguei a aceitar sobre a existência do céu.
Agora que cresci, as manchinhas são manchinhas que cegam, nada mais do que isso.
“Mas que sujeito sem fé você se tornou”, reclama minha mãe.
Tento lhe explicar que sou deísta, e como tal, dispenso ritos de devoção. Noutro dia reclamei que nos dias de hoje, jogador de futebol olha mais para o céu do que para a bola, e um amigo me disse que estou me tornando intolerante.
Pode ser, mas de fato penso que se o paraíso existe, não é lugar para humanos.
Nunca consegui encarar a foto do garotinho sírio, morto numa praia européia enquanto tentava escapar de uma daquelas guerras movidas por extremistas religiosos.
E a história nos revela tantas maldades em nome da fé...
Mas não sou um completo descrente; rezo antes de dormir e quando chove e estou sozinho, como agora, no silêncio do meu quarto, enquanto o barulho da chuva cresce e se alastra lá fora, murmuro frases bem baixinho, sem incomodar ninguém, namastê, oxalá, amém, como costuma dizer a minha mãe.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
25/2/2016 às 18h51
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