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Domingo,
28/2/2016
Pedalando sem meu pai
Monica Cotrim
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A "descoberta" me caiu como um raio sobre a cabeça, enquanto pedalava pela ciclovia da Lagoa. Explico-me. Vinha distraída, admirando a paisagem, enquanto pensava na reportagem que tinha acabado de ler sobre um grupo de voluntários que dão aulas no Aterro do Flamengo a crianças e adultos que queiram aprender a andar de bicicleta. Escola Bike Angel é o nome do grupo, que já atua aqui no Rio há mais de um ano. O que mais me chamou a atenção na reportagem foi o fato de haver adultos interessados nessas aulas.
Como assim, adultos? Sempre associei o ato de aprender a andar de bicicleta à fase da infância - quando nos expomos a essas coisas maravilhosas que, uma vez aprendidas, jamais esquecemos na vida - como ler, escrever e assoviar. Pedalar bicicleta, para mim, fazia parte deste curriculum natural na vida de qualquer criança.
Não foi preciso muito tempo para que eu me desse conta da absurda ingenuidade desta ideia. É claro que nem todas as crianças do mundo tem acesso a uma bicicleta, menos ainda as de gerações passadas. Por que razão eu nunca havia pensado na necessidade de um adulto ter aulas para aprender a andar de bicicleta?
Enquanto pedalava, meus pensamentos voaram ao passado. Onde é que eu estava quando andei de bicicleta pela primeira vez? Quem foi que estava ao meu lado naquele momento mágico de equilíbrio e coragem que me libertou para sempre daquelas rodinhas de trás?
Eu me vi então na calçada da rua tranquila de um Leblon que já não existe, onde vivi toda a infância. A muito custo me equilibrava naquela Merck Suisse cor de vinho, que me parecia enorme. De repente, senti um empurrão no assento da minha bicicleta, que foi jogada à frente aos solavancos. Lá de trás, pude ouvir a voz de meu pai, segura e confiante: "Pode ir, vai!" O guidón tremilicou de um lado para o outro, mas logo consegui dominar a bicicleta e deslizei, livre e feliz, pelos cinco metros mais gloriosos da minha vida até então. Lembro bem do sorriso orgulhoso do meu pai, quando desmontei da bicicleta e me virei para trás para me certificar de que ele ainda estava lá. A primeira pedalada sem rodinhas ninguém esquece!
Somente agora, depois de todos esses anos vividos, de repente me dei conta do óbvio. Aquele que me deu o empurrão necessário, transmitindo-me confiança para que eu fosse capaz de me equilibrar sobre duas rodas... nunca aprendeu, ele mesmo, a andar de bicicleta na vida! Uma constatação ao mesmo tempo clara e surpreendente para mim.
Foi esta a "descoberta" inesperada que se abateu como um raio sobre a minha cabeça, a que me referi no início do texto. Por mais que eu revirasse as gavetas da memória, não consegui encontrar nenhuma lembrança de meu pai pedalando. Nenhuma foto, nenhum fragmento de história contada. Nada.
De família humilde, meu pai não teve a sorte de ganhar uma bicicleta na infância. Já adulto e crescido, poderia perfeitamente ter aprendido a andar de bicicleta e recuperado o tempo perdido. Mas talvez não tivesse mais vontade - ou coragem - para pedalar sem rodinhas.
Se ainda estivesse vivo, hoje meu pai faria 95 anos de idade. Neste dia do seu aniversário, deixo aqui um pensamento de gratidão ao meu professor de bicicleta - aquele que jamais soube andar em uma.
Postado por Monica Cotrim
Em
28/2/2016 às 10h03
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